O dilema de um país

20/06/2013
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Na abertura da transmissão do jogo entre Brasil e México, quarta-feira, Galvão Bueno exaltava os protestos pacíficos contra a corrupção e os altos custos dos estádios para Copa, enquanto a TV mostrava cartazes que diziam: “O protesto não é contra a seleção, é contra a corrupção”. O Castelão cantou o hino nacional até o fim, depois que a banda parou. Foi tudo muito bonito e não se falou que, do lado de fora, manifestantes contra a Copa e Polícia Militar passaram longas horas em confronto antes da partida.
 
Sob a frágil consigna do gigante acordado, imaginou-se uma união nacional pela mudança nos rumos da política. Todos foram convidados para a festa.
 
Talvez valha uma recapitulação de como isso ocorreu. Até o dia 13 de junho, a manifestação em São Paulo e em outras capitais era claramente pela redução da tarifa do transporte coletiva, de certa forma motivadas pela conquista obtida pouco tempo antes em Porto Alegre. Mais difusamente, havia um discurso contra a Copa do Mundo e pelo direito à cidade.
 
A grandeza da manifestação do dia 13 de junho, aliada à violenta repressão da Polícia Militar em São Paulo, criou uma comoção em torno das manifestações. Pessoalmente, vi a possibilidade de que esses movimentos continuassem crescendo em torno destes temas: pela redução da tarifa do transporte público, indignação contra a Copa do Mundo e por transformações democráticas . Mas cada um via o que queria. E insufladas por lemas como “o gigante acordou”, pessoas que estavam dormindo foram encontrar nas ruas aquelas que estavam acordadas há anos.
 
Vive a Nação dias gloriosos
 
De repente, todos eram a favor das manifestações. Da presidente Dilma Rousseff ao seu adversário na eleição, José Serra, passando pelo Chiquinho Scarpa, todos estavam atentos à voz das ruas. Deu-se uma disputa pela narrativa das manifestações, claramente com vistas a 2014, mas a realidade era muito mais complexa e foi escancarada na noite desta quinta-feira em todo o Brasil.
 
Houve manifestações em praticamente todas as grandes cidades e mesmo em cidades do interior. Estima-se que mais de um milhão de pessoas tenha ido à rua para protestar por alguma coisa. Uma esquizofrenia política às vezes sintetizada no mesmo cartaz, como o que pedia para Feliciano “curar” a presidente.
 
O espontaneísmo das manifestações descambou para um perigoso viés autoritário ao confundir apartidarismo com antipartidarismo. Militantes de partidos e movimentos sociais que estão há semanas nas ruas foram acusados de “oportunismo”. Uma reação natural em tempos de desencanto com a política, até porque dirigentes do PT demonstraram péssimo timing ao anunciar uma “onda vermelha” para o protesto, mas que teve episódios graves em São Paulo, com skinheads agredindo pessoas que portavam bandeiras ou vestiam camisetas identificadas com organizações. O gigante ainda não acordou o bastante para não se deixar levar por uma onda autoritária.
 
Por outro lado, houve a violência desmedida. Praticada, não necessariamente nesta ordem, pela Polícia Militar, por manifestantes, provocadores infiltrados, criminosos que aproveitaram a onda, jovens desorientados ou que tem alguma conta a cobrar do Estado, entre outras categorias. Em Ribeirão Preto, um homem tentava passar com sua caminhonete preta no meio da manifestação, teve o veículo balançado e acelerou sobre a multidão. Aconteceu a primeira morte desta onda de protestos.
 
Além de uma disputa política nas ruas pelo rumo das manifestações, o que ocorre é uma demonstração concentrada da nossa violência cotidiana.
 
Não há quem pinte o retrato de um bochincho quando estoura
 
Governadores e prefeitos que anunciaram a redução das tarifas do transporte público e manifestaram entusiasmo com a voz das ruas nos últimos dias não deram declarações sobre os episódios desta quinta-feira. Estão mais desorientados que o Pelé, que consolidou sua imagem de fantoche sempre posicionado do lado errado da história. Dilma Rousseff pediu para que seus ministros permanecessem em Brasília nesta sexta e convocou reuniões. Uma boa medida, se tivesse vindo há uma semana.
 
A disputa de narrativas deu lugar a uma grande histeria coletiva pela interpretação dos significados e possíveis rumos destas manifestações. Mas os grandes atores políticos, estes seguem jogando o jogo. E muito possivelmente teremos um capítulo importante nesta sexta-feira.
 
O hotel da Fifa em Salvador foi alvo de manifestação nesta quinta. Ônibus com a marca da entidade são hostilizados nas ruas. Segundo as notícias, duas seleções teriam manifestado preocupação com a violência. Além disso, jogadores da Espanha foram furtados no hotel.
 
Após a série de confrontos nas grandes cidades, incluindo o entorno do Maracanã e da Fonte Nova, onde se realizavam jogos da Copa das Confederações, a Fifa insinuou que poderia cancelar a Copa das Confederações apoiando-se na Lei Geral da Copa, que permite tal atitude caso o país sede não garanta a segurança para o evento. O excesso de democracia, de fato, atrapalha os planos da Fifa.
 
Então chegamos à esta sexta-feira com muito mais incertezas sobre o destino dos protestos nas grandes cidades, com uma série de organizações políticas à esquerda e à direita disputando a atenção dos “apartidários”, com uma morte registrada, com gente saindo de casa pelos mais variados motivos, com novos protestos sendo convocados, com um rastro de depredações e confrontos, e com o governo brasileiro tendo de encontrar uma solução para o desenvolvimento da Copa das Confederações, esse pepino que resolveu chamar de seu. Esta é uma questão imediata a ser solucionada, ainda que não vá, por si só, determinar um rumo definitivo para as manifestações.
 
Daniel Cassol é jornalista.
 
https://www.alainet.org/es/node/76970?language=en
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