A luta de uma líder camponesa paraguaia contra o agronegócio
02/06/2013
- Opinión
Perla Alvarez representa paraguaios que são quase invisíveis, dentro e fora do país: os trabalhadores rurais
Assunção.- O centro de Assunção é repleto de antigos casarões situados entre construções recentes que, em sua maior parte, dão lugar a shoppings centers e a condomínios empresariais. Na capital paraguaia, a impressão é a de que uma cidade histórica convive com outra, uma metrópole global. Em uma dessas ruas, uma porta estreita e comprida leva a uma casa antiga, com tacos de madeira, teto alto e porão. Ali funciona a sede do Conamuri (Coordenação Nacional de Mulheres Rurais Indígenas), articulação de esquerda que, desde outubro de 1999, reúne trabalhadoras rurais.
Quem dá as boas-vindas é Perla Alvarez Britez. Dirigente do Conamuri, ela representa um Paraguai quase imperceptível para quem visita Assunção ou Cidade do Leste: o camponês e indígena, distribuído nos 38% da população que vive na zona rural, segundo dados oficiais.
Apesar de se expressar bem em espanhol, sente-se mais à vontade para falar em guarani, idioma co-oficial do país, língua materna de cinco milhões de paraguaios – ao todo são 6.623.252. Em poucos minutos, se destaca na conversa o golpe de Estado que destituiu o presidente Fernando Lugo, em 22 de junho de 2012.
Perla critica a forma como Lugo foi retirado do poder, e o posterior governo do liberal Federico Franco. Para ela, o golpe mostrou o rosto da política do agronegócio que afeta diretamente os camponeses indígenas. “O golpe, para nós, significou o aniquilamento total dos nossos direitos. Era como se, a cada dia, recebêssemos uma nova bofetada, um novo pisão. Sentimos a dor quase na própria carne, o derramamento de tanto sangue, de gente que estava na luta por um direito; pelo direito à terra, à alimentação”, diz Perla.
O desabafo emocionado tem origem na decepção. “Com a queda de um presidente eleito de forma legítima, houve no país a ruptura de um processo que foi tão lentamente construído”, explica a ativista, “o processo da democracia”. Mais além das convicções ideológicas – Perla é opositora aos partidos Colorados e Liberal –, está a experiência cotidiana. Ela mora em Itauguá, pequena cidade a 30 quilômetros da capital, mas nasceu no departamento de Caaguazú, no povoado de Pastoreo, em área rural. Lá cresce o monocultivo de soja e outros cereais. “Isso, é claro, causa desequilíbrio na natureza, mas também nas comunidades. Há comunidades inteiras que desapareceram nos últimos
As causas são principalmente econômicas, sociais e de saúde, relata a dirigente. “Por um lado, a necessidade de expandir o modelo de monocultivo faz com que [essas comunidades] sejam pressionadas. Por outro, muita terra é vendida, porque a presença dessas empresas da região eleva o custo dos terrenos. Mas os camponeses vêm e se instalam na periferia da cidade e não conseguem comprar outra casinha com esse dinheiro”, argumenta, lembrando que em seguida surgem dificuldades para conseguir trabalho.
Perla conta histórias de pessoas que, com o avanço do agronegócio no Paraguai, não conseguiram mais obter renda trabalhando no campo, especialmente jovens. “Isso acontece em todos os lugares onde há esse modelo. Os benefícios vistos em outros países não são refletidos aqui, porque somos um país de cultura rural disseminada por todo o território. E isso incomoda esse modelo. Simplesmente, eles não nos querem no campo”, afirma.
Fumigação
Nas paredes da sala de reunião do Conamuri, há mapas do América Latina e do Paraguai, além de uma dezena de cartazes de combate ao machismo, contra a monocultura da soja e também de campanha pela reforma agrária. Destaca-se, entre eles, a foto em preto e branco de um garoto: Silvino Tavalera, morto aos 11 anos por intoxicação devido ao uso inadequado de agrotóxicos. Ele foi, segundo Perla, a primeira “vítima comprovada” de fumigação da produção extensiva de soja, trigo e milho.
Isso porque aqueles que a aplicam não respeitam os intervalos, nem as condições climáticas recomendadas. “Vi frutas que não podem ser consumidas porque estão todas envenenadas. Os pássaros as comem e morrem”, diz.
Silvino morreu em 2003 e ficou comprovado que a intoxicação foi causada pelo Roundup, praguicida usado na produção de soja transgênica. Os produtores foram condenados pela Justiça do Paraguai como responsáveis diretos.
“O caso Silvino levou à descoberta dessa questão. Nos hospitais, passou a ser proibido falar de intoxicação química. Colocava-se ‘desnutrição’, ‘mal-estar’, ‘tontura’, mas nunca intoxicação”, revela.
Resistência
Além de militante, Perla é professora da língua e cultura guarani. A jovem, de fartas sobrancelhas e longos cabelos negros, já teve um programa na televisão, o Tembi'u Rape, transmitido pela TV Pública Paraguay. Nele, ela visitava comunidades para mostrar sementes nativas e aspectos da cultura gastronômica típica do país. Após o golpe, no entanto, com a reformulação na direção e na grade de programação da emissora, perdeu o espaço.
Mesmo diante da vitória de Horácio Cartes, do Partido Colorado, Perla se mostra otimista. Ela diz acreditar no poder de organização do setor popular. “Acreditamos que a luta pela terra não deve se arrefecer, mas se potencializar sob uma perspectiva da produção com um novo modelo. Nosso trabalho deve ser afiançar as bases, fazer alianças para poder defender os territórios que ainda temos e avançar até a recuperação das terras que nos foram roubadas.”
Para a paraguaia, é preciso retomar os trabalhos iniciais com o meio ambiente, principalmente de resistência ao uso indiscriminado de agrotóxico, além de mobilização social. “Caso contrário, não há como continuar sendo trabalhador rural indígena. E vêm aí períodos duros porque se afiança cada vez mais esse modelo. Mas não há mal que dure 100 anos”, define.
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