Uma verdade incômoda:
As crises entrecruzadas e seu impacto na educação, na saúde e no acesso aos alimentos
25/10/2009
- Opinión
A partir de 2006 começou a ser gestada uma crise financeira internacional que deixou seqüelas perduráveis na economia dos países. Em 2007, a transferência dessa crise para a Europa, para o Japão e outros países desenvolvidos resultou numa crise econômica mundial, numa recessão da economia mundial, na redução do comércio e dos fluxos financeiros e, finalmente, em um aumento do desemprego.
A crise financeira e econômica impactou em maior medida os países pobres das diferentes regiões do mundo, que foram afetados entre outras coisas, por um aumento da inflação, pelo desemprego e pela redução da renda dos segmentos mais pobres da população.
Essas crises combinadas ocasionaram uma crise alimentar global e acarretaram a dificuldade de acesso aos alimentos, à saúde e à educação, especialmente para as mulheres, as crianças e os indígenas, sendo estes os mais afetados, especialmente aqueles que vivem em áreas rurais ou urbanas marginais.
Este é o cenário no qual se realiza a CONFITEA VI e o FISC. Então, cabe-nos perguntar: como podem os acordos desses eventos incidir nessa dupla crise que já passa a ser sistêmica?
O que nos dizem as cifras
No nível mundial, estima-se que de 2005 e 2008, entre 160 e 200 milhões de pessoas caíram na pobreza extrema como efeito das crises combinadas. Isso afetou especialmente o acesso aos alimentos, aumentando a fome no mundo. Dados da FAO ( 2009) e do Banco Mundial ( 2008) indicam que:
- De 2005 a 2008, entre 160 e 200 milhões de pessoa caíram na pobreza extrema por efeito da alta dos preços dos alimentos
- O número de subnutridos no mundo tem aumentado. Entre 2004 e 2006 esse número alcançou 870 milhões de pessoas, número que chegará a 915 milhões como resultado da crise alimentar. Entre 1990 e 2006, a região da América Latina e do Caribe foi a única que conseguiu reduzir a fome de 53 milhões para 46 milhões de pessoas, mas por causa da crise alimentar, estima-se que haverá uma volta aos níveis dos anos 1990.
- Pelo efeito da crise econômica, no fim de 2009 haverá no mundo um aumento de mais de 100 milhões de pessoas com fome.
- Por razões geográficas, culturais e de dificuldade de acesso aos serviços básicos e aos alimentos, os indígenas serão os mais afetados pela fome e pela desnutrição com relação aos grupos não-indígenas.
- A crise financeira e econômica provocará em média entre 200 mil e 400 mil mortes adicionais de crianças por ano durante o período de 2009 a 2015, sendo que a maior parte será de meninas
As crises econômica e financeira aparecem como as principais ameaças à renda familiar, pelo crescente desemprego, pela perda de postos de trabalho de qualidade, pela redução das remessas e pelos preços dos alimentos ainda elevados. O baixo crescimento da economia implica na perda de postos de trabalho, no aumento do emprego informal sem cobertura previdenciária nem direitos trabalhistas. As mulheres e os indígenas serão os maiores perdedores.
Trabalho decente na encruzilhada
O aumento do desemprego, somado ao aumento do custo de vida em virtude da inflação, tem significado uma dupla carga para as famílias, provocando uma redução real da renda e, com isso, uma crise no acesso aos alimentos, à educação, à saúde, entre outros bens básicos. As pessoas situadas abaixo da linha da pobreza são ainda mais vulneráveis por causa de sua escassez de bens e ativos e por causa das restrições que enfrentam para se adaptar rapidamente a esta nova situação.
As políticas de emprego e de mercado de trabalho, como conseqüência, não podem estar ausentes das estratégias de superação da pobreza, inclusive as chamadas políticas ativas para gerar emprego e dar apoio em matéria de formação e colocações, de modo que o emprego seja uma alternativa de melhorar a renda e as condições de vida de amplos setores sociais que se encontram em condições de pobreza e indigência.
Cabe sublinhar que os ajustes estruturais dos anos 1980 desmantelaram o sistema de agências públicas destinadas a apoiar os setores mais pobres da população. Reduziu-se o papel do Estado para que os atores privados se encarregassem das funções que foram desmanteladas. As posições neoliberais sustentaram que assim se reduziriam custos, seria melhorada a qualidade e a eficácia dos serviços, entre eles os da educação. Isto, em geral, não aconteceu, e o resultado foi o encarecimento dos serviços prestados que não tiveram controle de qualidade e diminuíram o bem-estar da população em geral, mas especialmente das mulheres, dos indígenas, das crianças e dos idosos. A educação e a saúde foram as áreas mais afetadas com as privatizações.
A Mudança Climática e seus efeitos na população
A esta situação se soma a mudança climática, que está afetando todos os países do mundo. Isso se dá de maneira diferenciada entre regiões, faixas etárias e gênero. A mudança climática exacerbará as desigualdades e as mulheres se verão afetadas de maneira desproporcional em seus bens e ativos. Não obstante, os debates da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMNUCC) não requer a integração do gênero nos Programas Nacionais de Ação. Isso fez com que nas discussões, em alguns casos, apenas se fizesse algumas referências aos crescentes níveis de vulnerabilidade enfrentados pelas mulheres, mas não integraram o tema de gênero em torno às estratégias de mitigação e adaptação, questão que é indispensável trabalhar, uma vez que as mulheres são agentes diretos nessas estratégias de enfrentamento à mudança climática.
Vários estudiosos sustentam que estamos diante de uma crise sistêmica e é preciso urgentemente começar a mudar o paradigma. Advoga-se por desenvolver um novo modelo de desenvolvimento que reconheça o verdadeiro peso da agricultura, da educação, da saúde nas economias. Trata-se, entre outras coisas, de fazer reformas no Estado com novas políticas, um novo e melhor enfoque para as alianças com a sociedade civil, com a ecologia; investimento em infra-estrutura, educação e novas tecnologias entre outros. Não será possível ter desenvolvimento se não se investir nesses setores.
O que acontece com a educação de pessoas adultas?
Na atual situação de crises entrecruzadas, a educação de pessoas adultas ao longo da vida é parte da solução. Ela brinda capacidades para que as pessoas possam se desenvolver e, entre outras coisas, conseguir melhores empregos, o que é crucial para a superação da pobreza e para abordar a crise mundial alimentar, energética, ambiental e econômico- financeira.
A crise financeira e econômica é uma crise só e põe em perigo tudo aquilo porque se vem trabalhando, e inclusive fazendo com que os objetivos de Milênio em matéria educativa não se cumpram em 2015. A falta de financiamento dificulta a oferta de serviços educativos de qualidade e as insuficiências em matéria de seguimento impedem que se veja claramente a envergadura dos déficits de aprendizagem na população adulta
Incluir soluções a longo prazo é fundamental. É preciso renovar o compromisso com a educação pública de qualidade Há que renovar o compromisso com essa educação pública, de qualidade, e que inclua a educação ao longo da vida.
As respostas às crises
Os países estão enfrentando estas crises com uma série de medidas econômicas; e para os mais pobres criaram e fortaleceram os programas de transferências condicionadas de renda, entregues a um segmento da população que normalmente não dispõe de recursos suficientes, mas não há qualquer menção a apoios específicos para a saúde, para a educação e tampouco para a educação de adultos.
Algumas reflexões na identificação de alternativas
Segundo o Informe de Seguimento da Educação para Todos no Mundo publicado pela UNESCO (2009), calcula-se que a cada ano se necessitam 11 bilhões de dólares para atingir os objetivos principais em matéria de educação nos países mais pobres do mundo
É por isso que será necessário reforçar a legislação e a institucionalidade que garanta a prática da educação como um direito humano, muito além da implementação esporádica de programas educativos que não são de qualidade, e muitas vezes são guiados pela emergência.
Qual será a real magnitude do efeito destas crises entrecruzadas nas famílias e especialmente naquelas chefiadas por mulheres? E quais seriam as condições que teriam que existir para que elas se beneficiem de uma educação de adultos ao longo da vida?
Como uma forma de contribuir para os objetivos do FISC poderíamos refletir sobre quais desafios temos pela frente:
1) No desenho de políticas públicas em apoio à educação de adultos ao longo da vida e que beneficiem as populações mais pobres
2) Na identificação de alternativas sustentáveis, de baixo custo e de apoio aos aspectos ambientais
3) Na entrega de aportes para a discussão de fatores econômicos, culturais, sociais e ambientais que possam apoiar a multiplicação da educação de pessoas adultas ao longo da vida
- Marcela Ballara, ICAE-GEO
https://www.alainet.org/fr/node/137272?language=en
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