EUA têm persistente tradição de práticas protecionistas que não mudará

13/08/2019
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Donald Trump
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As manchetes proclamam: estão em alta os riscos da guerra comercial entre os Estados Unidos de Trump e a China do livre-comércio de Xi Jinping. À última ameaça do presidente americano os chineses respoderam com a desvalorização do yuan, o que equivale à imposição de tarifas a todas as importações. Trump retrucou com a conversa da manipulação da taxa de câmbio. Gritou: há anos eles roubam os nossos empregos. 

 

Os EUA têm longa e persistente tradição de práticas protecionistas. Os primeiros passos desta caminhada estão recomendados no Relatório Sobre as Manufaturas, de Alexandre Hamilton, publicado em 1791. Hamilton, então secretário do Tesouro, fez a crítica das teorias fisiocráticas que postulavam a superioridade da agricultura. Desenvolveu uma brilhante argumentação em defesa da manufatura como fonte da ampliação da divisão do trabalho, ganhos de produtividade e de maior progresso da própria agricultura. 

 

Pérfidas considerações sobre o celebrado liberalismo da Inglaterra pedem passagem. Na segunda metade do século XIX, depois de suspender, em 1841, a proibição de exportar máquinas e artesãos, revogar, nos idos de 1846, a proteção à sua agricultura protegida pela Corn Law, o liberal-mercantilismo da pérfida Albion comandou a expansão do comércio e das finanças internacionais. 

 

 Dominado pelos interesses da City, o liberal-mercantilismo da Inglaterra criou as condições para as políticas intencionais, diga-se protecionistas, de industrialização dos retardatários europeus e dos EUA. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é a mesma coisa, ensinam as cartilhas da dialética elementar para positivistas teimosos.

 

Em Origens da Democracia e da Ditadura, o sociólogo Barrington Moore Jr. analisa a Guerra Civil a partir das relações contraditórias, mas não opostas, entre o Sul escravagista-livre-cambista e o Norte em processo de industrialização, turbinado com mão de obra assalariada e fortes doses de protecionismo.

 

Nas primeiras décadas do século XIX havia complementariedade entre o Sul escravagista e primário-exportador e a industrialização incipiente. No movimento recíproco de expansão das “duas economias”, os requerimentos da indústria, do assalariamento e da ampliação do mercado entraram em descompasso com a economia livre-cambista da mão de obra escrava. A contradição foi encaminhada para as terras do Oeste. Sob o manto protetor da distribuição gratuita de terrenos do Homestead Act, o desenvolvimento e a consolidação da agricultura familiar no Oeste iriam configurar um novo espaço para a expansão das relações mercantis. 

 

O Oeste tornou-se provedor de alimentos e minerais e, ao mesmo tempo, ampliava o mercado para os industrializados do Norte-Nordeste. A febre de ferrovias e canais aplainou o comércio entre as regiões. 

 

Paul Bairoch, Douglas North, Charles Kindleberger e Carlo Cippola registram a persistência das práticas protecionistas dos EUA ao longo do século XIX e da primeira metade do século XX, até o fim da Segunda Guerra. O aumento brutal das tarifas promovido pelo Smoot and Hawley Act em 1930 inaugurou sombria temporada de competição protecionista. 

 

Na posteridade da Segunda Guerra, o projeto americano de construção da ordem econômica internacional foi concebido sob inspiração do ideário rooseveltiano. Tinha o propósito de promover a expansão do comércio entre as nações e colocar seu desenvolvimento a salvo de turbulências financeiras e de crises de balanço de pagamentos. A ideia-força de Bretton Woods sublinhava a necessidade de criação de regras destinadas a garantir a expansão do comércio e o ajustamento dos balanços de pagamentos, mediante o adequado abastecimento de liquidez para a cobertura de déficits, de forma a evitar a propagação das forças deflacionárias e as tentações do protecionismo.

 

Desde o fim dos anos 1970, a reestruturação do capitalismo envolveu mudanças profundas no modo de operação das empresas, na integração dos mercados e, sobretudo, nas relações entre o poder da finança e a soberania do Estado. O verdadeiro sentido da globalização é o acirramento da rivalidade entre empresas, trabalhadores e nações, disputa feroz em uma estrutura financeira autorreferencial. 

 

Em suas consequências, a severa recessão que machucou o planeta em 2008 denuncia as fragilidades do arranjo político-econômico da globalização. Não por acaso, ímpetos protecionistas irromperam em todos os cantos da Terra. O gesto de Trump é a repetição como farsa da tragédia encenada pela reforma tarifária imposta pelo Smoot-Hawley Act. 

 

Os comentários dos especialistas e as reportagens o anunciam em tom alarmista: não vai dar certo. Antes de arriscarem suas reputações com previsões tão acuradas quanto desacreditadas deveriam indagar de seus botões: o que deu errado? 

 

- Luiz Gonzaga Belluzzo é economista e professor, consultor editorial de CartaCapital.

 

13 de agosto de 2019

https://www.cartacapital.com.br/opiniao/eua-tem-persistente-tradicao-de-praticas-protecionistas-que-nao-mudara/

 

https://www.alainet.org/es/node/201544
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