A primeiro viagem de Lula

18/11/2002
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Ao visitar a Argentina, como sua primeira viagem internacional como presidente eleito do Brasil, Lula começa a dar corpo à nova política externa brasileira. Parceria comercial, Mercosul, vizinhança – muitas coisas poderiam justificar essa escolha, como outras poderiam desaconselha-la: não há interlocutor, com presidente em fim de mandato e sem um quadro sucessório definido. Porém, a simbologia dessa primeira viagem fornece um marco inicial de uma opção estratégica. A Argentina é o país para o qual nem os EUA, nem o FMI têm algo a dizer. Vítima das políticas aconselhadas por eles, foi igualmente vítima da nova política do Fundo, proposta pelo novo governo norte-americano: os países falem como as empresas e devedores e credores têm que se entender entre si. Uma política que só foi modificada em relação ao Brasil porque os bancos que tiveram as maiores perdas por lá, as teriam multiplicadas por aqui e forçaram o governo Bush e o FMI a conceder o novo empréstimo que o Brasil recebeu. Para o Brasil, a Argentina é vital, não apenas pela necessidade urgente de fortalecimento do Mercosul, mas porque da solução da crise naquele país depende em boa parte as margens de manobra do Brasil para sair da crise atual. Uma vitória de Menem, por exemplo, levaria à dolarização da economia argentina e, com ela, à consolidação da Alca e, mais cedo ou mais tarde, à adoção da moeda norte-americana pelo conjunto do continente. Para se ter uma idéia do que isso representa, basta olhar o que sucede com o Equador e multiplicar pelo tamanho das economias brasileira e argentina, para se ter consciência dos estragos irreversíveis que uma opção dessas traria. Basta dizer que o favorito para vencer no segundo turno das eleições equatorianas – Lúcio Gutierrez, que esteve presente no último Fórum Social Mundial de Porto Alegre, adversário declarada da Alca e da dolarização – afirma que não poderá sair da moeda norte-americana sozinho. Uma vitória de um candidato na Argentina que minimamente pudesse caminhar para uma aliança estratégica com o Brasil, ao contrário, representaria um quadro totalmente novo no continente. A proximidade da vitória de Lula com a data provável das eleições presidenciais naquela país – março de 2003 – permitiria essa nova conjuntura, com todas as conseqüências que traria. Sobre esse eixo seria possível propor um relançamento da integração latino-americana, a começar pela construção de uma moeda comum na região, que derrotasse as tentações da dolarização e contribuísse para um mundo multipolar, acrescentando uma nova região no mosaico que o mundo necessita para fugir da unipolaridade imperial. Qualquer forma de inserção soberana no plano internacional requer formas de integração regional – como os casos da Europa ocidental, da América do Norte e da recém anunciada área de livre comércio do sudeste asiático com a China o demonstram. Se essas regiões, que se encontram em situações mais favoráveis que a nossa, se valem dessas alianças supranacionais, com muito mais razões essa vida serve para nós. O sucesso do governo Lula depende de vários fatores, mas sem dúvida um deles é uma nova inserção internacional do Brasil, que o livre das armadilhas deixadas pelo governo FHC também neste plano. A primeira viagem internacional de Lula aponta nessa direção, acenando para quem quer que vença as eleições argentinas com a disposição brasileira para um projeto alternativo de integração regional, que possa ao mesmo tempo estender suas fronteiras para os outros países da região. Esse roteiro leva Lula aos EUA já com um desenho inicial de sua política externa. O tom de seus pronunciamentos por lá é outro elemento que revelará a disposição do novo presidente de retomar a identidade soberana do Brasil, que deve apontar para novos horizontes não somente na América, mas acenando para outros aliados estratégicos – da Europa à Índia, da China à África do Sul -, como forma não apenas de criar espaço para soluções democráticas à nossa crise, mas de demonstrar como nosso destino está vinculado ao de um outro mundo possível, solidário e pacífico. A decisão de Lula de comparecer, pela terceira vez, ao Fórum Social Mundial que se realizará em Porto Alegre entre os dias 23 e 28 de 2003 é coerente com seu itinerário inicial como presidente eleito do Brasil.

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