O brejo e as candidaturas à Presidência da República
- Opinión
Talvez a única certeza que os políticos têm no momento é a de que nas próximas eleições toda a raiva dos eleitores será descarregada nas urnas.
Caso os candidatos, as propostas e o debate não atendam aos anseios da sociedade, o Brasil poderá ter o maior índice de abstenção e voto de protesto de toda a história da República.
O cenário deixado pelo golpe de estado no Brasil é de escombros institucionais, e nele o drama dos golpistas de ainda não terem desenhado o cenário das eleições de 2018.
Não se sabe quais os atores que figurarão na arena. A ideia é criar um ambiente para o candidato a ser fabricado.
Alguns nomes foram lançados, na tentativa de esboçar alguma cena, mas a reação do público nas praças eletrônicas das redes sociais foi demolidora e levou alguns pretendentes a recolherem-se aos seus aposentos.
É o caso, por exemplo, de João Dória Jr.
Com a cara de quem caiu de um outdoor, de uma propaganda enganosa de creme dental, ele deve ter achado que à frente da prefeitura de São Paulo, com algumas pantomimas orientadas por marqueteiros e apoio da grande mídia, seria projetado nacionalmente e se posicionaria na frente dos demais.
Com seu personagem "não sou político, sou gestor", ao mesmo tempo sendo político, perdeu-se nessa esquizofrenia, não se sabendo mais quem é Doria e quem é o personagem.
Saiu de cena, acabou na margem direita do podre rio Tietê, com seu vidro de "ração para pobres" debaixo do braço, como que acordado de um delírio narcísico.
Luciano Huck se apresentou com o crachá das Organizações Globo.
TVs e rádios, revistas e jornais, embalaram o rapaz como se a tela da Globo fosse um grande oráculo de onde teria saído, finalmente, o candidato para acabar com o desespero do mercado e dos artífices do golpe de estado, que estão morrendo de sede de candidatos refrigerantes como Jânio Quadros, Fernando Collor, nesse imenso deserto político, para possivelmente enfrentar Lula nas eleições de 2018.
Porém, Huck percebeu, a tempo, a lama chegando às portas das Organizações Globo. As gravíssimas denúncias de que a poderosa emissora teria pago vultosas propinas para obtenção de exclusividade das transmissões dos jogos da Copa 2014 cairam como água fria na fervura da candidatura.
Para a Globo, no Brasil não teria muito problema.
O Ministério Público e a Polícia Federal têm usado bem óculos escuros, não estão enxergando nenhum escândalo da parceira de espetáculos nas buscas e apreensões da Lava-Jato. Nenhuma investigação à vista.
As investigações estão sendo realizadas nos Estados Unidos, e avança em vários países do mundo.
Certamente vai estourar o oráculo global. Imagine a Interpol aparecer de manhã cedo e bater nas portas das mansões dos Marinho em pleno ano eleitoral.
Há quem diga que a candidatura Huck foi inventada para tirar o foco do escândalo da Globo/FIFA.
O escândalo é tão grave que o argentino Jorge Alejandro Delhon foi encontrado morto em meio aos trilhos de um trem, na cidade de Lanús, perto de Buenos Aires, depois de ter sido delatado, no Tribunal Federal, no Brooklin, em New York, por Alejandro Buzarco, executivo envolvido em casos de pagamento de propinas.
Outro implicado, o executivo da Televisa, Adolfo Lagos, que estava sendo investigado por ter pago propinas a membros da cúpula da FIFA, foi fuzilado numa estrada, na cidade do México.
Lula disse que adoraria disputar as eleições com um candidato com o logotipo da Globo na testa.
Huck viu que o cenário não é para amador. Botou a viola no saco e foi tocar seu programa de TV.
Jair Bolsonaro continua plantando ódio e nada mais, achando que vai colher votos. Talvez ele ainda não saiba que o sentimento mais rejeitado pelo ser humano é o ódio. A plantação dele deve murchar e morrer.
Todo mundo quer amor. "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei", assim pregava Jesus Cristo.
Bolsonaro vive uma grande contradição. O Brasil quer evoluir, quer justiça cidadã, não vingança, retrocesso ao medievalismo "olho por olho, dente por dente".
A pregação dele contra o Estatuto do Desarmamento é uma aberração. Essa história de que todo brasileiro deve ter uma arma é coisa do lobby da indústria de armas que atua no Congresso Nacional.
Quem gosta disso são as empresas Rossi, Taurus, e as empresas dos Estados Unidos que têm interesse no mercado brasileiro, de 207 milhões de habitantes.
A Taurus e a Rossi ficaram muito contrariadas com a aprovação do Estatuto do Desarmamento e têm Bolsonaro como porta-voz.
Se revogassem o Estatuto do Desarmamento, imagine ir a um estádio assistir a uma partida de Vasco X Flamengo, no Maracanã, sabendo que a imensa maioria dos torcedores estaria armada.
Ou ir a um show como o Rock in Rio, na mesma situação. Numa festa de rodeio, em Barretos, com 100 mil pessoas, todo mundo armado.
Tomar uma cerveja num bar da esquina e ver, na TV, o time jogar pode ser risco fatal. Assim como viajar de ônibus, de metrô, trem, avião, barco, navio, a arma e o risco de morte passariam a ser presentes em todos os lugares.
O fato é que o Estatuto do Desarmamento tem poupado centenas de milhares de vidas. Afora isso, Bolsonaro não tem projeto para o Brasil.
Bravata não ganha eleição. Ainda mais com ideias paranoicas e sem sentido.
Apesar da performance de Bolsonaro, a candidatura dele não está garantida. Ele responde a processos que, caso sejam julgados antes das eleições, podem torná-lo "ficha suja" e ficar impedido de registrar a candidatura.
No Supremo Tribunal Federal, que parece estar se transformando numa grande lavanderia de políticos corruptos, pode ser que Geraldo Alkmin consiga ser lavado, enxaguado, quarado, passado, e apresentado ao eleitor com uma etiqueta do tribunal: " lavou, tá novo!".
Quem sabe até contar com a participação especial das bandas políticas do Ministério Público e da Polícia Federal.
A desenvoltura de Geraldo Alkmin como candidato, nos últimos dias, depois do arquivamento das pretensões de Dória e Huck, dá entender que o ministro Gilmar Mendes e, provavelmente outros agentes públicos que atuam na Lava-Jato, estão cuidando da lavagem do tucano.
Ele quer a presidência do PSDB como garantia da candidatura. Já soltou um texto político, por incrível que pareça, defendendo, em linhas gerais, o desenvolvimento sustentável com inclusão social. A mesma linha política, econômica e social, dos governos Lula e Dilma. Parece plágio.
Em todas as investigações sobre corrupção, e outros mal feitos no Brasil, salta aos olhos o fato de não haver políticos do PSDB presos, muito menos condenados.
É como se o PSDB tivesse um amplo eleitorado e uma organização de militantes no judiciário, no Ministério Público, na Polícia Federal, e em todos os órgãos de fiscalização e controle do país, agindo de forma articulada para proteger seus correligionários e perseguir adversários.
Os mais escandalosos exemplos são o "mensalão mineiro", até hoje sem julgamento, do ex-governador Eduardo Azeredo e outros, a proteção de Aécio Neves pelo STF, a vista grossa das autoridades judiciárias com José Serra e seus R$ 23 milhões em contas de bancos na Suíça, e a possível lavagem de Geraldo Alkmin no Supremo e em instâncias judiciárias em São Paulo.
Mas a articulação de Alkmin para que ele seja o candidato do centro direita, da continuidade do golpe, esbarra na banda do golpe que trabalha articulada diretamente com o mercado, e tenta empurrar o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para o palco.
Recentemente uma propaganda do PMDB veiculada na TV e no rádio retira de Temer e de Meirelles a responsabilidade pelo desastre da economia, das contas públicas, e transfere para os governos Lula e Dilma.
A propaganda mostrou que o repertório da dupla é essa música de uma nota só, como se eles não tivessem nada a ver com a situação do país. Ou seja, não têm nada a apresentar de bem feito. Só malfeitos.
A alternativa parlamentarista apontada pelo STF, objeto de desejo do PSDB, é outra carta na manga tramada para a perpetuação da "organização criminosa" no poder.
A decisão, se o regime de governo pode ou não ser mudado por Emenda Constitucional, está nas mãos do ministro tucano Alexandre de Moraes.
Ou seja, vai depender dos arranjos e do ambiente políticos, criados para as eleições, e do candidato a ser ungido pelo mercado e pelas grandes corporações transnacionais.
Ciro Gomes é um candidato bem preparado, mas erra muito na política, é ruim de articulação, não consegue despertar confiança nos possíveis parceiros políticos.
Discurso e boa vontade, apenas, são insuficientes para mobilização. Os inorgânicos, de perfil "olhem para mim, eu sou o tal ou a tal", tornam-se, ao final, pregadores solitários: Marina Silva, Fernando Gabeira, Cristovam Buarque, e outros, por exemplo, estão mais para dividir que somar.
Fazer política é agregar.
No cenário para as eleições de 2018, Lula desponta isolado com chance de ser eleito no primeiro turno, caso a perseguição a ele, por magistrados e procuradores do Ministério Público, não o impeçam de ser candidato.
Com 48% da preferência popular, segundo pesquisas de opinião, o indicador é interpretado por analistas como rápida mudança da percepção do eleitorado de que foi vítima de um golpe de estado para, em resumo, subtrair-lhe direitos, estabelecer um governo de negócios, promover a entrega do patrimônio público a empresas estrangeiras, e, sobretudo, estancar as investigações dos escândalos de corrupção.
Lula representa a retomada do país, da soberania, da legalidade, do desenvolvimento sustentável com inclusão social, que proporcionou à população, principalmente às camadas mais pobres o acesso a direitos, a melhores condições de vida, de renda e de trabalho.
A população percebeu e consegue distinguir quem é quem nessa história. Por isso, o alto índice de preferência popular.
O desespero dos golpistas não é apenas a necessidade de encontrar um candidato, mas também encontrar o que apresentar como proposta para o eleitorado.
O que vão dizer nos debates, nas propagandas eleitorais?
Que congelar os investimentos públicos por 20 anos é uma coisa boa para os brasileiros?
O desmantelamento da rede de inclusão social, da educação, da saúde, do combate à pobreza, da habitação, são melhorias para quem vive no apartheid social?
Que a subtração de direitos com as tais reformas da previdência, trabalhista, a terceirização, geram empregos, melhoram a renda, e a qualidade de vida dos trabalhadores?
Que a privatização da saúde, da educação, das empresas de energia, de petróleo, dos bancos públicos, é bom para o Brasil?
Que fazer do Brasil um puxadinho dos Estados Unidos, "que tudo que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil", como dizia o embaixador Roberto Campos?
Que a continuidade da quadrilha de corruptos que assaltou o poder e está desmontando as investigações, trocando o comando dos órgãos de fiscalização e controle, para assegurar a impunidade, é o que há de melhor para a sociedade?
- Laurez Cerqueira é autor, entre outros trabalhos, de Florestan Fernandes - vida e obra; Florestan Fernandes – um mestre radical; e O Outro Lado do Real
1 de Dezembro de 2017
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