Relatório Revela os Crimes do Latifúndio

25/08/2003
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Historicamente, a violência no campo tem sido causada pela enorme concentração fundiária. Além de centenas de assassinatos de trabalhadores rurais, o monopólio da terra gera pobreza, desemprego, exclusão social, além de manter o poder das oligarquias rurais que buscam perpetuar a estrutura colonial no país. Essas informações estão contidas no Relatório sobre os Crimes do Latifúndio, lançado dia 26 de agosto pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, Centro de Direitos Humanos Evandro Lins e Silva e Instituto Carioca de Criminologia. Números da Violência Entre janeiro e agosto de 2003, a Comissão Pastoral da Terra documentou 44 assassinatos de trabalhadores rurais. De 1985 a 2002, foram registrados 1.280 assassinatos de camponeses, advogados, técnicos, lideranças sindicais e religiosas ligados à luta pela terra. A impunidade é praticamente a regra geral nesses casos. Desses 1.280 assassinatos, apenas 121 foram levados a julgamento. Entre os mandantes dos crimes, somente 14 foram julgados, sendo sete condenados. Foram levados a julgamento quatro intermediários, sendo dois condenados. Entre os 96 executores julgados, 58 foram condenados. De 1985 a 2002, ocorreram 6.330 prisões arbitrárias de trabalhadores rurais. Durante o mesmo período, houve 715 casos de tortura e 19.349 agressões físicas. Somente em 2002, houve 43 assassinatos, 20 tentativas de assassinato e 73 ameaças de morte contra trabalhadores, além de 44 agredidos fisicamente e 20 torturados. O Monopólio da Terra A concentração de terra no Brasil é uma das maiores do mundo. Menos de 50 mil proprietários rurais possuem áreas superiores a mil hectares e controlam 50% das terras cadastradas. Cerca de 1% dos proprietários rurais detêm em torno de 46% de todas as terras. Dos aproximadamente 400 milhões de hectares titulados como propriedade privada, apenas 60 milhões de hectares são utilizados como lavoura. O restante das terras estão ociosas, sub-utilizadas, ou destinam-se à pecuária. Segundo dados do INCRA (Instituto de Colonização e Reforma Agrária), há cerca de 100 milhões de hectares de terras ociosas. Por outro lado, existem cerca de 4,8 milhões de famílias sem terra no Brasil. O professor Manuel Domingos, da Universidade Federal do Ceará, afirma que: "As estatísticas cadastrais revelam uma persistente concentração da propriedade da terra. De acordo com o INCRA, entre 1992 e 1998, a área ocupada pelos imóveis maiores de 2.000 hectares foi ampliada em 56 milhões de hectares, o que representa três vezes mais que os 18 milhões de hectares que o governo FHC afirma ter desapropriado durante seis anos. A área ocupada por 10% dos maiores imóveis do país cresceu, no período em referência, de 77,1% para 78,6% da área total". As melhores terras destinam-se à monocultura de cultivos para a exportação como cana, café, algodão, soja e laranja. Ao mesmo tempo, 40 milhões de pessoas passam fome no país, sendo que grande parte está no meio rural. Segundo o IBGE, os estabelecimentos agrícolas estão divididos da seguinte forma: - 4,3 milhões com áreas inferiores a 100 Ha; - 470 mil com áreas de 100 Ha a menos de 1.000 Ha; - 47 mil com áreas de 1.000 Ha a menos de 10.000 Ha; - 2,2 mil com áreas a partir de 10.000 Ha; e o restante sem declaração. O nível de produção dividi-se da seguinte forma: - os estabelecimentos inferiores a 100 Ha respondem por 47% do valor total da produção agropecuária; - os estabelecimentos de 100 Ha a menos de 1.000 Ha respondem por 32% desse valor; - os estabelecimentos entre 1.000 Ha e 10.000 Ha participam com 17% do valor total; - os estabelecimentos acima de 10.000 Ha respondem por 4% do valor total. Em relação à mão-de-obra, constatou-se o seguinte: - os estabelecimentos com menos de 10 Ha absorvem 40,7% da mão-de-obra; - os de 100 Ha a 1.000 Ha absorvem 39,9% da mão-de- obra; - os acima de 1.000 Ha absorvem 4,2% da mão-de-obra. Estes dados mostram que os pequenos agricultores são responsáveis pela grande maioria da produção de alimentos e pela geração de empregos no campo. A Reforma Agrária é um Direito Constitucional O Artigo 184 da Constituição brasileira determina que: "Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei." Portanto, a desapropriação de terras que não cumprem sua função social não possui sequer um caráter punitivo, já que existem mecanismos de compensação econômica mesmo para aqueles que se apropriaram de um bem público-a terra-para mera especulação. A função social da terra é determinada de acordo com o nível de produtividade, além de critérios que incluem os direitos trabalhistas e a proteção ao meio ambiente. Principais Casos de Violações de Direitos Humanos Existe atualmente uma campanha por parte de forças conservadoras que tentam impedir a implementação da reforma agrária. Os latifundiários gaúchos, por exemplo, têm estimulado a violência através de ameaças de morte e do bloqueio da marcha dos sem terra em São Gabriel. Em junho, eles distribuíram panfletos com o seguinte conteúdo: "Se tu, gabrielense amigo, possuis um avião agrícola, pulveriza a noite 100 litros de gasolina em vôo rasante sobre o acampamento de lona dos ratos. (...) Se tu, gabrielense amigo, possuis uma arma de caça calibre 22, atira de dentro do carro contra o acampamento, o mais longe possível. A bala atinge o alvo mesmo há 1200 metros de distância." Um dos casos mais emblemáticos de violência contra trabalhadores rurais foi Massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará. Em 17 de abril de 1996, oficiais da Polícia Militar mataram 19 trabalhadores rurais, ferindo gravemente outros 69. Alguns meses depois, outros dois lavradores morreram em conseqüência dos ferimentos. Segundo o médico legista Nelson Massini, houve execução sumária, pois a maioria das vítimas foi atingida com tiros no peito, cabeça e nuca. Em agosto de 2000, todos os 154 policiais militares acusados de participar do massacre foram absolvidos. Aquele julgamento foi anulado e, em 2001, outro júri condenou somente dois oficiais. Apesar disso, eles continuam em liberdade aguardando recurso. O Pará é o campeão da violência contra trabalhadores rurais. Os registros da CPT mostram que, de 1971 a 2002, ocorreram 726 assassinatos de camponeses no Estado. O Paraná também possui um grande número de violações. Segundo a CPT, "O governo Jaime Lerner foi responsável por uma onda de violência que deixou 16 trabalhadores assassinados, 31 vítimas de atentados, 47 ameaçados de morte, 7 vítimas de tortura, 324 feridos, 488 presos, em 134 ações de despejo". Atualmente existem 62 acampamentos, com 13 mil famílias sem terra no Paraná, vivendo em precárias condições. A reação dos ruralistas tem sido intimidar os trabalhadores, através da organização de milícias armadas. Recentemente, foi encontrada uma listas com nomes de trabalhadores ameaçados de morte. O assassinato do militante do MST, Francisco Nascimento de Souza, que fazia parte da lista dos marcados para morrer, demostra como os pistoleiros têm atuado com impunidade no Paraná. Pernambuco representa outro grave foco de violência. Segundo a CPT, de 1995 até 2001 ocorreram 14 assassinatos de trabalhadores rurais, 43 casos de tortura, 232 prisões arbitrárias e 416 casos de agressão física e ferimentos, em 842 conflitos de terra. Desde o período colonial, a região tem sido marcada pela permanência da monocultura da cana de açúcar, controlada por grandes latifundiários. Com a falência do setor, trabalhadores rurais passaram a reivindicar a posse das terras ociosas. De acordo com Marluce Cavalcanti, assessora da CPT, "nos últimos 15 anos, mais de 150 mil postos de trabalho foram extintos com a crise do setor sucroalcoleiro. A região possui mais de 40 mil famílias acampadas em terras improdutivas." Na maioria desses acampamentos, as famílias aguardam durante anos a regulamentação da terra. Atualmente, crescem as ameaças de despejo, como no caso do Engenho Prado, em Nazaré da Mata. Em julho, o Juiz da Comarca local, Carlos Alberto Maranhão determinou o despejo e a demolição de residências, igrejas e lavouras construídas por 300 famílias que viveram na área durante seis anos. Os advogados da CPT argumentam que as benfeitorias e lavouras cultivadas pelos trabalhadores foram avaliadas em 5 milhões de reais, mostrando a viabilidade econômica daquela comunidade, que abastecia com alimentos as feiras de cinco municípios da região. No estado de São Paulo, a principal forma de repressão ocorre através de prisões arbitrárias na região do Pontal do Paranapanema. De 2002 até meados de 2003 foram decretadas 28 prisões de integrantes do MST, pelo juiz Átis de Araújo Oliveira, da Comarca de Teodoro Sampaio. Segundo o advogado Patrick Mariano, "Estes processos são essencialmente políticos, com o objetivo de reprimir da atuação de um movimento que questiona a má distribuição, a devolutividade e o abandono de mais de 90% das terras do Pontal". Todas essas ações têm sido contestadas no Tribunal de Justiça de São Paulo, no Tribunal de Alçada Criminal ou no Superior Tribunal de Justiça. Recentemente, o Ministro do STJ Paulo Medina concedeu liberdade para Márcio Barreto e Valmir Rodrigues Chaves, afirmando que estes "são obreiros rurais integrantes do MST, que lutam e sacrificam-se por mais razoável meio de vida, onde a dignidade social somente pode ser restaurada no momento em que se fizer a verdadeira, necessária e indispensável reforma agrária no País". Esse tipo de decisão contribui com a formação de uma jurisprudência respeitada em defesa da reforma agrária. O Estado brasileiro possui todos os mecanismos necessários para democratizar a terra, além do amplo apoio da sociedade. Informações para a imprensa: Rede Social de Justiça e Direitos Humanos Tel (11) 3275-4789 / 3271-1237 / 9613-0247
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