Neocolonialismo hoje no Brasil: impactos econômicos, sociais e ambientais

A necessidade de expansão territorial do agronegócio visa compensar a perda de produtividade causada pela destruição dos solos, da biodiversidade e das fontes de água.

21/01/2019
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Foto: Urgabi.eu
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Artigo publicado em espanhol na Revista América Latina en Movimiento No. 538: Brasil: ¿e agora? 18/12/2018

A tomada de poder por forças fascistas no Brasil traz riscos econômicos, sociais e ambientais, imediatos e futuros, em âmbito nacional e internacional. Mesmo antes de tomar posse, as declarações de Bolsonaro representam uma ameaça ao direito à terra de povos indígenas, camponeses e quilombolas[1]. Declarar que povos indígenas não deveriam ter nem “um centímetro de terra”[2] ou que “índios em reservas são como animais em zoológicos”[3] faz parte de uma agenda neocolonial de entrega de terras e bens naturais a empresas do agronegócio.

 

A visão neocolonial, que atende aos interesses combinados da oligarquia latifundista no Brasil, do agronegócio nacional e internacional, de empresas mineradoras e do capital financeiro, se baseia em dois “mitos”: aquele que apresenta a terra no Brasil como abundante e “vazia” e à imagem de comunidades camponesas como campos abertos para a “modernização”. Nossos estudos mostram que a expansão o agronegócio gera destruição ambiental, expulsão de comunidades rurais de suas terras e substituição da produção de alimentos por monocultivos de commodities agrícolas[4]. Os efeitos dessas políticas não são somente locais ou isolados, pois o sistema agrícola baseado na produção de monocultivos extensivos, dependentes de insumos químicos e de grande quantidade de água, se constitui em um dos principais fatores que causam mudanças climáticas.

 

Estas são informações básicas, conhecidas pela opinião pública e comprovadas por estudos científicos no Brasil[5] e no exterior. Porém, a ideologia expressa por membros do regime que irá tomar posse no Brasil representa um perigo, não somente ambiental, social e econômico, mas também por difundir um discurso fundamentalista com o objetivo de reprimir comunidades rurais e pesquisas científicas[6].

 

O futuro ministro das relações exteriores declarou que “mudança climática é trama marxista”; a futura ministra da agricultura é conhecida como “musa do veneno” por sua ligação com empresas de agrotóxicos em um contexto que já descumpre limites ambientais com sérios impactos na saúde pública e no meio ambiente[7]. Os planos de Bolsonaro incluem ainda a criação de uma secretaria especial para tratar de questões fundiárias sob comando de Luiz Antonio Nabhan Garcia, presidente da União Democrática Ruralista (UDR), instituição que representa a oligarquia latifundista. Movimentos sociais rurais alertam que “Nabhan Garcia já teve que dar esclarecimentos à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra por porte ilegal de armas, contrabando e organização de milícias privadas na região do Pontal do Paranapanema, em São Paulo, e apoia o desmatamento da Amazônia.” [8]

 

Estes são alguns exemplos do perigo que está por vir. Declarações de Bolsonaro contra a oposição ameaçam “eliminar adversários”, com claro ataque a movimentos sociais: "Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”. Em alusão ao período da ditadura militar, afirmou que, “a faxina agora será muito mais ampla (…) Ou vão para fora, ou vão pra cadeia”.[9] 

 

Outro sinal da agenda reacionária, perigosa e unilateral de Bolsonaro foi a desistência de sediar a Conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas (COP25) marcada para 2019. Esta decisão causou constrangimento internacional, já que anteriormente o Brasil havia investido esforços diplomáticos para realizar o evento. Estudos mostram que o ritmo de destruição da Amazônia atingiu o maior nível em 10 anos, entre agosto de 2017 e julho de 2018[10].

 

A expansão da fronteira agrícola pelo agronegócio já chega a um ponto de não retorno para a destruição do Cerrado e da Amazônia. Como estes biomas estão interligados, sua devastação causa mudanças no regime de chuvas, com crises extremas de seca e inundações, tanto no Norte e Nordeste quanto no Sul e Sudeste do país. A destruição do Cerrado afeta as nascentes de grandes rios e fontes de água subterrânea. O desmatamento na Amazônia pode acelerar catástrofes climáticas no Brasil e em outros países[11], afetando também o nível de produtividade da agricultura[12]

 

Para continuar a receber créditos especiais e subsídios, o agronegócio utiliza a justificativa de sua suposta contribuição para a economia. Porém, o cálculo de sua participação no Produto Interno Bruto (PIB) não inclui rolagem de enormes dívidas e outros impactos, como grilagem de terras e destruição ambiental. Tanto historicamente quanto na atualidade, a manutenção do sistema agrícola extensivo, baseado em monocultivos para exportação, demanda uma política estatal que gera passivo econômico. A formação de monopólios permite que grandes empresas possam demandar acesso a créditos bancários a juros abaixo da média do mercado e outros subsídios estatais, o que gera maior dependência do setor agrícola em relação ao mercado financeiro. Tal processo irá aprofundar o papel subordinado do Brasil como fornecedor de matérias primas agrícolas e minerais a partir da demanda externa. Este modelo gera endividamento do Estado para cobrir custos de produção com maquinário e insumos químicos.

 

O discurso sobre a suposta “vocação” agrícola brasileira, no sentido da defesa do modelo econômico baseado nos monocultivos para exportação, tem sido reforçado repetidamente nos meios de comunicação. A necessidade de expansão territorial do agronegócio visa compensar a perda de produtividade causada pela destruição dos solos, da biodiversidade e das fontes de água. O caráter extensivo do agronegócio se mantém através da aliança entre empresas transacionais e a oligarquia latifundista.

 

Por outro lado, o papel da produção agrícola para o mercado local, da agroecologia, e da agricultura de subsistência é comumente subestimado ou mesmo ignorado nos dados econômicos oficiais, apesar de garantir o sustento da maioria da população com alimentos saudáveis. Há na atualidade um movimento crescente de demanda por alimentos ecológicos e produzidos localmente na Europa e nos Estados Unidos. Um dos lemas deste movimento é “quilômetro zero”, que defende a agricultura local. Enquanto isso, o Estado brasileiro compromete enormes montantes de recursos públicos para financiar a produção de commodities agrícolas, que constituem uma pauta de exportação cada vez mais reduzida. Tal política estimula a violência contra povos indígenas, camponeses e quilombolas e compromete a possibilidade da construção da soberania alimentar e do pleno direito à alimentação. É preciso reforçar a solidariedade e a defesa dos movimentos sociais rurais no Brasil. 

Dezembro 2018

 

- Maria Luísa Mendonça é doutora em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP) e co-diretora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.

 

 

[4] Ver publicações da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos: www.social.org.r 

https://www.alainet.org/fr/node/197673?language=en
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