“É urgente a reforma política”
17/09/2014
- Opinión
Para Frei Betto, o Brasil precisa, urgente, de reformas de estruturas. Segundo ele, o plebiscito popular, realizado pelos movimentos sociais, sinaliza aos futuros governantes um anseio e uma proposta de parcela significativa da população
Cuba merece todas as comendas por sua solidariedade ao Brasil e aos países pobres do mundo, disse Frei Betto, que acaba de receber a Ordem da Solidariedade, concedida pelo Conselho de Estado de Cuba – entregue dia 8 de setembro pela embaixadora Marielena Ruiz Capote – no consulado de Cuba, em São Paulo (SP).
Nesta entrevista ao Brasil de Fato, Frei Betto disse preferir Dilma a Marina. Segundo ele, a candidata à presidência da República, Marina Silva, se cerca de pessoas que não nutrem a menor simpatia pelos governos democráticos populares da América Latina.
“Em viagem aos EUA Marina criticou Cuba quanto aos direitos humanos. Por que se omitiu em relação ao país que mais
viola os direitos humanos na história da humanidade – os EUA?”, questiona.
Para Frei Betto, o Brasil precisa urgentemente das reformas estruturais, entre elas a reforma política. “Nossa atual estrutura política é viciada como a roleta de um cassino, que sempre favorece o dono, ou seja, a oligarquia política que insiste em manter o nosso país no atraso”, afirma.
Brasil de Fato – Os movimentos sociais realizaram, no começo de setembro, um plebiscito popular para que se faça uma reforma política. Como você avalia essa iniciativa?
Frei Betto – Pelo que soube, 1,5 milhão de pessoas votaram pelo SIM, ou seja, querem urgente uma reforma política com constituinte exclusiva e soberana. Sei que não é fácil tornar imediata esta conquista. Mas política se faz com acúmulo de forças. O plebiscito sinaliza aos futuros governantes um anseio e uma proposta de parcela significativa de nossa população.
O país precisa realmente de uma reforma política?
O Brasil precisa, urgente, de reformas de estruturas: agrária, tributária, política etc. Desde que me entendo por gente essa é uma aspiração nacional. Nos anos de 1960, falava-se em “reformas de base”. O Partido dos Trabalhadores (PT) nasceu sob promessa de se empenhar por elas. E nada!
Nossa atual estrutura política é viciada como a roleta de um cassino, que sempre favorece o dono, ou seja, a oligarquia política que insiste em manter o nosso país no atraso. São muitos os resquícios da ditadura nessa estrutura, como a representatividade política. Faz sentido São Paulo, com 44 milhões de habitantes, ser representado pelo mesmo número de senadores que representam Roraima, com quase 500 mil habitantes? É preciso, urgente, proibir o financiamento de candidatos em campanhas por empresas e bancos. Enfim, é urgente a reforma política!
Como você tem visto o atual cenário eleitoral?
Há um dado muito positivo neste atual cenário eleitorial: estão na disputa final duas mulheres progressistas, enquanto o candidato da direita despenca ladeira abaixo. Porém, temo a eleição de Marina, minha amiga, por ela, entre outras posições retrógradas, defender a autonomia do Banco Central e não abraçar a lei contra a homofobia. Prefiro ficar com o conhecido a me arriscar com o desconhecido.
O governo do PT está longe de refletir meus sonhos, como frisei em meus livros A Mosca Azul e Calendário do Poder (Rocco). Mas vou de Dilma!
A sociedade está cada vez mais distante dos partidos políticos. Por quê?
Porque os partidos odeiam o cheiro de povo, como confessava o general Figueiredo. Vide a reação à Política Nacional de Participação Social!
Os partidos progressistas, como o PT, abandonaram o trabalho de base, a consolidação dos núcleos populares, a formação política dos militantes. Hoje se sentem obrigados a pagar a jovens desocupados para segurarem propaganda eleitoral nas esquinas. Boaventura de Sousa Santos acaba de expressar sua esperança de que Lula se dedique à refundação do PT. Estou de acordo.
Qual a responsabilidade deste quase 12 anos de governos do PT no atual cenário?
O PT cometeu o equívoco de não mobilizar os movimentos sociais para assegurar sua governabilidade, e recorrer apenas aos partidos. Daí as alianças espúrias.
A decisão de exterminar o que de melhor havia no início do governo, o Fome Zero, estruturado sobre comitês gestores populares, e introduzir o Bolsa Família, gerido pelos prefeitos, foi o sinalizador de que o governo faria políticas sociais compensatórias e não emancipatórias. Hoje o PT colhe o que plantou...
Ao que tudo indica, a disputa se dará entre Dilma e Marina. Qual a sua opinião?
Espero que Dilma vença, e que ela leve a efeito o que promete, como não independentizar o Banco Central, aumentar o investimento em saúde e educação, ampliar o sistema de benefícios sociais, punir rigorosamente os corruptos. Espero ainda que ela se empenhe na reforma agrária, na proteção da Amazônia, na defesa dos direitos de povos indígenas e quilombolas.
Uma eventual vitória de Marina Silva pode comprometer os avanços progressistas em nosso continente?
Sim, pois em viagem aos EUA Marina criticou Cuba quanto aos direitos humanos. Por que se omitiu em relação ao país que mais viola os direitos humanos na história da humanidade – os EUA? Marina se cerca de pessoas que não nutrem a menor simpatia pelos governos democráticos populares da América Latina.
Você recebeu, da embaixadora de Cuba, a Medalha da Solidariedade. Qual o significado dessa homenagem?
Recebi, a 8 de setembro, no consulado de Cuba, em São Paulo, a Ordem da Solidariedade, que me foi concedida pelo Conselho de Estado de Cuba e entregue pela embaixadora Marielena Ruiz Capote. Junto, uma carta pessoal de Fidel, que li para os presentes, e um presente de Raúl Castro. Porém, Cuba é que merece todas as comendas por sua solidariedade ao Brasil e aos países pobres do mundo, enviando a eles médicos e professores que atuam nas áreas mais inóspitas junto às populações mais carentes.
- Nilton Viana Da Redação
Foto: Agências de Notícias do Acre
https://www.alainet.org/fr/node/103503
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