O MST e sua complexa base social atual
06/08/2013
- Opinión
Às vésperas de completar 30 anos, o MST reflete a dinâmica de transição entre o programa de desenvolvimento do regime civil-militar (anos 70-80), o neoliberalismo de FHC (anos 90) e o neodesenvolvimentismo dos governos petistas (anos 2000). Suas origens foram tensionadas pelas graves consequências sociais criadas pela “Revolução Verde”, pela colonização da Amazônia e pelo alargamento das fronteiras agrícolas – a contrarreforma agrária, segundo Octávio Ianni -, políticas (64-78) impostas pelo regime civil-militar. Neste quadro o movimento reconduziu para a cena político-ideológica a luta pela Reforma Agrária violentamente interrompida em 1964. Daí até a hegemonia do capital financeiro e transnacionalizado no campo, o MST vai enfrentar, além do velho antagonista – o latifúndio improdutivo -, a imperativa expansão do hidro, do agronegócio e da mineração.
Em cada um desses momentos, a questão agrária se reconfigura nos termos da modernização conservadora e permanece como eixo central da particular objetividade do capitalismo brasileiro. Na mesma medida em que o neoliberalismo (ortodoxo e neodesenvolvimentista) cria as condições para o avanço do capital transnacional no Brasil, amplia-se a proletarização no campo. A base social do MST se entrelaça ao processo mais recente de constituição do proletariado brasileiro com toda negatividade – expropriação, superexploração, desemprego, informalização e precarização - que isso representa para o mundo do trabalho.
De 84 até hoje, as circunstâncias econômicas e políticas complexificaram essa base social, agudizando o dilema característico de sua representação de classe. A formação social atual do movimento é constituída de acampados, assentados, assentados prósperos, assentados precarizados, de assalariados e semi-assalariados no campo e na cidade, de arrendatários e de rentistas, de fornecedores de matéria prima etc. E devido à dependência crescente de crédito, das políticas públicas e das exigências em cumprir com o padrão de produção ditado pelo mercado dominado pelo agronegócio, reproduz uma problemática diversidade interna de interesses, na qual todos parecem atingidos pela perda progressiva do controle sobre seu próprio funcionamento e pela subsunção real do trabalho ao capital.
Em toda sua história, o MST movimentou-se entre a radicalidade de suas práticas de ocupação e a luta institucional para viabilizar os assentamentos e acomodar as famílias trabalhadoras em seus lotes. A contradição da reforma agrária bateu mais cedo do que se esperava às portas do movimento exigindo a incômoda definição entre atender as contingências do mercado com camponeses integrados ao capitalismo agrário (ou) perseverar na formação de trabalhadores conscientes de seu papel na construção do socialismo.
Eis a sua mais profunda tensão interna: pôr em memória as conquistas do passado, defender sua “vocação camponesa”, apostar no empreendedorismo de alguns assentamentos, refluir nas lutas e institucionalizar-se . Ou denunciar os limites cada vez mais evidentes que o capital, através de instrumentos privados e estatais, impõe à sua existência como alternativa societária – quase sempre problemática - no interior da ordem. Mais, enfrentar, com a positividade que a luta de classes exige, a proletarização de sua base social convertida num enorme celeiro de força de trabalho disponível para o capital no campo e na cidade.
Os caminhos da “revolução na ordem” se esgotaram. As condições atuais da realidade objetiva se definem por um padrão de acumulação essencialmente destrutivo, o que impõe severa crítica à toda e qualquer via de desenvolvimento – incluindo aí o neodesenvolvimentismo – que se venha formular para a reprodução do sistema sócio-metabólico do capital. Isso obviamente envolve o sentido histórico da Reforma Agrária a ser dado pela base social do MST, cuja história revela com nitidez cada vez maior a contradição de se pretender seguir os dois caminhos concomitantemente.
- Maria Orlanda Pinassi é professora da FCL/UNESP de Araraquara.+
- Frederico Daia Firmiano é professor da Fundação de Ensino Superior de Passos/Universidade do Estado de Minas Gerais-FESP/UEMG.
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