Risco Brasil

11/06/2002
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Fala-se em "risco Brasil" como se este país já não estivesse naufragando em alarmantes índices sociais. O risco é prosseguir no mesmo rumo, aprofundando ainda mais a desigualdade social e a exclusão da maioria da população. Não somos nós que devemos temer ser amanhã a Argentina de hoje. É a nação vizinha que teme ser amanhã o Brasil de hoje. Basta lembrar que a população argentina (cerca de 36 milhões) é inferior ao número de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza. As duas nações já não suportam governantes indiferentes à esfera social. Lá, os correntistas não podem sacar os seus depósitos bancários. Aqui, o Banco Central reduz o rendimento das aplicações. Lá, se vai às ruas. Aqui, prepara-se para ir às urnas. O Brasil é a 10ª economia do mundo. Somos, portanto, uma nação rica, que destoa das demais por suportar um altíssimo índice de pobreza. Da população brasileira, quantos vivem em situação de miséria? Para o Banco Mundial, 15 milhões; para o Ipea, 22 milhões; para o Instituto Cidadania, 44 milhões; e para a Fundação Getúlio Vargas, 50 milhões. Estatísticas à parte, basta abrir a janela para ver o triste panorama embaixo das pontes. Acima da linha da miséria, sobrevivem mais 30 milhões de pessoas com renda mensal inferior a R$ 80. Ao todo, são 53 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza. Essa contradição deve-se ao modelo econômico adotado pelo governo federal nos últimos oito anos, de acentuada concentração da renda. Do PIB hoje, cerca de R$ 1 trilhão -, 21% são destinados à área social. Nenhuma nação da América Latina, excetuando Cuba, gasta tanto no social R$6 de cada R$10 arrecadados. Ocorre que os pobres ficam com a menor fatia desse dinheiro. Dos recursos embolsados pelos aposentados, quase a metade vai para os 10% mais ricos da população. Só 7% vão para os 20% mais pobres da população. Do orçamento da educação, as universidades públicas, que formam a elite brasileira, engolem cerca de 60%. E só 2% da verba social são destinados, por exemplo, ao saneamento básico, imprescindível para reduzir a mortalidade infantil e a disseminação de doenças infecciosas, como a febre amarela e o mal de Chagas. Como diz Oded Grajew, não adianta enxugar o chão se o teto está furado. Um dos índices para medir a indigência é o da Organização Mundial da Saúde, que considera miserável quem não dispõe de recursos para consumir 2000 calorias por dia, indispensáveis para ser uma pessoa produtiva. Isso implica o consumo diário de um pãozinho e meio, margarina, cinco colheres de arroz, meia concha de feijão, um copo de leite, um bife de 100 gramas, meio ovo, três colheres de açúcar, óleo de soja, farinhas de trigo e mandioca. É muito pouco. Melhor dizendo, é nada num país que tem comida sobrando. A safra de grãos deste ano deve passar de 99 milhões de toneladas! Como observa Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia, há nações em que a miséria decorre da falta de alimentos, e outras em que falta é dinheiro no bolso da população, como é o nosso caso. Distribuição de renda e reforma agrária, dois desafios que nenhum governo enfrentou na história do Brasil. Tudo é gritante quando se trata de fotografar a indigência do brasileiro. No entanto, algo mais preocupante se destaca no cenário: segundo a Fundação Getúlio Vargas, quase metade dos miseráveis (45%) são crianças e jovens que ainda não completaram 15 anos de idade. E 17% têm de 16 a 25 anos. Que futuro terão os que escaparem da morte precoce? Como admitiu o próprio FHC, somos uma nação injusta. Dos miseráveis do mundo, cerca de 830 milhões de pessoas, 3% encontram-se em nosso país. Seria pouco se o nosso comércio exterior não representasse menos de 1% do movimento mundial de compra e venda. Só para se ter uma idéia: a Suíça representou, em 1990, 6%. De acordo com o Ipea, na Índia é de 5 vezes a distância entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres; nos EUA, 8 vezes; no México, 13 vezes; no Chile, 18 vezes; no Brasil, 33 vezes. Está provado que quanto maior o nível de estudos dos pais, maior a escolaridade dos filhos. Investir na educação básica seria uma das formas de desarmar os mecanismos de concentração de renda no Brasil, onde 1% da população detém a mesma quantia de recursos que os 50% mais pobres! Além da falta de efetiva reforma agrária, a de moradia afeta 12% da população (20,2 milhões de pessoas). O Brasil possui, de acordo com a Fundação João Pinheiro, 44,9 milhões de domicílios. Necessita de mais 6,6 milhões. O risco Brasil será tanto maior quanto menos a nação se empenhar, neste ano, em riscar do mapa eleitoral aqueles políticos que não têm programas de redução da indigência e da exclusão social. A propósito, a CNBB está lançando um mutirão nacional contra a miséria e a fome. E, no caso do Brasil, nem precisa haver multiplicação dos pães. Basta reparti-los. * Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Emir Sader, de "Contraversões civilização e barbárie na virada do século" (Boitempo), entre outros livros.
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