Adolfo Pérez Esquivel "Falta à Argentina uma organização política que crie alternativas ao modelo atual"

20/12/2002
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Na última sexta-feira, 21, completou-se um ano da queda de Fernando De la Rua da presidência da Argentina. Grandes manifestações populares tomaram conta de Buenos Aires. A data marca também um dos picos da mobilização popular dos anos recentes naquele País. A Argentina constitui-se no caso mais flagrante de desconstrução de um país em tempos de paz. O Expresso Zica conversou com Adolfo Pérez Esquivel, 71, prêmio Nobel da paz, em 1980, sobre estas e outras questões. Expresso Zica - Faz um ano que De la Rúa caiu, que o drama argentino se agudizou e que a população foi para as ruas. O que mudou de lá para cá em seu país? Essquivel - As assembléias populares, os piqueteiros, as fábricas recuperadas pelos trabalhadores e reativadas pelo sistema cooperativo são fatos muito importantes. O movimento social argentino é muito forte e muito grande. Há possibilidades da organização popular se fortalecer. Porém, falta a construção política, para que se construa uma alternativa ao sistema atual. Expresso Zica - A eleição de Lula, no Brasil, exerce alguma influência na conjuntura interna argentina? Esquivel - Os setores populares viram esta vitória como algo muito importante. Compreendemos também as realidades dos dois países. No entanto, isso pode modificar as políticas atuais, como por exemplo, a tendência à desagregação do Mercosul - há que fortalecê-lo e ampliá-lo aos pequenos e médios produtores. Isto é fundamental para a Argentina, para o Brasil e para os outros países membros e também para a América Latina, frente a avalanche da Alca, que representa a anexação do continente aos desígnios dos Estados Unidos. A chegada de Lula ao governo também representa um desafio sobre quais podem ser os caminhos e alternativas para a unidade latino-americana. Expresso Zica - Em abril ocorrerão as eleições presidenciais na Argentina. O que pode mudar? Esquivel - Para nós, nada muda. Esta será uma eleição para presidente e vice, o parlamento segue igual. O grande perigo é Menem; é um delinqüente que deveria estar preso. Sua eleição seria muito perniciosa para a Argentina e para a América Latina, pois seu projeto é a dolarização de nossa economia. Uma dolarização geraria uma situação muito difícil para o comércio exterior. O que está se passando com o Equador, que teve sua economia recentemente dolarizada, é dramático: além de todos os problemas que já tinha, agora o País tem inflação em dólares. A relação entre o mercado internacional e as mercadorias exportáveis pelo Equador resulta numa comercialização muito difícil, pois seus produtos estão caríssimos. Não há competitividade, nem mesmo com produtos norte- americanos. Expresso Zica - O senhor é um otimista ou pessimista com a conjuntura Argentina? Esquivel - Creio que o povo argentino tem capacidade para superar estes problemas. Há muitas forças sociais em luta e temos uma grande falência nas direções políticas. A ditadura nos extirpou uma geração. Esta falência atinge até direções políticas de esquerda. Quando falamos em esquerda, isso representa um leque tão grande, que não se vê muita clareza quem é quem. Há setores das esquerdas que são parte do sistema e não têm interesse em construir um espaço alternativo comum. Creio que precisamos fazer uma revisão profunda para sabermos para onde vamos. Lamentavelmente, se esgotou uma forma de se fazer política. Estamos numa situação delicada que pode ser perigosa, também. De todo modo, esta capacidade atual de organização social é o que nos dá a esperança para a construção de outros espaços. Isto requer tempo. Não podemos ser imediatistas, com vistas a uma campanha eleitoral. Esperamos que surjam possibilidades e alternativas a este modelo. * Expresso Zica- Número 82, 20 de dezembro de 2002 a 10 de janeiro de 2003
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