A nova chance de Chávez ou a última chance de Chávez

14/04/2002
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- Como sai, como volta e como faz para continuar um presidente latino- americano hoje - A América Latina vive à beira de um ataque de nervos. Primeiro no Paraguai, depois no Equador, na Argentina e agora na Venezuela, se sucedem presidentes em poucas horas, demonstrando a instabilidade institucional dos países do continente e o caráter gelatinoso do tipo de sociedade resultante das transformações dos últimos, que prometiam estabilidade e segurança. No caso da Venezuela, por que Hugo Chavez caiu, por que voltou e que energia ainda tem para continuar? Hugo Chávez foi eleito com 70% dos votos populares, denunciando – com razão – as elites do país como um todo pela “farra do petróleo”: dilapidaram a riqueza do petróleo com preços altos, sem industrializar, sem libertar a Venezuela de viver conforme os sobressaltos do “ouro negro”. Apoiou-se nesse caudal, sem organiza-lo, no coesão das FFAA e na elevação dos preços do petróleo – pela qual seu próprio governo foi um dos responsáveis, pela atuação do seu ministro Ali Rodriguez, atual coordenador geral da OPEP, que conseguiu reimpor uma política de cotas, que levou à elevação dos preços do petróleo. Com esses recursos, o governo de Chavez fez políticas sociais redistributivas, reformou a constituição do país, submeteu-se a sucessivas eleições e plebiscitos, respeitando todos os cânones da democracia liberal. Essas transformações não chegaram a polos fundamentais de poder na sociedade venezuelana. A imprensa manteve uma sólida frente de oposição, transformando-se no centro articulador de resistência ao governo, o único espaço de expressão do governo eram as intervenções de rádio e televisão do próprio Chavez. Este tampouco conseguiu penetrar na estratégica empresa estatal do petróleo, cujos técnicos e sindicalistas seguiram vinculados às centrais sindicais tradicionais, ligadas aos partidos derrotados por Chávez, principalmente Ação Democrática. As transformações estruturais começaram a ser desenhadas por Chavez num pacote de medidas aprovadas pelo Parlamento, que começavam com uma profunda reforma agrária, mas se estendiam a uma séria de outros campos, inclusive o petrolífero e o pesqueiro. Nesse momento a situação externa e interna já havia começado a mudar para Chávez. Conforme a economia norte-americana passou da expansão à recess ão, o preço do petróleo começou a baixar. Por outro lado, o boicote empresarial interno se acentuou, com fuga de capitais e com locautes produtivos. Por outro lado, por seu estilo militar – “bonapartista”, nos termos das análises clássicas -, Chávez foi se isolando, abrindo várias frentes de choque ao mesmo tempo. Foi perdendo apoio de grupos partidários que haviam estado ao início com ele, foi se chocando diretamente com a hierarquia da Igreja católica – que desde o começo lhe foi abertamente hostil – e foi perdendo apoio popular, conforme a situação social interna foi se deteriorando pela reversão dos fatores econômicos. As mobilizações contra ele se acentuaram a partir do pacote de dezembro, sendo dirigidas básicas pela frente unida da grande imprensa, que funcionou como comando geral opositor, articulando as entidades empresariais, os funcionários da empresa estatal, a hierarquia da Igreja católica, o descontentamento generalizado da classe média e contando com apoio externo de Washington. Conforme Chávez perdia apoio dentro da sua coalizão – chegando atualmente a deter apenas metade dos parlamentares – se somavam grupos dissidentes do próprio governo, enquanto sua base de apoio, especialmente os setores mais pobres, favorecidos por suas políticas, permaneciam desorganizados, sem capacidade de expressar-se. A greve da empresa do petróleo foi o detonador de um enfrentamento decisivo. Chávez não poderia permitir a suspensão da produção, que afogaria definitivamente seu governo economicamente e, ao mesmo tempo, os funcionários da empresa não toleravam a nova direção nomeada pelo presidente, porque poderia significar perder o controle dos recursos fundamentais do país e deixa-los sob direção direta de Chávez. Ao mesmo tempo em que buscava corroer o poder de Chávez no seu eixo econômico estratégico, a oposição começou a obter resultados ao conseguir apoios – ainda que inicialmente marginais – dentro das FFAA. Estas, junto com o petróleo e o desempenho pessoal de Chávez eram os elementos essenciais da legitimidade do poder deste. À medida que Chávez se enfraquecia, a oposição passou a promover toques de panelas quando ele falava em cadeias oficiais e conseguia mobilizar cada vez maior quantidade de gente – de 150 a 500 mil pessoas, conforme as fontes de avaliação. O golpe foi dado pela alta oficialidade das FFAA, depois das mortes na repressão da manifestação de sexta-feira – algumas vítimas diretas da tropas oficiais, outras claramente vítimas de livre atiradores, ao que tudo indica apostados por setores militares de oposição. O governo que o sucedeu foi açodadamente ao pote, sem respeitar nenhum trâmite institucional e revelando muito abertamente o conteúdo empresarial que teria – pela nomeação de um grande empresário como presidente e pela apresentação imediata de um programa para a empresa de petróleo – que incluía a suspensão de venda a Cuba, o afastamento das políticas da Opep, a aproximação com os EUA, numa dinâmica que certamente apontaria para a privatização da empresa. As mobilizações populares demoraram um pouco, demonstrando como a base de apoio de Chávez era pouco organizada, mas quando começaram, foram generalizadas pelo país, tomando o Palácio de governo, ao mesmo tempo que os militares fiéis a Chávez se rebelavam, o Parlamento se reunia e reivindicava o direito do vice-presidente a assumir o governo e a OEA, por unanimidade, condenava o golpe e reafirmava o direito institucional do governo de Chávez. O empresário recém empossado presidente renunciou, foi preso, Chávez retornou, com um discurso que combina disposição de readeqüar seu governo, mas ao mesmo tempo punir – mencionando particularmente a grande imprensa – os responsáveis pelo golpe. Que energia ainda tem Chávez para governar? Isso dependerá, em primeiro lugar, da sua capacidade de transformar seu projeto de um projeto para as maiorias populares para um projeto para o conjunto do país e, ao mesmo tempo, de golpear os eixos do golpismo que já demonstrou que pode derruba-lo. Em segundo, do fôlego da oposição, do tempo que precisará para retomar iniciativa e da capacidade que ainda terá para voltar à ofensiva. Dependerá também daqueles setores com que contava Chávez , que agora terá certamente suas margens de manobra diminuídas em relação aos mandos das FFAA, ao Parlamento e à empresa petrolífera. Provavelmente seu projeto original se esgotou, até porque ele supunha uma polarização clara entre massas populares e elites, que desembocou em formas de enfrentamento, com que Chávez não poderá mais contar, se quiser reciclar sua imagem para a de um dirigente capaz de negociar seus projetos com amplos setores. Por outro lado, tanto as elites tradicionais quanto o próprio Chavez se deram conta da maciça reação popular e militar. Resta saber que lições tirarão dela. Chávez já fez um gesto negociador, aceitando a renúncia dos dirigentes da empresa do petróleo, que ele mesmo havia nomeado e que havia sido o objeto da greve contra seu governo. No entanto, conforme foi multiplicando choques na sua base de apoio, a equipe de Chávez foi se reduzindo a setores mais duros, menos propensos para negociação. Este papel pode ser assumido por Domingo Rangel, coringa do seu ministério, esquerdista dos anos 60, por AristóbuloIstúriz, atual Ministro da Educação e por Ali Rodriguez, atual presidente da OPEP. As próximas semanas indicarão se as feridas do projeto de Chávez continuarão sangrando e sua morte foi apenas adiada ou se sua capacidade de curar feridas e dar novo oxigênio ao projeto que o levou ao poder há três anos, perdeu fôlego, quase terminou, mas conseguiu uma prorrogação. O plano continental lhe é favorável, o preço do petróleo deve subir. Será portanto no plano interno, na capacidade de organizar suas bases de apoio, de dividir a oposição, punindo os mais diretamente vinculados ao golpe e negociando com os outros, mantendo o conteúdo do seu projeto, envolto no entanto num formato capaz de ganhar consenso conforme passa o tempo e não adversários, como aconteceu nos últimos meses.
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