Didi e o lulômetro

24/11/2002
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Caso único teórica e historicamente, o Brasil acumula, ao mesmo tempo, a maior inflação em 6 anos, forte recessão com o desemprego mais alto de sua história e a maior taxa de juros real do mundo – consolidada com o novo aumento da taxa de juros. Recessão e inflação já é uma combinação ruim, mais ainda taxa de juros estratosférica e recessão. Regra que continua a valer para o Japão, por exemplo, com taxa de juros negativa de 0,02%, para tentar sair da sua prolongada recessão. O Federal Reserve dos EUA continua a baixar a taxa de juros, de menos de 1.5%, para buscar a superação da recessão. Enquanto isso o Brasil, com crescimento do PIB de 1% no último ano – isto é, índice per capita negativo, se contamos o crescimento vegetativo da população -, com recorde de desemprego, aumenta a taxa de juros para 23%. Tudo isto porque o privilégio é o da estabilidade monetária – tornada um fim em si mesmo -, o mesmo que fez com que, cada vez que aumentava um pouco o consumo interno – num pais com tanta demanda reprimida -, o Banco Central sacava o revólver da elevação da taxa de juros, que chegou a ser de 49% em 1999. A isso nos levaram as mágicas monetaristas, que desejavam estabilizar a moeda de uma economia cada vez mais fraca internamente e fragilizada externamente – um objetivo impossível. Se taxa de juros alta garantisse estabilidade monetária, seríamos o país com a moeda mais estável do mundo. A dimensão marqueteira da campanha eleitoral fez com que nenhum dos candidatos - tivesse ou não consciência - abordasse o real diagnóstico da crise brasileira, com medo de ser associado a uma visão negativa, catastrofista, quando se trataria de elevar a auto-estima dos brasileiros e a confiança na possibilidade de superação da crise, para ganhar a eleição. Mas tratou-se sempre de não mencionar quem deveria pagar o preço mais alto pela crise. "Treino é treino, jogo é jogo"- a frase de Didi foi recordada várias vezes, para dizer que campanha é uma coisa, governo é outra. O treino está acabando, começa o aquecimento para dar início ao jogo. É hora de ligar o lulômetro – mas com sentido diferente daquele criado pelos especuladores. Como disse Lula, não valeria a pena ganhar se não fosse para mudar a política de Malan, que seria mudada desde o primeiro dia. Lula ainda não tocou nesses temas, mas ouvem-se vozes que ou parecem ainda estar no treino ou anunciam – se forem confirmadas – que o jogo do novo governo pode ser uma prorrogação do anterior, um jogo perigoso, entre garantias e continuidades. Se os rumores de autonomia do Banco Central parecem afastados, outros riscos – como o do compromisso com altos superavits – que, na realidade, são déficits, se somados os incontornáveis compromissos financeiros – primários, a eventual ausência de estratégia para imediatamente começar a baixar as taxas de juros – parecem rondar o novo governo. O lulômetro deve ser acionado toda vez que os elementos de continuidade primarem sobre os de mudança. O voto inequívoco da grande maioria dos brasileiros foi pela mudança, respondendo ao apelo do próprio Lula. A consciência das dificuldades de desarticular as armadilhas deixadas pela financeirização que este governo deixa para o próximo não pode substituir uma via a ser posta em prática para desarticular essas bombas de tempo e abrir o caminho para a reativação econômica, o fortalecimento do capital produtivo, a distribuição de renda, a afirmação dos direitos para toda a população, uma política cultural como um dos eixos do novo governo. O pacto social tem que ser um instrumento desse movimento. Iniciativas como a da reciclagem dos papéis da dívida para um fundo econômico e social do BNDES que coloque em prática servirão para saber se a participação de todos no Conselho se dá realmente com espírito construtivo de retomada do desenvolvimento e de combate à miséria e à exclusão social. Seria uma espécie de folha seca com que o novo governo daria partida para o jogo propriamente dito com um gol de placa. Senão, olho no lulômetro.
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