Governança e desenvolvimento

26/12/2007
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[A governança é uma noção vigente nas empresas privadas cujo objetivo é obter a máxima rentabilidade com o menor custo. Querem transferi-la ao setor público com vistas à sua privatização]

Há apenas duas décadas, o neologismo anglo-saxão governance (governança) começou a aparecer no jargão de economistas e líderes de instituições internacionais e, posteriormente, em âmbitos governamentais. Igualmente se estendeu em campos relativos às ciências políticas e à sociologia assim como entre profissionais e técnicos relacionados com o "desenvolvimento". Entretanto, terminologicamente, este vocábulo resulta ser uma reabilitação de um arcaísmo medieval. Em qualquer caso, a governança é uma noção fortemente ideologizada e polissêmica que foi utilizada por parte das forças dominantes deste mundo que se pretende globalizar a maneira "neoliberal" em prol de um modelo econômico, político e social centrado no mercado.

O conceito surge no marco da empresa privada para se mudar, via Consenso de Washington, ao âmbito dos primeiramente denominados programas de ajuste estrutural e posteriormente estratégias de luta contra a pobreza, exigidos pelas instituições financeiras internacionais (Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial) aos países do Terceiro Mundo fortemente endividados e ávidos de créditos. Finalmente, parece alcançar seu momento culminante quando a Comissão Européia o adota como modelo para o funcionamento das instituições.

Em efeito, a governança é uma noção procedente do mundo empresarial para se referir a determinados modos e procedimentos de gestão e administração vigentes nas empresas privadas cujo objetivo se centra em obter a máxima rentabilidade com o menor custo. E querem transferi-la ao setor público com vistas à sua privatização ou, se não conseguirem, fazer que funcione como uma empresa privada e assim ser "competitivo". Em princípio, pode parecer surpreendente e, inclusive, insensato, pretender governar, gerir ou administrar um Estado, um município ou uma instituição pública prestatária de serviços assistenciais para pessoas com escassos recursos como se fosse uma fábrica de automóveis ou de enlatados, contudo, isto é precisamente o que se pretende.

Posteriormente, a noção de governança chegou a adquirir a presença que hoje tem no conjunto das ciências sociais graças, principalmente, à decidida aposta em seu favor por parte das instituições financeiras internacionais (Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional principalmente) como requisito ou precondição para a concessão de empréstimos aos países de Terceiro Mundo fortemente endividados a partir da década de noventa, paralelamente à aplicação dos denominados programas de ajuste estrutural ou mais recentemente estratégias de luta contra a pobreza, de modo que a governança se refere às estruturas políticas, administrativas e institucionais apropriadas para a aplicação de ditos programas ou estratégias.

Não obstante, não faltam esforços por parte dos promotores da governança para tratar de lhe outorgar certa legitimidade ao adjetivá-la como democrática ou boa governança, se baseando fundamentalmente em divulgar a suposta interação entre os setores público, privado e civil, não só na elaboração de medidas e na tomada de decisões políticas e econômicas, mas também na aplicação ou implementação de ditas medidas. Por exemplo, para o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) um dos objetivos da governança consiste em descentralizar a intervenção estatal e reduzir sua "verticalidade" para assim facilitar a "horizontalidade" na gestão dos bens públicos mediante uma maior participação dos setores privado e civil.

Isto se conseguiria através de procedimentos de tomada de decisões nos quais exista uma interação entre o setor público, embora seguiria desempenhando o papel diretivo, o setor privado (incluídas as transnacionais) e o setor civil (terceiro setor), isto é, o dos cidadãos e de suas organizações representativas (ONG, organizações municipais, sindicais, partidos, etc.). Tudo isso em prol de um desenvolvimento humano e sustentável. Agora bem, como interpretam e aplicam isto o BM e o FMI?

Pois bem, o que realmente eles pretendem é o denominado "Estado mínimo" de corte neoliberal, ou seja, um Estado que reduza ao máximo seu caráter assistencial e redistribuitivo, mas mão no que se refere a seu caráter repressivo para defender a "lei e a ordem", sempre e quando não for em prejuízo das classes ricas e de suas propriedades. Assim, seu modelo de governança implica a adoção de políticas de contenção do gasto público, de redução da intervenção do Estado, de privatização de empresas e de serviços públicos e, em definitiva, de políticas orientadas por e para o mercado.

A noção de governança parece alcançar seu ponto máximo no momento em que a Comissão Européia opta por designá-la para se referir ao funcionamento ideal das instituições européias e, portanto, ao conjunto das instituições públicas, desde as locais, passando pelas estatais e continentais, até as mundiais ou universais. Tudo isso anunciado em seu momento por um documento profusamente mediatizado, intitulado A governança européia. Um livro branco.

Entretanto, é em um documento posterior, intitulado Governança e desenvolvimento, onde se concretizam com mais clareza os conceitos e os objetivos. Assim, por exemplo, neste se conclui que "a governança se refere às normas, processos e condutas através dos quais se articulam interesses, se gerem recursos e se exerce o poder na sociedade e se constitui um fator chave nas estratégias de luta contra a pobreza" (parágrafo 91). Deste modo, "a governança passou a ser um componente essencial da cooperação ao desenvolvimento e agora faz parte integrante dos processos da estratégia de redução da pobreza".

Assim, pois, a governança faz parte do discurso "globalizador" que enaltece os valores relativos à competitividade e ao individualismo do setor privado e a um mercado cujo motor é o afã pelo lucro. Em suma, dito discurso, embora se refira à "governança democrática" ou à "boa governança", aparece histórica e conceitualmente associado a programas econômicos e políticos caracterizados pela exaltação do privado, em detrimento do público, cuja compatibilidade com a democracia e os direitos humanos, incluídos os direitos econômicos, sociais e culturais assim como os meio ambientais, resulta, claramente, discutível. A crescente desigualdade econômica e social e a destruição progressiva de ecossistemas e de biodiversidade em todo o planeta assim o demonstram.
https://www.alainet.org/fr/node/124920
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