Muitos setores “progressistas” também desprezam o Povo Brasileiro
- Opinión
Há poucos dias publiquei artigo que fazia observações sobre o descompasso entre o perfil de atuação dos dirigentes das principais centrais sindicais brasileiras e os graves desafios do momento, que afetam diretamente as condições de trabalho e vida da classe trabalhadora e os destinos do País.
Assinalei, sobretudo, o caráter desmobilizador e apassivador destas centrais, que controlam cerca de 78% do sindicalismo brasileiro. Um desses organismos é detentor de flagrante natureza patronal e integrante da base de apoio ao governo ilegítimo de Michel Temer (PMDB) – me refiro à Força Sindical. Demais centrais hegemônicas, portadoras de vínculos estreitos com segmentos partidários da esquerda institucionalizada e sistêmica: PT, PDT e PC do B.
As últimas abandonaram, há mais de uma década, o trabalho politizante, mobilizador, de articulação solidária nacional intercategorias, na esteira do foco exclusivamente direcionado ao ritual eleitoral: a ilusória ideia de que o voto é a via, senão única, decisiva para levar a cabo as mudanças sociais e o equacionamento de problemas trabalhistas.
Ontem, mobilização e greves “atrapalhavam” aos governos Lula/Dilma. No momento mais dramático, a ex-presidente da República perdeu o cargo sem fazer uma convocação, um esclarecimento popular ao Povo Brasileiro, em cadeia de rádio e TV, sobre o que se passava e os riscos no horizonte ao País. A CUT, em meio ao processo golpista, na prática, ficou em silêncio, promovendo uns protestinhos sem greve, sem qualquer vontade política.
Hoje, mobilização e greves de trabalhadores são potencial e novamente concebidas como embaraços que “atrapalham” aos intentos eleitorais de Lula, Ciro Gomes e Manuela D´Ávila. Todos, ao fim e ao cabo, precisam ser “confiáveis” para o “mercado”. A chamada “responsabilidade eleitoral" fala mais alto.
Além disso, entendem que vão sair beneficiados eleitoralmente, em meio à destruição promovida pelo governo Temer. Pode ser. Mas, isso se ocorrerem eleições. Nesse caso, eventualmente reverter o processo destrutivo intensamente neocolonial e neoliberal, sem bases sociais organizadas, esclarecidas e mobilizadas, é que são elas...
De fato, enquanto isso, os trabalhadores ficam sem meios efetivos, eficazes e rotineiros de canalização do protesto e do descontentamento. Desapossados de instrumentos vitais para o exercício da cooperação intraclasse e à ingerência direta na construção da agenda pública do País. Modo contínuo, perdem direitos históricos, de maneira inimaginável até recentemente.
Nesse sentido, eis que, pouquíssimo tempo após a referida publicação, pulularam nas mídias sociais notícias a respeito dos grandes protestos promovidos na Argentina, organizados por suas centrais sindicais, contra a supressão de direitos previdenciários entre os hermanos.
Os significados atribuídos, especialmente nas redes sociais e em boa parte do webjornalismo alternativo, não poderiam ser mais esclarecedores: alega-se uma passividade do trabalhador brasileiro e um comportamento aguerrido entre os argentinos. A comparação realizada nos é integralmente desfavorável. Os “memes” são autoexplicativos: “Lute como um argentino!”; “Temos que importar argentinos!”.
Caso curioso. A grande paralisação nacional dos trabalhadores brasileiros, de 28 de abril desse ano, foi completamente esquecida. Demandou somente um pingo de organização e mobilização, por parte das centrais sindicais hegemônicas, para levar mais de 30 milhões de trabalhadores a cruzarem os braços, a protestarem nas ruas, também no interior e nas cidades médias do País. Um movimento grevista que, claramente, incomodou o poder e precisava ser ampliado por dias.
Mesmo assim, envolveu trabalhadores e trabalhadoras das camadas mais altas entre os assalariados até as frações mais humildes e menos escolarizadas. Tratou-se da única grande mobilização nacional que contou com algum trabalho e alguma vontade política efetiva das centrais sindicais, nos últimos anos. Mas, para muitos, parece não ter existido.
Há poucas semanas, no Rio de Janeiro, os/as modestos/as, mas combativos/as, trabalhadores e trabalhadoras dos Supermercados Mundial bancaram uma greve, sozinhos/as, uma série de protestos, contra a perda de direitos trabalhistas, na esteira da espúria legislação aprovada em Brasília. A empresa teve que recuar nas suas intenções de retirada de direitos.
Ademais, nos últimos anos não foram poucos, nem inexpressivos os movimentos paredistas e os protestos promovidos por estratos assalariados, especialmente entre os/as trabalhadores/as da educação básica e superior do País. Raramente envolvendo articulação nacional, por isso mais restritos aos âmbitos municipais e estaduais.
Infelizmente, temos que constatar: não são apenas as forças reacionárias e entreguistas - localizadas, em boa medida, entre as burguesias domésticas e forâneas e em estratos da pequena burguesia interna - que demonstram absoluto desprezo pelo Povo Brasileiro. Também muito das forças sociais e políticas ditas “progressistas”, em particular, situadas nos estratos médios da sociedade, revelam verdadeiro horror aos trabalhadores e às classes populares do Brasil.
Atribuem uma grave mazela política apassivadora ao Povo Trabalhador Brasileiro, mazela que é de responsabilidade, senão exclusiva, elevadíssima, das centrais sindicais e dos partidos políticos que lhes estão associados. A implicação mais séria e profundamente reacionária é a seguinte: uma depreciação típica do viralatismo tupiniquim, dotada de um mal disfarçado racismo latente e de desprezo pela nossa gente trabalhadora.
Um esquema de percepção que tem como implicação um verdadeiro beco político sem saída: se o que existe é um “povinho inerte, imbecil” e sem “capacidade de ação”, qual a transformação social, econômica e política possível no País? Ora, esses setores ditos “progressistas” podem perfeitamente dar às mãos aos obtusos, mas sem máscaras, reacionários e vende pátria que hoje dominam folgadamente a Nação.
- Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.
18/12/2017