O fenômeno Russomanno
25/09/2012
- Opinión
Numa reunião de intelectuais em apoio ao então pré-candidato petista Fernando Haddad, um deles disse: “Vamos nos concentrar na classe média porque a periferia já é nossa”. Passados vários meses, parece que só agora petistas e tucanos acordaram para o fato de que a dianteira do Deputado Celso Russomanno nas eleições de 2012 na cidade de São Paulo é mais do que um fogo de palha.
Até recentemente vigorava a ideia de que Russomanno era uma novidade passageira. Depois surgiu a ideia de que ele podia se estabilizar somente porque o eleitor estaria cansado da polarização entre PT e PSDB e apostaria num outsider desvinculado de partidos.
Alguns tentaram explicá-lo pelo fato de que o lulismo teria criado uma base ampla em que petistas e lideranças evangélicas coabitam no governo federal. A nova classe trabalhadora que ascendeu ao mercado poderia ser disputada pelo tradicional discurso petista de melhoria do serviço público ou se voltar para um discurso típico da classe média: a defesa do consumidor. E nisto Russomanno é um mestre pelo histórico de seus programas de televisão.
Nada mais falso. Ainda que uma parte das pessoas que ingressam no mercado possa querer se diferenciar pela compra de serviços privados, não há nenhuma correlação comprovada entre consumo e ideologia política. Pessoas da classe média tradicional consomem mais e se consideram politizadas. Por que no momento em que os pobres ascendem eles não teriam capacidade de consumir e manter suas preferências políticas?
As igrejas evangélicas também foram mostradas como motivo do voto popular. Mas os evangélicos não são mais “alienados” do que ateus ou membros de outras religiões. Se uma parte dos fiéis pode seguir o pastor, uma maioria certamente se define por convicções formadas em vários espaços de sociabilidade como a vizinhança, os parentes mais informados e também as igrejas. Muitas pessoas na periferia frequentam mais de uma ao mesmo tempo.
A história não costuma ser chamada a opinar em processos eleitorais que tem oscilações rápidas e casuais. Uma acusação de corrupção, um escândalo na família e a falta de recursos financeiros podem fazer desabar uma candidatura. Pode ser que o vídeo de Mitt Romney falando maldades dos eleitores de Obama tenha selado a sua derrota. Quem sabe?
Mas deixando de lado as oscilações do tempo curto, a história de São Paulo prova duas coisas. A primeira é que um candidato como Russomanno não é nenhuma novidade, mas a norma. Desde os anos 1940 candidatos como Ademar de Barros e Janio Quadros mantiveram uma corrente que podemos chamar apenas por falta de um conceito melhor como “direita popular”. Ela contrastava com a direita nacional de classe média da UDN que era derrotada nas eleições presidenciais. Decerto muita gente desgosta da expressão porque parece um oximoro. Se é popular não pode ser direita.
Esta corrente política nunca se expressou numa organização partidária, mas é um “partido” no lato sentido de corrente de opinião permanente. O fenômeno de candidatos direitistas com voto não é uma exclusividade paulistana. Mas como São Paulo é uma grande cidade que passou por urbanização intensa em dimensões incomparáveis, as populações recém-chegadas sempre foram alvo de um discurso autoritário que as situavam como clientela e vítima. “Culpadas” pela violência que sofriam e dependentes, elas nem sempre se viam como trabalhadoras responsáveis pelo erguimento da metrópole e sucumbiam à mensagem de ordem, segurança e habitação. Mas ao mesmo tempo se organizavam nas associações de bairro (muitas com sede própria há mais de meio século) e conquistavam loteamentos, asfalto, postos de saúde etc.
Mas a história paulistana nos mostra um segundo fator. Nunca houve uma polarização entre PT e PSDB no município de São Paulo. Em 1985 um velho representante desse “partido de direita” voltou ao poder municipal pelo voto. Era Janio Quadros que derrotou F. H. Cardoso. Mas Eduardo Suplicy (PT) ficou num digno terceiro lugar. Em 1988 o município foi surpreendido pela vitória de Luiza Erundina (então no PT). Mas desde 1992 o malufismo governou São Paulo. Na onda neoliberal a direita apresentou a privatização da saúde como propaganda já em 1992 e não agora. O PAS (Plano de Atendimento à Saúde) foi uma concessão de serviços públicos que enriqueceu alguns empresários médicos e se parecia a um plano de saúde privado.
Enquanto isso, o PT fincou raízes na periferia extrema da cidade, mas divide o apoio com a direita popular. Na verdade só conseguiu derrotá-la em 1988 numa eleição de um só turno e em 2000 quando o Governo FHC estava em seu momento de mais baixa popularidade e o PT despontava como alternativa nacional de poder. Além disso, a petista Marta Suplicy teve o apoio do Governador Mario Covas do PSDB! A vitória do tucano José Serra em 2004 poderia ser apontada como uma anomalia, pois ele não tem o perfil malufista. Tem um partido estabelecido e outra relação com eleitores de classe média.
Mas a vitória de Serra só foi possível com o apoio de votos que ficaram sem uma liderança na direita popular em 2004, já que ela estava absorvida pelo governo Lula em sua lua de mel com os novos aliados. Maluf já estava em franca decadência e o próprio Serra inclinou o discurso à direita. Ao olhar somente para o tempo curto o analista passa a acreditar que há um fenômeno estrutural: a “direita lulista”. Na verdade, a Direita popular atualiza frequentemente o discurso, pois se apresenta como uma “direita de resultados” e não presa a valores morais. Estes são mais fortes na direita conservadora de classe média. Depois de sua derrota em 1988 a direita popular incorporou temas sociais ao lado das propostas de suas tradicionais grandes obras viárias. O projeto Cingapura (Habitação) e a aparente defesa dos favelados foram vitrines da campanha malufista em 1992.
Entretanto, Serra perdeu a chance de quebrar a polaridade entre PT e a velha direita ao deixar a prefeitura para um antigo malufista que se reelegeu: Kassab. A disputa de 2012 pode reproduzir o duelo entre petistas e a direita popular. Se o PSDB for ao segundo turno isso se deverá mais ao erro estratégico do PT ter demorado a fazer campanha onde ele sempre foi mais forte: a periferia. A geografia do voto em São Paulo mostra há vinte anos que o PT tem apoio maior entre os mais pobres.
O apoio de Maluf ao PT em nada muda a luta política estabelecida porque a sua base social não o acompanhou. É que a periferia não é propriedade de ninguém. O PT tem lá sua força e a direita popular também porque ela é popular de fato. E é de Direita porque visa manter o Status Quo através da canalização das necessidades populares para saídas individualistas ou para organizações limitadas às demandas corporativas.
Decerto um “grande acontecimento” ou uma campanha massiva dos meios de comunicação (no caso de Serra ir ao segundo turno) pode tirar a vitória de Russomanno. Fora disso só o improvável apoio do eleitorado do PSDB ao PT no segundo turno e a recuperação dos votos petistas nos extremos Leste e Sul da cidade alterariam um resultado mais do que previsível, embora não inelutável. É que as eleições são uma composição de quadros dinâmicos e não estáticos. Haddad poderia reorientar sua agenda na reta final do primeiro turno totalmente para o objetivo de desmontar uma parcela do apoio popular à Direita e, depois, usar sua imagem de classe média para atrair os votos que Marta Suplicy teve em 2000. Se ainda há tempo só a campanha petista poderá comprovar depois de tantas desavenças internas e erros estratégicos.
Quanto ao futuro, é a mudança de condição de vida já em curso na periferia que poderá quebrar a hegemonia de Direita em São Paulo. A velocidade da urbanização e o perfil da economia industrial da cidade começaram a mudar nos últimos decênios. Mas para isso a esquerda precisa ver os pobres como sujeitos históricos.
- Lincoln Secco é Professor de História Contemporânea na USP e autor de “A História do PT” (Ed. Ateliê, terceira edição, 2012).
Até recentemente vigorava a ideia de que Russomanno era uma novidade passageira. Depois surgiu a ideia de que ele podia se estabilizar somente porque o eleitor estaria cansado da polarização entre PT e PSDB e apostaria num outsider desvinculado de partidos.
Alguns tentaram explicá-lo pelo fato de que o lulismo teria criado uma base ampla em que petistas e lideranças evangélicas coabitam no governo federal. A nova classe trabalhadora que ascendeu ao mercado poderia ser disputada pelo tradicional discurso petista de melhoria do serviço público ou se voltar para um discurso típico da classe média: a defesa do consumidor. E nisto Russomanno é um mestre pelo histórico de seus programas de televisão.
Nada mais falso. Ainda que uma parte das pessoas que ingressam no mercado possa querer se diferenciar pela compra de serviços privados, não há nenhuma correlação comprovada entre consumo e ideologia política. Pessoas da classe média tradicional consomem mais e se consideram politizadas. Por que no momento em que os pobres ascendem eles não teriam capacidade de consumir e manter suas preferências políticas?
As igrejas evangélicas também foram mostradas como motivo do voto popular. Mas os evangélicos não são mais “alienados” do que ateus ou membros de outras religiões. Se uma parte dos fiéis pode seguir o pastor, uma maioria certamente se define por convicções formadas em vários espaços de sociabilidade como a vizinhança, os parentes mais informados e também as igrejas. Muitas pessoas na periferia frequentam mais de uma ao mesmo tempo.
A história não costuma ser chamada a opinar em processos eleitorais que tem oscilações rápidas e casuais. Uma acusação de corrupção, um escândalo na família e a falta de recursos financeiros podem fazer desabar uma candidatura. Pode ser que o vídeo de Mitt Romney falando maldades dos eleitores de Obama tenha selado a sua derrota. Quem sabe?
Mas deixando de lado as oscilações do tempo curto, a história de São Paulo prova duas coisas. A primeira é que um candidato como Russomanno não é nenhuma novidade, mas a norma. Desde os anos 1940 candidatos como Ademar de Barros e Janio Quadros mantiveram uma corrente que podemos chamar apenas por falta de um conceito melhor como “direita popular”. Ela contrastava com a direita nacional de classe média da UDN que era derrotada nas eleições presidenciais. Decerto muita gente desgosta da expressão porque parece um oximoro. Se é popular não pode ser direita.
Esta corrente política nunca se expressou numa organização partidária, mas é um “partido” no lato sentido de corrente de opinião permanente. O fenômeno de candidatos direitistas com voto não é uma exclusividade paulistana. Mas como São Paulo é uma grande cidade que passou por urbanização intensa em dimensões incomparáveis, as populações recém-chegadas sempre foram alvo de um discurso autoritário que as situavam como clientela e vítima. “Culpadas” pela violência que sofriam e dependentes, elas nem sempre se viam como trabalhadoras responsáveis pelo erguimento da metrópole e sucumbiam à mensagem de ordem, segurança e habitação. Mas ao mesmo tempo se organizavam nas associações de bairro (muitas com sede própria há mais de meio século) e conquistavam loteamentos, asfalto, postos de saúde etc.
Mas a história paulistana nos mostra um segundo fator. Nunca houve uma polarização entre PT e PSDB no município de São Paulo. Em 1985 um velho representante desse “partido de direita” voltou ao poder municipal pelo voto. Era Janio Quadros que derrotou F. H. Cardoso. Mas Eduardo Suplicy (PT) ficou num digno terceiro lugar. Em 1988 o município foi surpreendido pela vitória de Luiza Erundina (então no PT). Mas desde 1992 o malufismo governou São Paulo. Na onda neoliberal a direita apresentou a privatização da saúde como propaganda já em 1992 e não agora. O PAS (Plano de Atendimento à Saúde) foi uma concessão de serviços públicos que enriqueceu alguns empresários médicos e se parecia a um plano de saúde privado.
Enquanto isso, o PT fincou raízes na periferia extrema da cidade, mas divide o apoio com a direita popular. Na verdade só conseguiu derrotá-la em 1988 numa eleição de um só turno e em 2000 quando o Governo FHC estava em seu momento de mais baixa popularidade e o PT despontava como alternativa nacional de poder. Além disso, a petista Marta Suplicy teve o apoio do Governador Mario Covas do PSDB! A vitória do tucano José Serra em 2004 poderia ser apontada como uma anomalia, pois ele não tem o perfil malufista. Tem um partido estabelecido e outra relação com eleitores de classe média.
Mas a vitória de Serra só foi possível com o apoio de votos que ficaram sem uma liderança na direita popular em 2004, já que ela estava absorvida pelo governo Lula em sua lua de mel com os novos aliados. Maluf já estava em franca decadência e o próprio Serra inclinou o discurso à direita. Ao olhar somente para o tempo curto o analista passa a acreditar que há um fenômeno estrutural: a “direita lulista”. Na verdade, a Direita popular atualiza frequentemente o discurso, pois se apresenta como uma “direita de resultados” e não presa a valores morais. Estes são mais fortes na direita conservadora de classe média. Depois de sua derrota em 1988 a direita popular incorporou temas sociais ao lado das propostas de suas tradicionais grandes obras viárias. O projeto Cingapura (Habitação) e a aparente defesa dos favelados foram vitrines da campanha malufista em 1992.
Entretanto, Serra perdeu a chance de quebrar a polaridade entre PT e a velha direita ao deixar a prefeitura para um antigo malufista que se reelegeu: Kassab. A disputa de 2012 pode reproduzir o duelo entre petistas e a direita popular. Se o PSDB for ao segundo turno isso se deverá mais ao erro estratégico do PT ter demorado a fazer campanha onde ele sempre foi mais forte: a periferia. A geografia do voto em São Paulo mostra há vinte anos que o PT tem apoio maior entre os mais pobres.
O apoio de Maluf ao PT em nada muda a luta política estabelecida porque a sua base social não o acompanhou. É que a periferia não é propriedade de ninguém. O PT tem lá sua força e a direita popular também porque ela é popular de fato. E é de Direita porque visa manter o Status Quo através da canalização das necessidades populares para saídas individualistas ou para organizações limitadas às demandas corporativas.
Decerto um “grande acontecimento” ou uma campanha massiva dos meios de comunicação (no caso de Serra ir ao segundo turno) pode tirar a vitória de Russomanno. Fora disso só o improvável apoio do eleitorado do PSDB ao PT no segundo turno e a recuperação dos votos petistas nos extremos Leste e Sul da cidade alterariam um resultado mais do que previsível, embora não inelutável. É que as eleições são uma composição de quadros dinâmicos e não estáticos. Haddad poderia reorientar sua agenda na reta final do primeiro turno totalmente para o objetivo de desmontar uma parcela do apoio popular à Direita e, depois, usar sua imagem de classe média para atrair os votos que Marta Suplicy teve em 2000. Se ainda há tempo só a campanha petista poderá comprovar depois de tantas desavenças internas e erros estratégicos.
Quanto ao futuro, é a mudança de condição de vida já em curso na periferia que poderá quebrar a hegemonia de Direita em São Paulo. A velocidade da urbanização e o perfil da economia industrial da cidade começaram a mudar nos últimos decênios. Mas para isso a esquerda precisa ver os pobres como sujeitos históricos.
- Lincoln Secco é Professor de História Contemporânea na USP e autor de “A História do PT” (Ed. Ateliê, terceira edição, 2012).
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