O mercado de trabalho brasileiro recente

14/04/2014
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Por que, mesmo em um cenário mais volátil que o verificado até 2010, os indicadores do mercado de trabalho em 2012 observaram melhora ou, pelo menos, estabilidade? Fatores diversos podem ser citados, mas o menor crescimento da PEA é um dos principais. Menor pressão da PEA pode garantir avanços nos indicadores do mercado de trabalho. No entanto, isso não pode ser confundido com “pleno emprego”
 
O mercado de trabalho brasileiro registrou grande dinamismo na última década, com forte geração de emprego, o que tornou possível absorver as pessoas que ingressavam na População Economicamente Ativa (PEA) e parte dos desempregados, criando vínculos de trabalho formais, com melhores salários e redução do tempo de espera por um novo emprego. Os indicadores positivos foram observados também em 2012, apesar do baixo crescimento econômico. Ressalte-se, porém, que esse dinamismo não conseguiu superar as desigualdades de gênero e raça, ainda muito presentes no mercado como um todo.
 
A economia brasileira vem apresentando crescimento (especialmente se comparada à outros países), embora a taxas não tão robustas como as verificadas até 2010: em 2013 o país cresceu 2,3%; em 2012, 1%; e em 2011, 2,7%, – ou seja, abaixo da média de 2004-2010, de 4,5% ao ano. Setorialmente, houve deterioração no desempenho da indústria, com resultados abaixo da média da economia nos anos considerados, e outras atividades econômicas enfrentaram certa volatilidade no período. No caso do comércio e, especialmente, da agropecuária, ocorreu melhora entre 2012 e 2013. Outro indicador com considerável instabilidade foi o de investimento.
 
O mercado de trabalho, porém, continuou avançando, na comparação com períodos anteriores, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2012 – a mais recente disponível. Permaneceram os movimentos de redução das taxas de desocupação (tabela 1) e da desigualdade dos rendimentos do trabalho (gráfico 1) e houve expansão nas taxas de formalização, no número de contribuintes da Previdência, nos rendimentos médios do trabalho e na escolaridade dos ocupados, assim como continuidade no aumento do peso do emprego assalariado formal frente ao total da ocupação.
 
As negociações coletivas também refletiram esse cenário virtuoso, com crescimento das que registraram aumento real de salários. Setorialmente, permaneceram os movimentos de queda da participação do emprego no setor agrícola e também do emprego doméstico, atividades econômicas caracterizadas, muitas vezes, por expressiva informalidade, baixos salários e relações de trabalho mais desfavoráveis aos trabalhadores. O trabalho infantil, ainda que relevante, apresentou redução.

Tabela 1 – Taxa de desocupação, total e por gênero, e taxa de formalização* - Brasil (em %)
     
Fonte: Pnad
Elaboração: Subseção Dieese/CUT-Nacional

*A taxa de formalização é obtida considerando a proporção dos trabalhadores por conta própria contribuintes da Previdência somada à dos trabalhadores com carteira assinada, estatutários e militares, cujo resultado é dividido pelo total de trabalhadores assalariados somado ao total dos trabalhadores conta própria.


Gráfico 1 – Rendimento médio do trabalho principal, Brasil (em R$, em anos selecionados)
Fonte: Pnad
Elaboração: Subseção Dieese/CUT-Nacional
Deflator utilizado: INPC-IBGE


O bom desempenho do mercado de trabalho, das negociações salariais e do salário mínimo, por sua vez, teve papel relevante na diminuição da desigualdade de renda da população e, em especial, dos ocupados. Em 2012, pela primeira vez, o índice de Gini foi inferior a 0,5 (quanto mais próximo de 0, mais equânime é a distribuição dos salários).

Entre os motivos para que o mercado de trabalho não tenha sentido claramente os efeitos de uma atividade econômica mais instável, característica do período pós-2010, está a redução significativa do ritmo de crescimento da População Economicamente Ativa (PEA), o que acaba por influenciar vários indicadores. No entanto, essa não é a única razão.

O “enigma” do mercado de trabalho brasileiro

Uma característica do mercado de trabalho no Brasil sempre foi a existência de um “excedente de mão de obra”. Por mais que o país crescesse economicamente, havia um número maior de pessoas à procura de trabalho, com consequente redução das taxas salariais do país. Em períodos de desaceleração econômica, o resultado seria um crescimento exponencial da ocupação em relações de trabalho mais precárias (informalidade, terceirização, transformação do empregado assalariado em pessoa jurídica, entre outras), como observado durante a década de 1990. Além disso, o Brasil sempre foi considerado um país com mão de obra “jovem”.

Hoje, porém, vem ocorrendo o envelhecimento da população – uma transição já verificada em outros países –, expresso principalmente pela diminuição das taxas de natalidade, e portanto do crescimento populacional, e pelo aumento da expectativa de vida. Essa mudança se reflete em maior estabilidade no crescimento da População em Idade Ativa (PIA) e da População Economicamente Ativa (PEA), que representa a somatória da população que efetivamente participa do mercado de trabalho, na condição de ocupada ou desocupada1.

A esse movimento populacional acrescente-se o fato de que, no período de 2004 a 2010, a economia registrou taxas de crescimento muito acima das verificadas desde o início da década de 1980, gerando uma expansão considerável do emprego assalariado formal e também dos rendimentos do trabalho. Além disso, a implementação da política de valorização do salário mínimo, negociada pelas centrais sindicais a partir de 2005, e uma série de políticas sociais e/ou de transferência de renda tiveram efeitos positivos no mercado de trabalho formal, entre os aposentados e pensionistas e na inclusão da parte da população brasileira que estava fora dele.

Nesse contexto, foi possível absorver tanto contingentes cada vez maiores do “excedente de mão de obra” pré-existente quanto ingressantes, em especial jovens e mulheres, com redução das taxas de desocupação e aumento da renda. Saliente-se, ainda, que a melhora da renda do trabalho ampliou a renda familiar, que, por sua vez, fez aumentar o número de jovens dedicados apenas aos estudos. Esse fato revela-se bastante positivo, pois permite a elevação da escolaridade e contribuiu para uma maior estabilidade da PEA, ao retardar o ingresso desse segmento no mercado de trabalho.

Consideramos, portanto, que esse ciclo virtuoso, sobretudo no que se refere à diminuição das taxas de desocupação e elevação da renda do trabalho, foi resultado tanto de uma melhora da economia no período pós-2004 como da adoção de políticas de distribuição de renda (salário mínimo e transferências), aliadas a uma diminuição da pressão histórica das elevadas taxas de crescimento da PEA. A partir dessa “dinâmica virtuosa” de 2004 a 2010, os anos subsequentes adquiriram característica diferenciada em relação à economia e a seus impactos no mercado de trabalho.

Na análise dos números da Pnad, nota-se que a PIA cresce acima do verificado para a PEA, que registra variação menor que a taxa dos ocupados, o que resulta na queda da taxa de desocupação. No período 2004-2012 (tabela 2 e gráfico 2), percebe-se que, enquanto a PIA cresceu 12,9%, a PEA aumentou 9,1%, a ocupação teve elevação de 12,3% e o número de desocupados caiu 23,9%. Entre 2011 e 2012, as variações foram 1% na PIA; 0,8% na PEA; 1,4% na ocupação; e queda de 6,9% na desocupação.

Tabela 2 – Evolução da PIA, PEA, ocupados e desocupados -Brasil – 2004 a 2012 (em números absolutos)
Fonte: Pnad
Elaboração: Subseção Dieese/CUT-Nacional


Gráfico 2 –Evolução da PIA, PEA e ocupação Brasil (em número-índice, base: 2004=100)
Fonte: Pnad
Elaboração: Subseção Dieese/CUT-Nacional


Em outras palavras, o menor ritmo de crescimento da PEA, diante da considerável variação positiva da ocupação, contribuiu para a queda do número de desocupados, mostrando a influência significativa da acomodação da PEA nos resultados recentes do mercado de trabalho.
 
A questão que se coloca é por que, mesmo nesse cenário evidentemente mais volátil que o verificado até 2010, os indicadores do mercado de trabalho em 2012 observaram melhora ou, pelo menos, estabilidade.
 
Fatores diversos podem ser citados, mas o menor crescimento da PEA é, certamente, um dos principais. Menor pressão da PEA, mesmo frente a uma menor atividade econômica, pode garantir avanços nos indicadores do mercado de trabalho. No entanto, trata-se de um fenômeno que não pode ser confundido com “pleno emprego”. Este tem como pressuposto que não exista desemprego “involuntário”, ou seja, que somente haja desemprego entre as pessoas que julgam determinado salário baixo demais e, assim, preferem ficar desempregadas. Não é possível afirmar isso no Brasil, dada a precariedade ainda existente nas relações de trabalho, ilustrada pelo fato de que, mesmo com o avanço recente, menos de 50% dos ocupados são empregados assalariados formais e pelo menos 7% não aufere qualquer tipo de renda.

Desafios
 
O fato de boa parte dos indicadores positivos ter derivado da estabilidade da PEA alerta para a questão da vinculação do mercado de trabalho aos ciclos econômicos, ainda que haja algum descasamento temporal. Essa preocupação fica mais explícita se observada a desigualdade social no país e as perspectivas incertas sobre os rumos da economia brasileira, que nos últimos meses vem adotando um viés mais conservador, e portanto com menor prioridade ao crescimento.
 
Em que pese 2012 ter registrado uma redução da desigualdade dos rendimentos do trabalho – efeito direto do aumento do salário mínimo, combinado com uma expansão mais discreta dos rendimentos médios acima do piso nacional –, as de gênero e de raça voltaram a crescer de 2011 para 2012 (tabela 3), no que diz respeito aos rendimentos médios reais. É importante registrar que a redução das desigualdades de gênero, raça e idade, observada até 2011, não foi suficiente para superar as diferenças. Portanto, permanece central o desafio de eliminá-las, o que só será possível com uma melhora da atividade econômica e com a permanência da política de valorização do salário mínimo, implementada a partir de 2005, que pode ser revista em 2015.

Tabela 3 – Variação dos rendimentos médios reais do trabalho principal por períodos no Brasil e segundo grupos populacionais (em %)


Fonte: Pnad
Elaboração: Subseção Dieese/CUT-Nacional, a partir de dados do Comunicado do Ipea nº 160
– Um Retrato de Duas Décadas de Mercado de Trabalho Brasileiro Utilizando a Pnad.  

Por fim, bastante preocupante é a observação da tendência de decréscimo da taxa de sindicalização (tabela 4), em especial em 2012, o que pode enfraquecer o movimento reivindicatório dos trabalhadores e as possibilidades de negociação de ganhos reais, tão importantes nos últimos anos para a melhoria da renda. Possivelmente, essa queda está relacionada ao aumento do emprego formal nos setores de comércio e serviços, nos quais a organização das categorias é mais difícil, devido às características de desconcentração e dispersão.

Tabela 4 – Taxa de sindicalização e número de ocupados sindicalizado -Brasil (anos selecionados)

Fonte: Pnad
Elaboração: Subseção Dieese/CUT-Nacional


Por muito tempo em trajetória ascendente, atualmente o mercado de trabalho vem perdendo força, embora ainda registre crescimento, o que é positivo. O aumento das adversidades, a definição de políticas de renda e a capacidade de organização dos trabalhadores, nos próximos anos, é que vão definir a continuidade ou não do crescimento do mercado de trabalho, além, logicamente, dos rumos da política econômica, que, mesmo com defasagem temporal, certamente mais cedo ou mais tarde terão seus efeitos sentidos no mercado de trabalho.

Leandro Horie é economista do Dieese
Patrícia Toledo Pelatieri é economista, coordenadora executiva do Dieese.
Adriana Marcolino é socióloga do Dieese.
 
Notas
1. A taxa de desemprego é calculada segundo a equação: População Desocupação/População Economicamente Ativa, ou PD/PEA
 
 
Teoría e Debate, Edição 123, 15 abril 2014
 
 
https://www.alainet.org/es/node/84807

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