Trump e a União Europeia em seus próprios labirintos após o fracasso na OEA
- Análisis
A declaração apresentada pela Argentina na Organização dos Estados Americanos (OEA), para reconhecer e expressar “pleno respaldo” ao autoproclamado presidente interino de Venezuela Juan Guaidó, não foi aprovada apesar dos 16 votos a favor (eram necessários dois terços dos votos, ou seja, ao menos 23), e tornou evidente, mais uma vez, a divisão que existe na região.
O governo constitucional venezuelano ainda conta com o respaldo de vários países, entre os que se destacam México e Uruguai, que se desprenderam do Grupo de Lima e do Mercosul, optando por pedir “novas negociações”, e sem reconhecer Guaidó nem deslegitimar Maduro. A proposta mexicano-uruguaia foi aceita por Maduro.
Durante os últimos meses, os serviços de inteligência e de segurança (a chamada diplomacia secreta) de Estados Unidos, Israel, Brasil e Argentina, coordenaram as formas de derrubar o governo venezuelano, através de um movimento concertado com o Grupo de Lima, para forçar uma transição que estava paralisada pela ausência de um líder opositor que pudesse enfrentar o governo e desmantelar sua frente militar.
O plano foi encomendado por Trump a Mauricio Clavier, um agente de origem cubana, membro do Conselho de Segurança da Casa Branca. Guaidó era a engrenagem que faltava: filho de militares, com um discurso articulado, estudos em Washington e pertencente a um partido (Vontade Popular) que, em 2014 e 2017 demostrou ser capaz de impor a violência política nas ruas e liderar uma ofensiva contra Maduro.
Mas o plano estadunidense não se cumpriu, ao menos por enquanto. Macri reconheceu Guaidó como presidente interino, mas não rompeu as relações com a Venezuela, aconselhado por sua chancelaria, e portanto continua reconhecendo Maduro. A estratégia agora é manter a dinâmica dos dois presidentes e jogar no desgaste da aliança militar de Maduro, e assim convencer as Forças Armadas a respaldar uma transição encabeçada por Guaidó e apoiada por Trump, Bolsonaro e Macri.
A polarização regional
Duas semanas atrás, uma resolução do Conselho Permanente da OEA desconheceu Maduro como presidente legítimo, graças aos votos favoráveis de 19 dos 34 Estados membros. Agora, os governos da Guiana, Santa Lucia e Jamaica optaram pela abstenção, fator decisivo para o resultado final contra a autoproclamação de Guaidó.
Outros países reiteraram seu apoio ao governo de Maduro (El Salvador, São Vicente e Granadinas, Suriname, entre outros), ou optaram por ensaiar um novo apelo ao diálogo (Antígua e Barbuda). A Guiana, além de se abster, afirmou seu “firme respaldo aos esforços para resolver a crise.
O secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, esteve presente na sessão e pediu a todos os demais membros que apoiassem a iniciativa de Guaidó. “O tempo para debater se acabou”, disse. Pompeo também anunciou que Washington liberará mais de 20 milhões de dólares em ajuda humanitária para os venezuelanos, através de Guaidó.
A enviada do governo venezuelano, Asbina Ixchel Marin Sevilla, junto com os representantes de vários países, denunciaram um golpe de Estado orquestrado pelos Estados Unidos e seus aliados regionais. Gustavo Tarre, representante designado por Guaidó e apoiado pelo secretário-geral Luis Almagro, aceitou a sugestão de não comparecer à sessão antes de a organização oficializar a sua designação.
Durante a reunião extraordinária do Conselho Permanente, o embaixador do México, Jorge Lomónac, solicitou ao secretário-geral um informe que esclareça o status jurídico de Juan Guaidó e explicou que sua postura com relação ao reconhecimento ou não dos governos de outros Estados está baseada na experiência histórica e em seus princípios de política exterior.
“Consideramos que fazer o contrário, afetaria a soberania dos Estados e propiciaria um clima tenso, adverso aos esforços para resolver a grave situação na Venezuela”, advertiu o diplomata, após expressar que o Estado mexicano reconhece o legítimo direito do povo venezuelano a eleger seu sistema político, econômico e social, sem intervenções nem pressões de nenhum tipo.
Mike Pompeo enfatizou que os Estados Unidos têm orgulho em reconhecer Juan Guaidó como presidente interino, e insistiu em que “é hora de que a OEA faça o mesmo: todos os Estados assinantes da Carta Democrática Interamericana devem reconhecer o presidente interino da Venezuela”. Argumentou que o governo da Venezuela é incompetente, não tem condições de melhorar a situação econômica do país, e está em “bancarrota moral”, e que isso faz com que todas as declarações e ações de Maduro sejam inválidas.
Diante da derrota na votação, Pompeo pediu aos seus colegas diplomatas que seja realizada outra reunião de chanceleres, para continuar com a discussão sobre a situação política da Venezuela.
Escondendo seu caos interno
A autoproclamação do opositor Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela ajudou a criar uma cortina de fumaça necessária para Donald Trump, que precisava invisibilizar a paralisia de sua administração – situação que já dura mais de um mês e mantém cerca de 800 mil funcionários sem salários. Trump chantageia o Congresso para que lhe entregue o financiamento para seu muro com o México, e também como desculpa para se apropriar do petróleo venezuelano.
Porém, internamente, as águas políticas não estão calmas. O senador democrata Bernie Sanders se diferenciou do presidente ao reclamar que “não se deve apoiar golpes de Estado e mudanças forçadas de regime na América Latina. Devemos aprender com as lições do passado, do que fizemos no Chile, na Guatemala, no Brasil e na República Dominicana”, recordou Sanders, que foi pré-candidato presidencial em 2016.
Enquanto isso, um grupo de 70 intelectuais, historiadores e especialistas em política latino-americana lançaram um manifesto com duros termos sobre a postura do governo de interferir na política interna venezuelana e instou a Casa Branca a apoiar um diálogo entre as partes.
“Ao reconhecer o presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, como o novo presidente da Venezuela, algo ilegal segundo a Carta Democrática da OEA, o governo de Donald Trump acelera a crise política naquele país, com a esperança de dividir os militares venezuelanos e polarizar ainda mais população, que se vê obrigada a escolher entre os dois lados”, denunciaram os acadêmicos, encabeçados por Noam Chomsky e pelo relator independente das Nações Unidas, Alfred de Zayas.
Os Estados Unidos sempre viram como algo natural o seu destino manifesto de impor seu poder sobre todo o continente. Em 1845, se apropriou de mais da metade do território mexicano, com a mesma atitude que propaga atualmente a sua política intervencionista por toda a América latina, através dos meios de comunicação e das redes sociais.
Um dos aríetes da construção da subjetividade para justificar a intervenção estadunidense na Venezuela é o Marco Rubio, senador republicano do Estado da Flórida (apoiador e financiador da oposição radical venezuelana), que se reuniu no dia 22 de janeiro com Trump, o vice-presidente Mike Pence e o assessor de segurança John Bolton, para traçar a estratégia na OEA, após o reconhecimento de Guaidó.
A estratégia consistia em declarar o governo de Maduro como terrorista, de forma a aumentar a pressão internacional e oferecer “ajuda humanitária”, o que deveria comprometer os governos latino-americanos e caribenhos: “o presidente Juan Guaidó solicitou formalmente a assistência dos Estados Unidos para trabalhar com os nossos sócios e fornecer ajuda imediata ao povo da Venezuela”, afirmou via twitter.
Enquanto isso, a Europa teme por sua União
Os 28 membros da União Europeia não seguiram os passos de Trump e dos governos cúmplices da América Latina, prevalecendo a sensatez e o perfil negociador, embora com algumas dificuldades. O bloco europeu está a um passo da divisão com respeito às diferenças em torno de tema Venezuela, e muitos países se sentem condicionados pela estratégia de Washington – mas ainda não aceitaram a adoção de medidas drásticas contra o governo de Nicolás Maduro.
Em conjunto, a UE manteve seu respaldo à Assembleia Nacional presidida pelo autoproclamado Guaidó, mas não chegou a reconhecê-lo como o novo chefe de Estado, somente o promoveu ao status de “encarregado de liderar o processo de transição”, sem legitimá-lo como ocupante da cadeira presidencial.
“Se trata de um desses típicos e cínicos exercícios de equilibrismo de opereta, tão comum no seio da UE. Não é um sim, tampouco um não. Evita reconhecer Juan Guaidó como chefe de Estado ao mesmo tempo em que tenta não afetar sua legitimidade como agente das mudanças, e oferece um respaldo completo à Assembleia Nacional”, explica o analista Eduardo Febbro. O fato é que os europeus estão mais preocupados com o brexit britânico, os coletes amarelos franceses e as eleições ao Parlamento Europeu.
“O povo da Venezuela pediu massivamente pela democracia e a possibilidade de determinar livremente seu próprio destino. Estas vozes não podem ser ignoradas”, diz o comunicado da União Europeia, que logo exige “um processo político imediato, que conduza a eleições livres e verossímeis”. Segundo a União Europeia, os poderes da Assembleia “devem ser restaurados e respeitados”.
A “crise” da Venezuela desnudou as misérias dos governantes, mas sobretudo dos meios de comunicação massiva cartelizados, e dos operadores industriais das redes sociais, (que viralizaram fotos de grandes marchas que não aconteceram. Muitos galos fecharam seus bicos depois do fracasso na OEA, e ressurgiu o discurso da não intervenção, graças à postura do México e do Uruguai. Não foi tão simples, desta vez, impor a realidade virtual, em um contexto latino-americano onde parece que já não se escuta somente a voz do amo.
- Álvaro Verzi Rangel e Victoria Korn são analistas venezuelanos associados ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE), estrategia.la
Tradução de Victor Farinelli
28/01/2019
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