Dez ameaças do pacto secreto TiSA ao sistema financeiro mundial

21/10/2015
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Foto: Pete Souza image001
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Já não há dúvidas de que o acordo secreto TiSA, que envolve cerca de cinquenta países (incluindo vários paraísos fiscais) pretende restabelecer o cassino especulativo neoliberal que provocou a Grande Recessão global de 2007, cujos efeitos ainda são perceptíveis. Porém, ainda não se sabia nada sobre suas cláusulas e os benefícios que as grandes corporações pretendem obter, até que o Wikileaks revelou o conteúdo das atas “top secret” das negociações sobre esse pacto internacional: um verdadeiro perigo de que o sistema financeiro internacional e a possibilidade real de um novo colapso.

 

O Public Citizen Global Trade Watch (Observatório Cidadão sobre a Globalização do Comércio Internacional), com sede em Washington, analisou exaustivamente tanto o texto central do Trade in Services Agreement (Acordo sobre Comércio e Serviços: TiSA, por sua sigla em inglês) como a última versão do seu Anexo sobre Serviços Financeiros, e identificou as dez grandes ameaças que ele apresenta para o sistema de regulações financeiras que os governos e organismos internacionais levantaram para impedir outro crash, como o que afundou o Lehman Brothers e gerou a crise da qual o mundo ainda não saiu.

 

No dia 3 de junho passado, o site Público.es revelou grande parte dos anexos dessa verdadeira aliança neoliberal planetária: um acordo ainda mais antidemocrático que o transatlântico TTIP, que também continuará escondido da opinião pública durante os próximos cinco anos, até que já esteja em vigor e possa condicionar 68,2% do comércio mundial de serviços.

 

Agora, Público.es facilita aos seus leitores o conteúdo do Core Text do TiSA, ou seja, o corpo central desse pacto internacional secreto. A revelação será feita em colaboração com outros doze meios associados ao Wikileaks nesta exclusiva mundial: The Saturday Paper (Austrália), Libération (França), Mediapart (França), Süddeutsche Zeitung (Alemanha), Ethnos (Grécia), Kjarninn (Islândia), L'Espresso (Itália), La Jornada (México), Dagens Næringsliv (Noruega), Punto24 (Turquia), OWINFS (Estados Unidos) e Brecha (Uruguai).

 

As restrições do TiSA às regulações financeiras governamentais se estenderão a todos os produtos inovadores que acabaram gerando a crise global, como os “derivados” mais tóxicos, e afetarão a todas as operações bancárias, especulativas, compras de ações e títulos, o mercado de divisas, seguros de todos os tipos, cartões de crédito, processamento de dados financeiros, ratings e todos os serviços financeiros possíveis e imagináveis.

 

Mais que isso: os governos ficarão atados pelas cláusulas do TiSA com relação aos produtos financeiros que ainda não foram inventados! (artigo X.9 do anexo). E tampouco a respeito dos bancos estrangeiros que ainda não começaram a operar dentro de seus territórios.

 

Segundo a análise de Public Citizen, o TiSA expandirá as mesmas regras de liberalização financeira impostas por conselho dos grandes bancos antes da crise, obrigando as legislações estatais a se adequarem de novo ao agora desacreditado e rejeitado modelo de extrema desregulação que conduziu o mundo à recessão global. Os governos que assinarem o TiSA terão que modificar suas regras financeiras para cumprir as cláusulas secretas do acordo, ou se arriscam a ser submetidos a sanções comerciais indefinidas, autorizadas por um tribunal de arbitragem extrajudicial, até que volte a aceitar a desregulação.

 

Em definitivo, estas são as dez maiores ameaças que o TiSA representa, segundo o investigador Ben Beachy, do Public Citizen:

 

1. Restringir as medidas equitativas para limitar riscos financeiros

 

As regras de “total acesso ao mercado”, impostas pelo TiSA, entram em conflito com todas as regulações financeiras de sentido comum que se aplicam equitativamente a empresas nacionais e estrangeiras. Uma dessas regras expõe os governos a demandas das corporações em tribunais de arbitragem extrajudiciais, por qualquer motivo, como limitar os arriscadíssimos derivados que geraram a atual crise econômica global.

 

2. Permitir a exportação de dados sensíveis dos consumidores

 

Apesar da crescente preocupação dos governos pelo uso indevido de dados privados, além dos escândalos de espionagem político e industrial das comunicações por parte da NSA estadunidense, o TiSA permitirá às corporações financeiras exportar todos os dados pessoais dos consumidores através das fronteiras, podendo levá-los a paraísos fiscais para evadir as inspeções fiscais ou situá-los em países onde não se respeita a confidencialidade nem a proteção de dados.

 

Essas cláusulas do TiSA contradizem e violam as atuais leis de proteção de dados em vigor na União Europeia e em muitos outros países que assinaram o acordo.

 

3. Obrigar os governos a prever todas as suas futuras regulações

 

O TiSA proibirá também as regulamentações equitativas, se elas “modificam inadvertidamente as condições de concorrência”, em detrimento dos interesses das grandes multinacionais, e pretende impor aos governos a obrigação, quase inviável, de se antecipar a todas as possíveis regulações financeiras – incluindo as que regulariam serviços ou produtos ainda não inventados – que poderiam afetar de alguma forma o futuro das corporações estrangeiras.

 

4. Proibir indefinidamente toda nova regulação financeira

 

Os governos que assinarem o TiSA se comprometem a não aplicar novas medidas de política financeira que limitem de alguma forma a desregulação absoluta estabelecida pelo TiSA. Todas as exceções contempladas no acordo afetam exclusivamente o que já está em vigor, de forma que se criaria um efeito chamado de “ratchet”. Portanto, já não se pode mais reverter a liberalização dos produtos financeiros. Será imposta, assim, uma escalada de políticas neoliberais em todos os aspectos dos mercados financeiros.

 

5. Proibir controles de capital usados para mitigar crises

 

Após o crash de 2008, surgiu um consenso internacional entre os economistas, de que para evitar as crises são necessários controles sobre o capital – regulações para limitar os fluxos massivos de dinheiro especulativo –, que impedindo a especulação desenfreada. Até o FMI, que pressionava governos para que eliminassem os controles de capital nos Anos 90, reconheceu em 2012 que a Recessão Global havia demonstrado que eles são necessários para evitar as crises financeiras mundiais.

 

6. Exigir a aceitação de produtos financeiros ainda não inventados

 

Os países que aderiram ao TiSA só poderão limitar a criação de novos e complexos produtos financeiros – como os bonos que geraram a crise subprime de 2008, nos Estados Unidos – se demonstrarem previamente o perigo que eles representam, algo praticamente impossível. Todas essas invenções financeiras, desenvolvidas para maximizar e acelerar os benefícios especulativos, só demonstram ser tóxicos quando já estão operando sem controle e gerando graves perdas públicas e privadas.

 

7. Permitir todas as regras financeiras vigentes em outros países

 

O TiSA pretende fazer com que as companhias financeiras internacionais estejam isentas de cumprir as normativas dos países aos que entram. Bastaria que suas atividades estejam permitidas em seu país de origem (por exemplo, os Estados Unidos) – um processo conhecido como “recognition”. Dessa forma, os governos renunciariam a regular as finanças e aceitariam exportar a responsabilidade de garantir a estabilidade financeira dos seus próprios mercados. Além disso, o TiSA tampouco prevê uma harmonização dos padrões de regulação financeira dos diferentes países, que poderiam ser, portanto, obrigados a aceitar práticas financeiras vigentes em paraísos fiscais que também participam do acordo.

 

8. Permitir que as empresas paralisem a aplicação de regulações

 

Uma das cláusulas propostas no Anexo de Serviços Financeiros do TiSA obriga os governos a publicar de antemão todos os projetos das normativas ou regulamentos, e a aceitar um debate legal prévio à sua entrada em vigor, para que as grandes corporações multinacionais possam impor seus poderosos lobbies e paralisar a aplicação dessas medidas até que estejam preparadas para serem burladas – ou que existam novos métodos mais eficazes para fazê-lo.

 

9. Proibir preferências públicas nacionais para os contribuintes

 

Os governos que aderiram ao TiSA não poderão estabelecer preferências a instituições bancárias ou companhias de seus próprios países, nem mesmo para garantir que os fundos de pensões ou de estabilidade dos contribuintes e assegurar sua disponibilidade e rentabilidade. O TiSA obriga a aceitar a concorrência dos bancos de outros países, a permitir que os regulamentos de capitalização sejam muito mais frouxos e a careçam de salvaguardas vigentes no Estado afetado.

 

10. Deixar os governos sem defesa legal para suas regulações

 

A linguagem utilizada pelo TiSA com relação às “medidas prudente” adotadas pelos governos para proteger a estabilidade financeira dos seus mercados reproduz quase palavra por palavra a que foi usada no acordo GATS (sigla em inglês do Acordo Geral sobre Comércio de Serviços, criado em 1995), apesar de vários juristas denunciarem que esta deixa as administrações públicas sem ferramentas legais para defender suas regulações. Além disso, o TiSA também inclui uma cláusula que impedirá os países de tomar medidas que contradigam o conteúdo desse acordo secreto, deixando os governos inertes diante dos desafios legais das multinacionais.

 

Em suma, se trata de fazer com que os Estados fiquem desarmados e impotentes diante do poder inquestionável das companhias financeiras internacionais… apesar do tremendo perigo de que isso provoque uma crise global ainda pior que a que temos agora.

 

Tradução: Victor Farinelli

 

20/10/2015

http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Dez-ameacas-do-pacto-secreto-TiSA-ao-sistema-financeiro-mundial%0A/6/34781

https://www.alainet.org/es/node/173154?language=en
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