"O PT precisa construir uma nova utopia"
- Opinión
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu ontem (22) uma mudança radical no PT, de forma a livrá-lo dos vícios inerentes a partidos que chegam no poder, reconstruir sua utopia e aproximá-lo da juventude. As afirmações foram feitas no fechamento da conferência “Novos desafios da democracia”, pronunciada pelo ex-presidente da Espanha, Felipe Gonzalez, numa conferência promovida pelo Instituto Lula e pelas fundações Perseu Abramo e Friedrich Ebert.
“Eu, sinceramente, não sei se o defeito é nosso ou do governo, mas o PT perdeu sua utopia”, reclamou Lula. E, ao constatar as mudanças que aconteceram no partido desde a sua fundação – em especial as ocorridas depois que chegou ao poder, em 2003 –, defendeu uma “revolução” interna, destinada a renovar o partido e seus sonhos. “Fico pensando se não está na hora de fazer uma revolução nesse partido e ter lideranças mais jovens, mais ousadas e com mais coragem”.
“Eu lembro como a gente acreditava no sonho”, disse o ex-presidente. “(Hoje) a gente só pensa em cargo, a gente só pensa em emprego, a gente só pensa em ser eleito, ninguém mais trabalha de graça. Antes a gente fazia qualquer coisa na rua, colocava mais de três mil pessoas vestidas de camisetas, cada um carregando a bandeira do partido. Hoje, se os candidatos não liberarem as pessoas dos gabinetes deles, ninguém mais vai”, afirmou.
“Queremos salvar nossa pele, nossos cargos, ou queremos salvar nosso projeto?”, perguntou o ex-presidente.
Lula fez esse diagnóstico do PT pós-2003 após defender que a esquerda mundial, e em particular a esquerda brasileira, faça um exercício de reflexão sobre o futuro. “Durante muito tempo nós (a esquerda brasileira) nos fechamos em nossa verdade e assistimos a esquerda europeia ir definhando, definhando, perdendo cada vez mais o discurso, e até setores de esquerda desaparecerem.” Hoje, caberia uma reflexão sobre o que se espera para o futuro. “Nós precisamos repensar a esquerda, o socialismo, e repensar até o que fazer quando chegamos ao governo. Enquanto você é oposição, é muito fácil ser democrata, porque você só pensa, só acha, só acredita. Quando você chega no governo, não pode achar, acreditar ou achar, você tem que fazer. E fazer significa tomar posições, escolher políticas, acolher determinado setor e jogar outro fora, que não vai ficar contente com suas políticas”.
O PT foi feito de sonhos
O Partido dos Trabalhadores nasceu de sonhos, lembrou o ex-presidente. “Todo mundo sabe a utopia que era criar o PT, o sonho que era criar o PT”, disse Lula. “Nós criamos o mais importante partido de esquerda da América Latina”, afirmou, constando, todavia, que o sonho mudou ao longo do tempo. “Acontece que a gente cria um partido político, o partido cresce, ganha prefeituras e governos de estados, elege vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores, e quando acontece isso nós entramos na roda gigante da política. A gente vai se adequando à política”, disse o ex-presidente.
Ainda assim, Lula reconheceu as qualidades do PT e o qualificou como “o mais glorioso exemplo de convivência democrática na diversidade”. “O PT juntou tudo (as forças políticas de esquerda) que poderia imaginar, tinha de tudo um pouco, e nós estabelecemos uma convivência democrática e um jeito de fazer política que nos permitiu chegar ao poder com 20 anos de existência”.
O PT, em 1980, era uma novidade que correspondia ao Podemos de agora, afirmou o presidente. E hoje, residem nos movimentos de jovens a esperança de renovação das esquerdas não apenas no Brasil, mas no mundo. “O convite à participação na política é algo que temos que levar à obsessão”, disse. E, dessa participação, “que surja na Espanha um partido melhor que o PSOE (partido de Felipe Gonzalez), que surja no Brasil um partido melhor que o PT, que surja na França um partido melhor que o Partido Socialista, na Inglaterra um partido melhor que o Partido Trabalhista, mas que surjam. Porque quando se nega a política é muito pior”.
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