Ministro da Saúde revoga portarias e autonomia da Sesai é retomada
- Opinión
Depois de forte pressão do movimento indígena país afora, o ministro da Saúde Ricardo Barros revogou as portarias 1907 e 2141 que retiravam a autonomia da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e acabavam com o princípio da descentralização da gestão orçamentária e financeira do órgão aos Distritos sanitários Especiais de Saúde Indígena (DSEI´s). As portarias 2206 e 2207, desta quarta-feira, 26, revogam as anteriores e tudo volta ao normal, com as portarias 475/11 e 33/13 revalidadas, ou seja, autonomia da Sesai e descentralização do Subsistema de Saúde Indígena voltam a vigorar. A decisão do ministro foi comunicada durante uma reunião entre ele e uma comissão de indígenas do II Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena, na tarde de hoje.
Cerca de 11 mil indígenas, representantes de quase 20 povos, realizam desde ontem, 25, ocupações às sedes dos 34 DSEI´s e bloqueiam uma dezena de rodovias federais e estaduais. Os dados são aproximados e levantados junto aos povos. A mobilização convocada pelas organizações indígenas do país reivindicava a revogação da Portaria nº 1907, publicada pelo ministro da Saúde Ricardo Barros na última semana. A medida revogaria a autonomia da Sesai e a descentralização da gestão orçamentária e financeira aos DSEI´s.
“Estamos dispostos a dormir no asfalto. A BR-101 está bloqueada e só sairemos depois que o Ministério da Saúde revogar a Portaria nº 1907”, diz Capitão Potiguara. Cerca de 1.500 indígenas Potiguara ocupam as duas pistas da rodovia desde a manhã desta quarta-feira, 26, entre João Pessoa (PB) e Natal (RN). O autor da portaria, o ministro Ricardo Barros, também é alvo de protestos: na porta de sua residência, em Londrina (PR), indígenas Kaingang realizam uma ocupação.
Ações diretas também acontecem em Manaus (AM), Vale do Javari (AM), Rondônia, Roraima, Pará, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Bahia, Mato Grosso do Sul, Paraná e Santa Catarina. Para amanhã, quinta-feira, dia 27, novos estados irão aderir à mobilização. Santa Catarina e Paraná são os estados com mais rodovias bloqueadas: RS-343, BR-285, BR-282, BR-227, RS-324 e SC-480. “Não vamos aceitar em hipótese nada que não seja a revogação da Portaria 1907”, disse em comunicado a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ArpinSul).
Na foto acima, povo Kaingang em bloqueio de rodovia entre Curitiba e Fox do Iguaçu. Foto: Ricardo de Campos Leinig
No entroncamento da BR-101 com o município de Joaquim Gomes (AL), indígenas Wassu Kocal e Xukuru-Kariri trancam as duas mãos da pista. Já no Sertão alagoense, trecho da BR-316 foi bloqueado pelos indígenas, com a prsença do povo Truká-Tupã, na altura dos municípios de Delmiro Gouveia, Paulo Afonso e Petrolândia, esta última cidade em Pernambuco. “Não acreditamos que esse novo modelo de gestão possa melhorar a nossa condição de saúde. Vai é piorar porque vai ter mais burocracia”, diz Hawaty Truká-Tupã.
A Portaria nº 1907 revogou a Portaria nº 475, de 17 de março de 2011. Essa última medida foi baixada logo após a criação da Sesai, garantindo autonomia ao órgão para descentralizar aos DSEI's a gestão orçamentária e financeira do Subsistema de Saúde. Em 2013 foi publicada a Portaria nº 33, delegando pela Sesai funções a essa descentralização da gestão envolvendo os DSEI´s. O ministro da Saúde, com a 1907, acaba com as portaria de 2011 e 2013 – construídas com a participação dos povos indígenas. “O ministro sequer consultou os povos indígenas violando assim a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”, analisa Roberto Liebgott, representante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Conselho Nacional de Saúde.
Na foto, indígenas protestam em Manaus (AM). Foto: Cimi Norte I
O Diário Oficial da União publicou ontem, dia 25, a Portaria nº 2141, também do ministro Barros. A medida, conforme noticiou o próprio Ministério na noite anterior, revalidaria a autonomia da Sesai e dos DSEI's. De quebra, e em tese, o princípio da descentralização do Subsistema de Saúde Indígena volta a ser respeitado. O ministro, na verdade, tentou pregar uma peça nos povos indígenas vendo as mobilizações contra a 1907 crescerem: na 2141, o Secretário-Executivo do Ministério da Saúde ficará com o encargo de autorizar ou não alguns pontos da gestão, caso da remoção de pessoas, por exemplo.
“Se o Ministério da Saúde afirma que que está revalidando a autonomia, por que não revoga a (Portaria nº) 1907? Queremos saber como fica a remoção dos pacientes, as ambulâncias, todo o atendimento. Teremos de pedir autorização pra salvar nossos parentes?”, questiona o cacique Ramon Tupinambá. Em Brasília, uma caminhada pela Esplanada dos Ministérios com destino ao Ministério da Saúde conseguiu para hoje, quarta-feira, dia 26, uma reunião entre o ministro e uma comissão de indígenas.
PGR/MPF: Portaria 1907 é ilegal e inconstitucional
“A Portaria nº 1.907, de 17 de outubro de 2016, deve ser imediatamente revogada, em razão de sua inconstitucionalidade e ilegalidade. Apura-se que a situação gerada pela ato configura grave retrocesso, que desconstrói conquistas históricas simbolizadas sobretudo nas Conferências Nacionais de Saúde Indígena, e situação, ao menos temporária, de negação de direitos fundamentais aos povos indígenas, mediante violação aos princípios constitucionais da igualdade, da eficiência, e da hierarquização e descentralização do SUS”, assim conclui uma nota técnica da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão da Procuradoria-Geral da República (PGR).
A nota foi enviada ao Ministério da Saúde. Conforme a nota técnica, a portaria viola o direito fundamental à saúde, ao princípio da eficiência e as recomendações do Tribunal de Contas da União. Também contraria a consulta livre, prévia e informada, além de fragilizar o processo de controle social. Para a 6ª Câmara, a portaria "retira a autonomia da Sesai e dos Dseis, prejudicando os avanços na gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena. Ao dispensar a consulta aos povos indígenas, o governo federal também violou à Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho".
Nesta terça (25), no mesmo dia em que indígenas realizaram uma marcha em Brasília, cerca de 150 indígenas de diversas aldeias Munduruku da região do Médio Tapajós manifestaram-se no município de Itaituba, no oeste do Pará, exigindo a revogação imediata da Portaria 1907/16 do Ministério da Saúde, que retira a autonomia da gestão orçamentária e financeira da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), responsável pelo subsistema que garante a atenção diferenciada à saúde das populações indígenas.
Com a portaria 1907/16, publicada pelo Ministério da Saúde sem qualquer consulta aos povos indígenas, os 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) dependeriam da decisão de Brasília para realizar gastos simples e cotidianos, como transporte e equipamentos.
No Tapajós, assim como em diversas outras regiões da Amazônia, há muitas áreas indígenas de difícil acesso, que exigem que se alie o transporte via carro e barco – algo que a Portaria 1907 tornaria extremamente difícil e burocrático.
Pela manhã, os indígenas ocuparam o DSEI Tapajós, responsável pelo atendimento da região, a sede local da Funai, a Câmara de Vereadores de Itaituba e, por fim, trancaram o porto que faz a ligação da rodovia Transamazônica entre Itaituba e Miritituba, interrompendo um fluxo bastante utilizado para o transporte de cargas. A balsa permanece trancada na noite desta terça, e os Munduruku afirmam que só liberarão o trajeto após a revogação da portaria.
Servidores do DSEI também manifestaram-se junto aos indígenas, por entenderem que suas condições de trabalho serão precarizadas com a nova medida. Segundo uma enfermeira que trabalha há doze anos com os povos indígenas no Tapajós e que prefere não se identificar por medo de represálias, a portaria 1907/16 prejudica também os próprios servidores da Sesai.
“Antes da Sesai, nós vivíamos precariamente, não tínhamos condição nenhuma de trabalho, víamos os índios morrerem na nossa frente sem poder fazer nada. Hoje, com a secretaria especial, não está do jeito que deveria, mas melhorou muito. Essa portaria, na verdade, ela extingue a Sesai e coloca o DSEI novamente ligado ao Ministério [da Saúde] – pior do que na época da Funasa. Então, nós vamos voltar a ver índio morrer, porque não vamos poder tirar eles de área para levar para o SUS, vamos ver índio passar fome, porque até uma saca de farinha terá que ser autorizada pelo ministro, e nós, servidores, podemos voltar a ficar meses sem receber”, critica a enfermeira.
A exemplo da forma como os movimentos sociais vem tratando a PEC 241, que pretende congelar investimentos sociais da União por 20 anos, os Munduruku referiram-se à Portaria 1907/16 como “Portaria da morte”, considerando as consequências desastrosas que a portaria pode ter para estes povos. Cartazes em português e Munduruku também afirmavam a luta “pela autonomia da Sesai” e “Salve a saúde indígena”.
“Vamos ficar aqui até derrubar a portaria 1907, que está tirando totalmente a autonomia dos DSEI e da Sesai. Somos contra isso, sabemos que o Ministério da Saúde não tem condições de trabalhar com a saúde dos povos indígenas do Brasil. Então, nós queremos a revogação e a volta da autonomia dos Distritos e melhorar daqui para a frente, e não voltar para trás”, afirma Sandro Waro Munduruku, presidente do Condisi do DSEI Tapajós.
No Alto Tapajós, no município de Jacareacanga, os Munduruku também estão mobilizados, em luta contra a Portaria 1907 e contra a PEC 241.
O Ministério da Saúde havia informado ontem (24), via nota, que a portaria 1907/16 seria revogada. Nesta terça, outra portaria foi publicada, estabelecendo a autonomia e a descentralização da Sesai, mas sem revogar a portaria anterior, ou seja, sem efeito prático. Os povos indígenas seguem mobilizados em todo o país até que a autonomia da Sesai e dos DSEIs seja efetivamente restabelecida.
Renato Santana, da Assessoria de Comunicação - Cimi
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