Chiapas: a décima terceira estela. Quarta parte: um plano

30/07/2003
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Há vários anos, as comunidades indígenas zapatistas estão empenhadas num processo de construção da autonomia. Para nós, a autonomia não é fragmentação do país ou separatismo, mas sim o exercício do direito de governar e governar-nos, conforme estabelece o artigo 39 da Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos. Desde o início do nosso levante, e bem antes, nós indígenas zapatistas temos insistido que somos mexicanos... mas também somos indígenas. Isso quer dizer que reivindicamos um lugar na Nação Mexicana, mas sem deixar de ser o que somos. O suposto projeto zapatista de uma "Nação Maia" só existe nos papéis de alguns dos militares mais estúpidos do Exército Federal Mexicano que, sabendo que a guerra que travam contra nós é ilegítima, usam este pobre argumento para convencer suas tropas de que, atacando-nos, defendem o México. Contudo, o alto comando militar e seus serviços de inteligência sabem que o EZLN não aspira a separar-se do México, mas sim que, como diz o seu sobrenome, pretende a "libertação nacional". Por outro lado, o projeto separatista para o sudeste mexicano está na aplicação da doutrina neoliberal às nossas terras e é comandado pelo governo federal. O agora fracassado "Plano Puebla Panamá" nada mais era a não ser um plano de fragmentar o país, designando ao sudeste mexicano a função de "área reservada" ao dinheiro mundial. No projeto de fragmentação viabilizado pelo governo (esta é a verdadeira agenda dos partidos políticos e dos três poderes da União, não a que sai na imprensa), o México seria dividido em três: o norte, com seus Estados incorporados na lógica produtiva e comercial da União Americana; o centro, como provedor de consumidores de médio e alto poder aquisitivo; e o sul-sudeste como território a ser conquistado pela apropriação dos recursos naturais que, na destruição globalizada, são cada vez mais importantes: água, ar e terra (madeira, petróleo, urânio...e pessoas). Sendo esquemáticos e breves, teríamos que o plano é fazer: do norte, uma grande maquiladora; do centro, um gigantesco "mall"; e do sul-sudeste, uma grande fazenda. Mas uma coisa são os planos no papel e outra é a realidade. A voracidade do grande dinheiro, a corrupção da classe política, a ineficiência da administração pública e a crescente resistência de grupos, coletivos e comunidades têm impedido que o plano possa ser completamente implementado, e que aonde consegue se instalar apresenta a solidez de uma cenografia de papelão presa com alfinetes. Agora que, para o Poder, os "suicídios" parecem estar na moda, poderíamos dizer que não há conceito melhor para definir os planos de políticos e empresários para o nosso país: um suicídio. A globalização do dinheiro precisa da destruição do Estado Nacional. Este, durante muito tempo, tem sido (entre outras coisas) a trincheira na qual se refugiam os capitais nacionais para subsistir e crescer. Mas da trincheira sobram só alguns escombros. No campo, os pequenos e médios produtores têm sucumbido diante da grande agroindústria. Em seguida, será a vez dos grandes produtores nacionais. Na cidade, os "mall", ou seja, os centros comerciais, não anulam só o pequeno e médio comércio, mas também "tragam" os grandes comércios nacionais. Sem falar da indústria nacional, que já está nas últimas. Frente a isso, a estratégia do dinheiro nacional tem sido ingênua pra não dizer estúpida. Tem distribuído moedas para um e para outro do espectro dos partidos políticos, garantindo assim (pelo menos, é nisso que acreditam) que não importa a cor que governa, porque estará sempre a serviço da cor do dinheiro. Desta forma, os grandes empresários mexicanos financiam tanto o PRI, o PAN, o PRD, ou qualquer partido político que tenha alguma chance na arena governamental e parlamentar. Em suas reuniões (como nos tempos da máfia na América do Norte, os casamentos costumam ser um pretexto para que os grandes senhores selem acordos e superem conflitos), os senhores mexicanos do dinheiro se felicitam mutuamente; têm na lista toda a classe política nacional. Mas lamento dar-lhes uma má notícia: como demonstrado pelo agora calado escândalo dos "Amigos de Fox", o dinheiro forte vem do outro lado. Se quem paga manda, quem paga mais, manda mais. Desta forma, estes políticos impulsionarão as leis de acordo com o cheque que recebem. Cedo ou tarde, os grandes capitais estrangeiros irão se apropriando de tudo, começando por quebrar e absorver os que mais têm. E tudo isso com a proteção de leis "ad hoc". Os políticos são, e há muito tempo, dóceis empregados... de quem paga mais. Os empresários nacionais fazem mal a pensar que o dinheiro estrangeiro se conformará com o setor elétrico e o petróleo. O novo poder no mundo quer tudo. Desta forma, o dinheiro nacional ficará só na saudade e, se tiver sorte, com algum cargo menor nas direções. Em sua cegueira histórica, o agonizante capital nacional vê com terror qualquer forma de organização social. As casas dos mexicanos ricos são protegidas com complexos sistemas de segurança. Temem que a mão que lhe tira o que têm venha de baixo. Ao fazer uso do seu direito à esquizofrenia, os mexicanos ricos não delatam só a origem real de sua abundância, mas também revelam sua visão curta. Serão despojados sim, mas não pela improvável fúria popular, e sim por uma cobiça maior do que a deles: a daqueles que são ricos de onde é a riqueza. Não é assaltando as grandes mansões e de madrugada que a desgraça entrará, mas sim pela porta principal e em horário comercial. O ladrão não tem o físico do despossuído, mas sim o do próspero banqueiro. Quem despojará de vez os Slim, os Zambrano, os Romo, os Salinas Pliego, os Azcárraga, os Salinas de Gortari e os demais sobrenomes do reduzido universo dos ricos mexicanos, não fala tzeltal, tzotzil, chol ou tojolabal, e nem tem pele morena. E menos ainda fala espanhol. Fala inglês, tem a pele cor verde-dólar, estudou em universidades estrangeiras e é um ladrão de hábitos refinados. Por isso, de nada lhes servirão os exércitos e as polícias. Estes se preparam e ficam entrincheirados para combaterem contra forças rebeldes, mas seu maior inimigo, o que os aniquilará por completo, professa a mesma ideologia: o capitalismo selvagem. Por sua vez, a classe política tradicional já começou a ser desalojada. Se o Estado é visto como uma empresa, é melhor que sejam os gerentes a administrá-lo, não os políticos. E na neo-empresa "estado-nacional.com" a arte da política não serve mais. Os políticos de antigamente já se deram conta disso e tendem a esconder-se em suas respectivas trincheiras regionais ou locais. Mas o furacão neoliberal irá buscá- los também aí. Enquanto isso, o capital nacional continuará em seus fartos banquetes. E talvez nunca vai perceber que um de seus comensais será o coveiro. Por isso, em vão esperam aqueles que suspiram para que a defesa do Estado Nacional venha dos empresários nacionais, dos políticos ou das "instituições da República". Uns, outros e outras estão embriagados pelo holograma do poder nacional e não se dão conta de que logo serão tirados da mansão que agora possuem. Em algumas ocasiões, nós zapatistas temos nos referido ao chamado "Plano Puebla Panamá" como a algo já extinto. Isso tem sido assim por várias razões: Uma é que o mencionado plano já foi minado e a simples tentativa de implementá-lo não fará outra coisa a não ser acirrar as revoltas sociais. Outra é que o plano pretende que aceitemos que no norte e no centro do país as coisas já estão decididas e ninguém se opõe. Isso é falso. Os rumos da resistência e da rebeldia cruzam todo o território nacional e afloram também aí onde a modernidade parece ter triunfado totalmente. Outra ainda é que, pelo menos nas montanhas do sudeste mexicano, não se permitirá a sua implementação por nenhum motivo. Para nós não é um inconveniente que Derbez e Taylor continuem iludindo empresários com o mencionado plano, e que vários funcionários cobrem honorários por trabalharem em seu cadáver. Fizemos nossa parte em avisar e que cada um faça o que quiser. O principal plano do governo não é o "Plano Puebla Panamá". Este serve só para entreter uma parte da burocracia estatal e para que os empresários nacionais comunguem com a roda de moinho de que, agora sim, o governo fará algo para melhorar a economia. Em vez disso, o plano principal do casal presidencial consiste em algo completamente diferente do "PPP": desmantelar todas as já frágeis defesas da economia nacional, entregar-se totalmente à desordem globalizada e atenuar um pouco, com sermões e esmolas, os impactos brutais de uma guerra mundial que já devastou várias nações. Se para Carlos Salinas de Gortari o projeto do mandato foi o "Pronasol" (lembrem que até começaria a se formar o "partido solidariedade"), para o foxismo é a "Fundação Vamos México", dirigido por Martha Sahagún de Fox. O "Pronasol" nada mais era a não ser a esmola institucionalizada. "Vamos México" tem, além disso, um forte cheiro de prostíbulo rançoso. Os planos do governo costumam ser complexos e retumbantes, mas a única coisa a ficar escondida por tanto palavrório é o alto salário dos seus funcionários. Estes planos servem só para ter secretarias, emitir comunicados de imprensa e dar a impressão de que está se fazendo algo pelas pessoas. Os que mandam mandando esquecem que a virtude de um bom plano é que deve ser simples e sincero. De tal forma que, diante do "Plano Puebla Panamá" em particular, e contra todo plano global de fragmentação da nação mexicana em geral, o Exército Zapatista de Libertação Nacional lança agora o... "Plano La Realidad- Tijuana" ("RealiTi", pela sigla). O Plano consiste em amarrar todas as resistências em nosso país e, com elas, reconstruir a nação mexicana a partir de baixo. Em todos os Estados da federação existem homens, mulheres, crianças e anciãos que não se rendem e que, ainda que não se fale deles, lutam por democracia, liberdade e justiça. Nosso plano consiste em falar com eles e ouvi-los. O Plano "La Realidad-Tijuana" não tem orçamento algum, nem funcionários e nem secretarias. Conta só com as pessoas que, no seu lugar, com o seu tempo e a seu modo, resistem à espoliação, e lembra que a pátria não é uma empresa com sucursais, mas sim uma história comum. E a história não é só passado. É também, e sobretudo, futuro. Como a música do Cavalo Branco, mas em Sombra-Luz e saindo um domingo de La Realidad (e não de Guadalajara), a palavra e o ouvido zapatista atravessarão todo o território nacional, de Cancun a Tapachula, até Matamoros e Paz, chegará a Tijuana à luz do dia, passará por Rosarito e não vai parar até ver Ensenada. E não só isso. Como o nosso modesto anseio é contribuir com alguma coisa para a construção de um mundo onde caibam muitos mundos, temos também um plano para os cinco continentes. Para o norte do continente Americano temos o "Plano Morelia-Polo Norte" que inclui os Estados Unidos e o Canadá. Para a América Central, o Caribe e a América do Sul, temos o "Plano La Garrucha-Terra do Fogo". Para a Europa e a África, temos o "Plano Oventik-Moscou" (caminhando para oriente e passa por Cancun em setembro próximo). Para Ásia e Oceania, temos o "Plano Roberto Barrios-Nova Deli" (caminhando para o ocidente). Para os cinco continentes o plano é o mesmo: lutar contra o neoliberalismo e pela humanidade. E temos também um plano para as galáxias, mas ainda não sabemos que nome vamos dar a ele ("Terra-Alpha Centauro"?). Nosso plano intergaláctico é tão simples quanto os anteriores e consiste, grosso modo, em fazer com que não seja uma vergonha chamar-se "ser humano". Inútil dizer que nossos planos têm várias vantagens: não são dispendiosos, não tem diretor algum e se realizam sem cortar fitas, sem cerimônias cansativas, sem estátuas e sem que o conjunto musical reprima sua vontade de tocar, agora a ritmo de cumbia e enquanto o respeitável público solta o refrão, esse que diz "já se vê o horizonte... Das montanhas do Sudeste Mexicano. Subcomandante Insurgente Marcos. Julho de 2003. Chiapas, México, Continente Americano, Planeta Terra. Sistema solar, Galáxia... Galáxia... como se chama a nossa galáxia? P.S. Por falar em planos perversos, neste 25 de julho se completam 9 anos do atentado de que foi vítima a comitiva do então candidato a governador de Chiapas Amado Avendaño Figueroa. Nele perderam a vida os lutadores sociais Agustín Rubio, Ernesto Fonseca e Rigoberto Maurício. Ainda não foi feita justiça. Não sei vocês, mas nós não esquecemos.
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