G20: reunião China-EUA obriga Trump a dar trégua em sua guerra comercial

01/07/2019
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Xi Jinping e Donald Trump retomam negociações
Foto: Xie Huanchi/Xinhua
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Com o anúncio, por EUA e China, da restauração da trégua na guerra comercial (e tecnológica), encerrou-se no sábado em Osaka, Japão, a cúpula do G20. A trégua, sem prazo definido de duração, foi a principal decisão saída da reunião entre o presidente norte-americano Donald Trump e seu homólogo chinês, Xi Jinping. O comunicado final do G20 refletiu a urgência de salvar o sistema multilateral de comércio.

 

Conforme advertências do Banco Mundial e do FMI, a guerra comercial está pondo em risco o crescimento da economia mundial e afetando as cadeias globais de suprimento. Portanto, algum nível de alívio se transformara na principal questão da cúpula.

 

O anfitrião, o primeiro-ministro japonês Shinzo Abe, chamara a reunião a enviar uma “mensagem forte” sobre a manutenção e fortalecimento do sistema de comércio “livre, justo e não-discriminatório”. A trégua havia sido suspensa em maio por Trump, após tentativa frustrada de impor ditames à China, que teriam inclusive de ser incrustados na própria constituição chinesa, e de frear o programa chinês de alta tecnologia.

 

Ao mesmo tempo, Washington recua parcialmente no bloqueio à gigante chinesa das telecomunicações, Huawei, e não impõe novas tarifas sobre as importações da China, como voltara a ameaçar nas vésperas do G20. Em contrapartida, a China se comprometeu em adquirir mais bens agrícolas norte-americanos de uma lista trazida por Trump, cujas bases eleitorais no campo vivem uma grande crise devido à suspensão das compras chinesas de soja e outros produtos.

 

Bandeira branca

 

As consultas entre as duas partes deverão se reger “pela igualdade e respeito mútuo” e os dois presidentes “concordaram em avançar um relacionamento China-EUA com características de coordenação, cooperação e estabilidade”, registrou a agência de notícias Xinhua.

 

Pelo seu lado, Trump asseverou que o diálogo com a China está “de volta ao caminho certo” e considerou que sua reunião com Xi “ainda melhor” do que esperava. “Se conseguirmos chegar a um acordo, será um evento histórico”, acrescentou.

 

Continuam as sobretaxas mútuas já em vigor, sobre US$ 200 bilhões em importações provenientes da China e, de forma espelhada, sobre US$ de 60 bilhões de importações desde os EUA. Quanto à Huawei, o recuo é parcial, uma “moratória da aplicação” segundo Trump, sobre “equipamentos que não representam um grande problema para a segurança nacional”. Estão também mantidas a lista negra de Trump de empresas chinesas e a equivalente, de Pequim.

 

Multilateralismo

 

Formado pelas 19 maiores economias do mundo, mais a UE, no final da década de 1990 para coordenar uma resposta multilateral a uma série de crises financeiras globais, foi com o crash de 2008 que o G20 assumiu o peso que tem atualmente, ao ter sido um instrumento essencial para conter a maior crise econômica mundial desde 1929.

 

A cúpula de Osaka ocorreu em um clima de grande expectativa, sob risco de a guerra comercial lançada contra a China ser estendida pelo governo Trump a outros países – inclusive a Europa – e um frenesi de sanções, debaixo de variados pretextos, aos quais se somam as complicações trazidas pela saída unilateral dos EUA do acordo nuclear com o Irã e pelas provocações contra petroleiros no Golfo Pérsico.

 

Em seu comunicado final, a cúpula de Osaka, convocou todos a criarem um ciclo virtuoso de crescimento e reiterou seu compromisso com a reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC) e com um ambiente de comércio e investimentos “livre, justo, não discriminatório, transparente, previsível e estável”, bem como com o meio ambiente e o Acordo de Paris.

 

Em nome da União Europeia, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, afirmou que o “multilateralismo está no DNA da Europa”. O plano de investimento em infraestrutura da China, o Cinturão e Estrada (Nova Rota da Seda), um plano Marshall em escala maior para integrar economicamente a Eurásia, com portos, links de internet de alta velocidade, ferrovias de alta velocidade, estradas e centros de produção, não era parte da pauta mas pairou sobre a cúpula.

 

Privilégio exorbitante

 

O regime Trump tem buscado descrever como “protecionismo” o que não passa de uma política agressiva de sua parte para submissão do mundo inteiro ao seu diktat, para imposição dos interesses dos carcomidos monopólios norte-americanos, unilateralmente, sob mira de armas nucleares, extraterritorialidade de suas leis internas e uso do ‘exorbitante privilégio’ do dólar.

 

E da cínica alegação de que as normas da OMC – impostas por Washington no processo de ‘globalização’ pós-‘vitória da Guerra Fria’ – prejudicaram a economia norte-americana. Processo no qual um dos traços centrais foi a transferência a rodo para o exterior de fábricas norte-americanas, para tirar proveito além-mar dos baixos salários, manter o arrocho doméstico e aumentar os lucros.

 

Como nas alucinadas declarações de Trump à Fox News, de que “quase todos os países deste mundo tiram uma tremenda vantagem dos Estados Unidos”. Na entrevista, além da China ele acusara também o Vietnã, a Europa e o Japão. O Vietnã é “o único pior agressor de todos”. A Europa “nos trata pior que a China”. O Japão é ingrato porque “se o Japão for atacado … nós lutaremos a todo custo, certo? Mas se formos atacados … eles podem assistir o ataque em uma televisão da Sony”.

 

Chantagem que se torna indisfarçável quando tudo vira alvo da “segurança nacional” debaixo do “Make America Great Again”, para fins de decretação de sanções e de tarifas. Dos carros importados alemães ao 5G chinês, passando pelo aço japonês ou a aquisição turca da defesa antiaérea russa S-400 ou ainda o gasoduto Nord Stream 2 no Báltico.

 

Questão abordada com a objetividade costumeira pelo presidente russo Vladimir Putin no início de junho, quando registrou como Estados que antes tagarelavam sobre “competição justa” e “liberdade de comércio”, começaram a falar abertamente “a linguagem das guerras comerciais e sanções, invasões econômicas flagrantes, torção de braço, intimidação, eliminação dos concorrentes por meio dos chamados métodos não-mercantis”.

 

Em seu discurso no G20, o presidente Xi havia se apresentado como o campeão da luta pelo multilateralismo e anunciado novas medidas para relações internacionais ganha-ganha.

 

Armadilha da confrontação”

 

“China e Estados Unidos se beneficiam ambos da cooperação e os dois perdem em uma confrontação”, afirmou Xi no encontro com Trump. Ele acrescentou que a “cooperação é melhor que a fricção”, apontando os interesses altamente integrados dos dois países e propondo que se evite cair “na armadilha da confrontação”.

 

Lembrando a “diplomacia pingue-pongue” em 1971 em Nagoya, no Japão, durante o 31º Campeonato Mundial de Tênis de Mesa, Xi destacou que, apesar das grandes mudanças na situação internacional e nas relações China-EUA nos últimos 40 anos, “permanece inalterado o fato básico” de que tanto a China como os EUA “se beneficiam da cooperação e perdem com o confronto”.

 

No início de junho, Xi se reunira na Rússia com o presidente Vladimir Putin, quando os dois anunciaram “uma nova era sem precedentes nas relações Rússia-China” e foi depois a Pyongyang. Moscou e Pequim também assinaram um acordo para passar a fazer preferencialmente nas moedas nacionais seu intercâmbio comercial, deixando de lado o dólar. Só no ano passado, o comércio bilateral cresceu 25%.

 

Putin chama a “virar a página”

 

Outro acontecimento importante em Osaka foi a reunião Trump-Putin, na sexta-feira, diante do agravamento do quadro de segurança estratégica no mundo, depois da saída unilateral dos EUA do Tratado INF, que proibiu mísseis nucleares intermediários e evitou por décadas uma hecatombe nuclear na Europa. Encontro considerado “excelente” por Trump e “bom, pragmático e comercial” por Putin. “Eu acho que nós dois entendemos que precisamos de alguma forma resolver a situação atual”, disse o líder russo. Ambas as potências nucleares, ele argumentou, precisam “de alguma forma encontrar a força para virar a página e seguir em frente”.

 

Putin também convidou Trump para as comemorações dos 75 anos da vitória sobre a Alemanha nazista em Moscou em maio do ano que vem. No encontro com o príncipe saudita Bin Salman, Putin e ele acertaram a continuação do acordo de contenção da produção e sustentação de preço do petróleo, entre Moscou e a Opep.

 

A estréia do presidente brasileiro Jair Bolsonaro no G20 bombou nas redes sociais, graças ao escândalo dos 39 kg de cocaína no avião presidencial de reserva e às bijuterias de nióbio. Além de posar para a foto dos BRICS, ele foi a uma churrascaria local e dirimiu Merkel e Macron quanto à “psicose ambiental” de que julga seu governo vítima. Buscou, também, capitalizar a rendição do Mercosul aos monopólios europeus, assim como a fragilização, praticamente gratuita, da nossa indústria. Para alegria dos europeus, o déficit já existente no comércio com eles vai piorar – e bem.

 

Contagem regressiva

 

Subjacente à discussão sobre a “reforma da OMC” está o fato de que o próximo golpe de Trump contra o sistema multilateral de comércio já tem data marcada, 10 de dezembro, quando expira o mandato de dois juízes do Órgão de Apelação, o tribunal responsável por dirimir as pendências entre os 164 países membros.

 

Conforme advertiu recentemente o El País, “se ninguém o evita – e não parece que alguém possa fazê-lo” – o bloqueio de Washington à nomeação de substitutos deixará o tribunal “inoperante”. São os EUA tentando “matar a OMC por dentro”, como denunciou há dois anos a Comissária Europeia do Comércio, Cecília Malmström. “Quando não há regras prevalece a lei do mais forte, que é o que os EUA pretendem”, acrescentou o dirigente de comércio exterior, José Luis Kaiser.

 

Especialistas aconselharam a UE a “se preparar para uma situação em que o Órgão de Apelação deixe de funcionar”. A alternativa: uma espécie de OMC paralela, sem os EUA, um mecanismo temporário à espera que a OMC real volte a funcionar. Países como Japão, Índia, Rússia e África do Sul já teriam expressado apoio a essa “nova rota de arbitragem”. Para os pequenos países, será “a única maneira de se proteger da arbitrariedade dos grandes”, no entendimento dessas fontes.

 

Antonio Pimenta, Hora do Povo

 

30 de junho de 2019

https://horadopovo.org.br/g20-reuniao-china-eua-obriga-trump-a-dar-tregua-em-sua-guerra-comercial/

 

https://www.alainet.org/es/node/200731

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