Europa em câmera lenta. Paradoxos mundiais

O coronavírus infecta as rachaduras indefesas do sistema

27/03/2020
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El transporte público suizo funciona muy reducido: Línea 7 del tranvía de Berna
Foto: Sergio Ferrari
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- Mais uma vez as fronteiras nacionais

- O preço futuro do desemprego

- A saúde, bem público ou mais uma mercadoria

- Trabalhar em casa, um sofisma

 

 

Com quase 10.000 infectados pelo COVID 19 e quase cem mortes registradas até a última quinta-feira de março, a Suíça continua esperando um pico nacional da pandemia nos próximos dias. Como nunca se viu em sua história do século passado - nem mesmo durante a Segunda Guerra Mundial -, o país trabalha hoje em câmera lenta.

 

Escolas, faculdades e universidades fechadas. Quase todas as lojas - exceto supermercados, padarias, açougues e quiosques - estão fechadas desde meados de março. Uma parte significativa da indústria e da construção está em desemprego parcial. O turismo totalmente congelado. O transporte público, com menos da metade de sua frota. Aeroportos com atividade zero. Atmosfera surreal, apenas mitigada pela primavera que acaba de começar.

 

Situação bastante semelhante à da maioria dos países europeus, continente que suporta uma invasão silenciosa, sem armas de guerra, mas com resultados devastadores para os seres humanos, para a economia e para a estabilidade social. Região particularmente dramática, o norte da Itália, há algumas semanas, mergulhou em uma tragédia de dimensões dantescas.

 

Saúde pública, bem social ou mercadoria

 

E, junto com a pandemia, a explosão de inúmeros paradoxos que envolvem a tanto a Europa como o planeta inteiro.

 

As potências mundiais, como Itália e França, hoje possuem estruturas hospitalares bastante sucateadas e que já estavam à beira do colapso antes da epidemia: falta de máscaras para o pessoal médico ou paramédico; reagentes insuficientes para testar as pessoas; e até falta de desinfetante para as mãos, essencial para enfrentar o avanço da doença.

 

Radiografia que, com nuances, se estende a outros países do continente. Aspecto dramático: a quantidade insuficiente de respiradores mecânicos, essenciais em unidades de terapia intensiva, para pacientes que, em decorrência de pneumonia grave, se debatem entre a vida e a morte. E, além dessas deficiências, a concepção sistêmica predominante, que considera a saúde pública como uma “despesa”, e que vem promovendo a privatização do setor há anos, com suas consequências visivelmente terríveis.

 

Pesadelo particular, por exemplo, na França, que desde 2010, com Sarkozy, começou a liderar uma privatização acelerada da saúde, com consequências inimagináveis para o sistema sanitário. 2019 já havia sido um ano de intensas mobilizações de trabalhadores do setor. Iniciadas em março, aumentaram de potência até que, no dia 15 de novembro, milhares de profissionais do setor saíram às ruas em todo o país, convocados pelo Colectivo Inter-Hospitales. Funcionários de 268 unidades de saúde apoiaram o protesto, que se concentrou, principalmente, nas más condições de trabalho na área, nos baixos salários e na saturação de serviços de emergência, insuficientes para a demanda em um momento em que ainda não se falava em pandemia.

 

Diante da crise, o retorno às fronteiras

 

A sacrossanta “livre circulação de pessoas”, na própria base do Estado continental europeu, desapareceu rapidamente em poucos dias, quando o trânsito de país para país foi caindo como as peças de um grande dominó.

 

Desesperadas para garantir, prioritariamente, os cuidados de saúde de seus próprios habitantes, muitas das 26 nações foram restabelecendo suas antigas fronteiras, as anteriores a 14 de junho de 1985, quando o Acordo de Schengen foi assinado, com a ideia de erguer um muro migratório que protegesse o continente, acima de tudo, das crescentes migrações do Sul e do Leste.

 

Tratado que, em execução desde 1995, regia a livre circulação em todo o continente, onde vivem mais de 400 milhões de habitantes. Diante da crise, de novo o “salve-se quem puder!”..., e como puder!

 

As vítimas do desemprego

 

Diante da crise sanitária, de seus imponderáveis, de medos estruturais reais ou fictícios, já se antecipa a tendência a uma explosão descontrolada do desemprego. E o rosto daqueles que pagarão o preço principal dos corolários coronavirais já começa a ser desenhado.

 

Um estudo que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) apresentou na quarta-feira, 18 de março, em sua sede, em Genebra, prevê, no pior cenário, 24,7 milhões de desempregados como resultado da atual situação sanitária global (https://www.ilo.org/global/topics/coronavirus/impactose respostas/WCMS_739398/lang-pt/index.htm).

 

“O COVID-19 e o mundo do trabalho: consequências e respostas”, enfatiza que o impacto pode ser mais pesado do que o experimentado durante a crise de 2008-2009, que envolveu 22 milhões de desempregadas/os adicionais.

 

A OIT prevê um aumento exponencial do subemprego e enormes perdas salariais para os trabalhadores. As eventuais perdas podem atingir entre US$ 860 bilhões e US$ 3,4 trilhões até o final de 2020. A pandemia “terá um efeito devastador sobre os trabalhadores que já estão na linha ou abaixo da linha de pobreza”. Entre 8,8 e 35 milhões de pessoas a mais entrarão na pobreza em todo o mundo. Principais afetados: mulheres, migrantes e, em particular, nos países em desenvolvimento, os trabalhadores por conta própria, informais.

 

Calle comercial de Bümpliz, barrio popular de Berna.

Foto: Sergio Ferrari

 

Pandemia com países bloqueados

 

Paradoxo recentemente denunciado pela Comissão de Direitos Humanos de Genebra. A pandemia está se espalhando; quase 3 bilhões de pessoas estão sob medidas de confinamento no mundo e, apesar dessa realidade dramática, os bloqueios contra algumas nações continuam, o que complica ainda mais a chegada de medicamentos, de produtos de saúde, de reagentes etc.

 

Exemplo concreto no âmbito latino-americano: as atuais sanções contra Cuba e a Venezuela. “As sanções setoriais de amplo espectro aplicadas a países que enfrentam a pandemia de coronavírus, como Cuba e Venezuela, devem ser reavaliadas com urgência”, disse Michele Bachelet na terça-feira, 24 de março (https://news.un.org/es/story/2020/03/1471652)

 

Segundo a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, essas punições podem ter um impacto negativo no setor de saúde e de direitos humanos. É essencial evitar “o colapso dos sistemas nacionais de saúde, levando em conta as repercussões explosivas que isso poderia ter em termos de morte, sofrimento e disseminação do contágio”, disse Bachelet, de Genebra.

 

Este é um duplo paradoxo se pensarmos que, nos últimos dias, centenas de médicos cubanos, em brigadas profissionais de solidariedade, viajaram para vários cantos do planeta, incluindo a Itália, a América Central e, em breve, até a Argentina.

 

Trabalho em casa, um sofisma

 

Em muitos países, empregadores e Estados, prescrevem o trabalho em casa (“home office”) como resposta à crise da saúde e para garantir que o sistema não fique paralisado.

 

No entanto, de acordo com as próprias Nações Unidas, atualmente, há 1,8 bilhão de pessoas sem-teto no planeta, enquanto 25% da população urbana vive em assentamentos ilegais. Impossível imaginar, por exemplo, que em muitos países da África subsaariana, onde predominam habitações modestas e o trabalho informal, seja possível cumprir o confinamento, o isolamento residencial, ou mesmo o trabalho em casa.

 

Números e porcentagens que, em termos gerais, coincidem com os setores carentes em situação de pobreza, de extrema miséria ou que beiram algumas dessas categorias.

 

 

São consequências paradoxais de uma situação dramática não prevista há apenas dois ou três meses: milhares de mortes (e centenas de milhares de enfermos), bem como as expressões com um rosto humano de um modelo planetário hegemônico, injusto e antissocial.

 

- Sergio Ferrari, da ONU, Genebra, Suíça

 

*Tradução: Rose Lima

 

https://www.alainet.org/es/node/205522
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