A bomba do Guedes
- Análisis
Ao que tudo indica, a estratégia adotada por Paulo Guedes para se impor como chefe absoluto da economia está sendo exitosa. Desde que se cogitou de seu nome para ocupar o comando da área, ainda na campanha do então ex-capitão/deputado federal, aquele que já foi um Chicago boy de segundo escalão busca confirmar seu programa maximalista na implementação do Estado mínimo no Brasil.
No início, essa possibilidade não era muito levada a sério. Em primeiro lugar pela subestimação generalizada que se fazia da candidatura de alguém que se propunha a ser o candidato galvanizador das forças da direita, em um contexto em que se apresentavam figuras tidas como mais “sólidas”, a exemplo de Henrique Meirelles ou Geraldo Alckmin. Em segundo lugar, em razão das conhecidas posições de Bolsonaro a respeito da economia ao longo de sua vida de parlamentar - ele sempre se manifestara em um tom meio nacionalista, deixando transparecer uma posição favorável à presença do Estado na economia.
No entanto, aquele antigo estereótipo do militar de direita e nacionalista parece não encontrar mais espaço no tabuleiro das ideias e da disputa ideológica em nosso País, inclusive no interior das Forças Armadas. Bolsonaro conseguiu se aproximar de grupos importantes do empresariado tupiniquim e se credenciou a penetrar com força no interior do financismo, principalmente a partir de sua passagem para o segundo turno no pleito de outubro passado.
Superministro vai ocupando espaços.
O custo dessa empreitada foi o fortalecimento de Paulo Guedes na formatação de seu programa de governo e no espaço da equipe que iniciou o mandato na Esplanada. Ele queria unificar poderes e conseguiu se transformar no superministro que mais concentrou espaço de decisão em nossa História. Como projeto estratégico, fixou-se naquela que chamou de “mãe de todas as reformas” - a previdência social. Teve mérito ao convencer o ex-deputado que havia se posicionado contra todas as tentativas anteriores desse tipo de mudança constitucional. Apesar do voto contrário às propostas levadas a cabo por FHC, Lula, Dilma e Temer, Bolsonaro resolveu encampar a necessidade de apresentar a sua própria medida, agora já na condição de Presidente da República.
É bem verdade que a tramitação foi mais complexa do que o imaginado, uma vez que a proposta inicial de Guedes era muito carregada em maldades consideradas “exageradas” por parte dos representantes da própria direita no Congresso Nacional. O Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, conseguiu o protagonismo de liderar a aprovação de uma proposta bem mais atenuada, contra a orientação do núcleo duro do governo. De toda a forma, a narrativa é de que a reforma da previdência de Bolsonaro está caminhando, agora no interior do Senado Federal.
Além disso, o tema das empresas estatais sempre foi objeto de disputa nos bastidores da nova equipe. Guedes nunca escondeu sua intenção de “privatizar tudo” e seu chefe nunca escondeu seu desconforto com tal ousadia. Afinal, como deputado, Bolsonaro sempre havia se manifestado contra a venda de empresas governamentais. Essa queda de braço continua, com idas e vindas. Em alguns momentos, o Presidente diz que algumas empresas devem permanecer no interior do Estado. Em outras circunstâncias, Guedes tenta avançar o sinal e se sai com alguma declaração mais ousada. O interessante é que ele lança a disputa de forma pública com o seu superior, em uma polêmica que é imediatamente replicada pelos grandes meios de comunicação.
Privatização total, teto de gatos, CPMF. Quem é chefe?
O mesmo raciocínio vale para a questão da necessidade de flexibilizar a EC 95, que congela os gastos públicos por 20 anos, a partir do exercício fiscal de 2017. O garrote está cada vez mais apertado e vários setores da própria base aliada percebem que a restrição é um tiro no pé do governo. Afinal, existe mesmo o risco de se avançar o sinal e cometer crime de responsabilidade na área fiscal. Bolsonaro ensaiou um recuo e comentou a respeito da urgência em se resolver esse nó. No entanto, logo na sequência, os principais “especialistas” dos meios de comunicação bombardearam a “fraquejada” do chefe do Executivo e Paulo Guedes se sentiu firme o suficiente para desautorizar Bolsonaro publicamente. O recado foi claro. É como se o superministro houvesse dito: não, não haverá recuo ao populismo fiscal irresponsável! E ponto final.
Ainda no campo das divergências com o chefe, o responsável pela economia vem preparando o terreno para que o governo encampe uma proposta de Reforma Tributária onde a polêmica ideia da CPMF seja desenterrada. Trata-se de um novo tributo sobre as transações financeiras, com alíquotas muito mais elevadas do que a anterior. Sobre o tema, vale recordar que Bolsonaro não se cansou jamais de colocar obstáculo e rejeição. Ao que tudo indica, no entanto, entabula um novo recuo e deve assinar medida com esse teor, encaminhando para apreciação ao Congresso Nacional.
Aproveitando o vácuo gerado pela nova cirurgia do Presidente, no início da semana Guedes sentiu-se em condições de avançar mais algumas casas em seu xadrez esplanadiano. Assim, ofereceu uma longa entrevista ao jornal Valor Econômico, durante voo que realizou para Fortaleza. Ali, ele se sentiu à vontade para expor um programa mais completo para as próximas etapas na área da economia. Ele apresenta um enorme petardo. Não se trata de uma bomba como as conhecidas A ou H, ambas de elevadíssimo poder de destruição. Mas não se deve menosprezar o potencial destruidor de Guedes, que terminar por criar uma para chamar de sua - a bomba D. A bomba D está em preparação.
O seu mote de comunicação, a partir de agora, vai se concentrar na quarta letra de nosso alfabeto. Na conversa com a jornalista e em seus pronunciamentos mais recentes, o economista não poupa os verbos e substantivos que se iniciam por ela. E assim foi: i) desindexar; ii) desvincular; iii) desobrigar; iv) desconstitucionalizar; v) descarimbar; vi) demitir. Para ele, essas deverão ser as prioridades da pauta do governo a partir da eventual aprovação da Reforma da Previdência.
Interessante observar que todas as ações começam pelo sufixo “des”, aquele que os dicionários apresentam como utilizado para denotar oposição, negação, falta, separação ou afastamento. A bem da verdade, nada disso deveria nos surpreender em demasia, se levarmos em conta intenção declarada de Guedes e sua equipe. Trata-se de mais uma etapa da estratégia fundamental de eliminar os dispositivos constitucionais que evidenciem qualquer tipo de projeto de desenvolvimento social ou econômico, bem como retirar da Constituição o conjunto de direitos de cidadania e de serviços públicos, como assistência social, educação, saúde, previdência social e outros.
Desindexar tudo o que signifique garantia dos menos protegidos da sociedade, a exemplo do salário mínimo, dos benefícios previdenciários e valores destinados às áreas sociais. Desvincular do orçamento público todas as referências de índices e mínimos para saúde, educação e previdência social. Desobrigar as administrações públicas nas 3 esferas de governo (União, Estados e Municípios) no que se refere aos mandamentos constitucionais dos chamados “gastos obrigatórios”.
Desconstitucionalizar, a exemplo do que está sendo tentado na Reforma da Previdência, todas as referências a garantias de direitos dos trabalhadores, servidores públicos e beneficiários da seguridade social, bem como outros dispositivos que assegurem recursos para políticas públicas estratégicas. Descarimbar os recursos orçamentários, que não podem ser desviados ao bel desejo do tecnocrata de plantão, pois seu destino é assegurado pela regra constitucional. Demitir servidores para promover redução da capacidade do Estado em oferecer serviços públicos de qualidade à população de renda mais baixa, justamente os que mais necessitam desse apoio.
Na mesma entrevista, Guedes comete uma espécie de “ato falho intencional” e se esquece do S na sigla do BNDES, justamente a letrinha que adjetiva de “social” o desenvolvimento a ser estimulado por esse importante banco público brasileiro. Aliás, como todo bom consultor e operador do mercado financeiro, Guedes não desiste de sua sanha privatizadora e dobra sua posta no vácuo presidencial:
“ (...) O presidente está conosco na privatização. (...) E eu quero privatizar todas as empresas estatais (...) ”
Assim, percebe-se que a intenção da estratégia D pode ser sintetizada em outros dois substantivos que começam também pela mesma letra: desmonte e destruição. Um risco enorme para todos nós!
Cabe às forças de oposição e às entidades que representam a maioria da população desarmar o mais rápido possível essa bomba. Caso Paulo Guedes consiga levar à frente esse projeto do “raio eliminador”, parece evidente que os custos políticos, sociais e econômicos para recuperar as bases de um Estado promotor do bem estar e do desenvolvimento serão ainda mais elevados.
- Paulo Kliass é Doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.
10/09/2019
http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=10191&id_coluna=186
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