Boicotes não acabam com trabalho semiescravo
- Opinión

Nos últimos anos a mídia tem denunciado inúmeros casos de empresas multinacionais que violam direitos humanos e trabalhistas fora de seus países de origem, em geral, em suas fábricas, minas ou plantações em países em desenvolvimento. Estas empresas aproveitam-se de leis trabalhistas menos severas, forte corrupção e fiscalização ineficiente para reduzir custos de produção em detrimento, muitas vezes, da segurança, saúde e bem-estar de seus empregados. Das minas africanas às sweatshops asiáticas, o desrespeito aos direitos humanos e trabalhistas destes indivíduos têm gerado intenso debate sobre como melhorar as condições de trabalho à nível internacional.
O segundo texto da série “Mão de obra e comércio internacional”, aborda as sweatshops asiáticas e alguns mitos que cercam principalmente os setores têxtil e de calçados. Este artigo analisará ainda como as campanhas de boicote promovidas pela sociedade civil têm surtido poucos efeitos e quais são as formas alternativas de garantir políticas trabalhistas eficazes.
O mito das sweatshops – nem as marcas de luxo estão livres de trabalho semiescravo
O termo em inglês sweatshop foi criado para se referir a fábricas com condições desumanas de trabalho. Em geral são lugares onde a jornada de trabalho é superior ao permitido pela lei, com salários abaixo do piso, onde não há respeito a normas de segurança, onde pode existir maus tratos por parte dos empregadores e desrespeito a diversas leis internacionais de direitos humanos e trabalhistas. As multinacionais que adotam estas práticas violam leis internas e acordos internacionais de direitos dos trabalhadores com intuito de reduzir custos de produção e, consequentemente, aumentar suas margens de lucro. Dessa forma, um dos maiores mitos sobre as sweatshops é o de que apenas marcas populares e baratas se utilizam deste artifício para que o produto chegue ao consumidor final com um preço baixo.
Apesar de ser correto afirmar que marcas de roupas como a Primark, Zara, H & M e Gap conseguem vender seus produtos a preços baixos por violarem leis trabalhistas no exterior utilizando mão de obra semiescrava na produção, não são apenas marcas “populares” que usam sweatshops. Nos últimos anos, marcas de luxo como Armani, Gucci, Prada, Dolce and Gabanna, Burberry, também têm sido acusadas de utilizar este tipo de mão de obra na produção de suas peças.
Tais acusações a marcas famosas por artigos de luxo e preços elevados, desmistifica a ideia de que apenas lojas populares fazem uso de mão de obra barata e impõem condições de trabalho insalubres aos seus empregados em países em desenvolvimento.
Os argumentos pró-sweatshops
Existe (ainda que mais enfraquecido atualmente) um movimento favorável às sweatshops. Entre seus argumentos, o mais utilizado é o de que trabalhar nestas fábricas, por piores que sejam as condições, é melhor do que não ter emprego nenhum. Este argumento é corroborado por testemunhos de milhares de trabalhadores ao redor do mundo, que garantem preferir um trabalho (considerado nos moldes atuais) semiescravo ao desemprego.
Parece mentira, mas não é. Deve-se lembrar que baixo custo da mão de obra é um dos motivos pelos quais multinacionais instalam suas fábricas nesses países. Dessa forma, as condições de trabalho para a maioria da população (não somente para quem trabalha em sweatshops) são, em geral, péssimas e os salários baixíssimos. Portanto, as condições vigentes nestas fábricas não são uma exceção, ao contrário, são quase a regra.
Não é surpreendente, assim, que apareçam na mídia relatos de trabalhadores em defesa das multinacionais onde trabalham. Um artigo do jornal The New York Times mostra o ponto de vista dos trabalhadores asiáticos sobre as sweatshops, usando-o para defender a tese de que estas “são um claro sinal da revolução industrial que está começando a remodelar a Ásia”.
Trabalhador de uma sweatshop. Imagem: Zoriah / Creative Commons / Flickr
O texto parece um trabalho encomendado por alguma multinacional, contudo, traz pontos válidos sobre as condições de trabalho de uma forma geral em países em desenvolvimento. Durante o tempo em que morei na Tanzânia, ouvi muitos testemunhos similares aos do artigo acima. Ouvi de mulheres que trabalhavam em uma mina ganhando o equivalente a R$1 por dia e trabalhando 7 dias por semana ao ar livre (sob sol ou chuva), como aquele emprego era o que garantia que a família não passasse fome.
É difícil ouvir tais relatos e continuar demonizando as sweatshops. Contudo, é preciso ler nas entrelinhas o real significado da frase “é melhor isso do que nada”. Essa opinião dos trabalhadores não é fruto de sua satisfação com as condições de trabalho, mas sim o resultado da ausência de melhores alternativas de emprego. O debate, neste sentido, não deveria estar focado apenas nas sweatshops, mas sim em como melhorar as condições de trabalho como um todo em países em desenvolvimento.
Por que boicotes não são eficazes no longo prazo?
Grandes organizações não governamentais têm buscado promover a ideia de boicote a empresas denunciadas por infringir direitos trabalhistas e violar direitos humanos. Denúncias sobre quais multinacionais reduzem custos de produção devido às condições de trabalho insalubres são importantes para garantir transparência e informar a população sobre a origem dos produtos nas prateleiras do supermercado, das lojas de roupas, calçados e brinquedos, ou até mesmo de serviços prestados.
A ideia de promover boicotes às marcas que usam sweatshops segue a seguinte lógica: as campanhas de boicote têm por objetivo reduzir lucros de uma dada marca como forma de pressão para que esta empresa melhore as condições de trabalho em suas fábricas. A ideia é mostrar para a marca que aumentar sua margem de lucros em detrimento dos direitos dos trabalhadores terá o efeito contrário, pois ela perderá consumidores. Apesar de fazer sentido na teoria, na prática essa lógica não possui resultados positivos a longo prazo.
Para que campanhas de boicotes surtam efeito, ou seja, para que empresas sintam-se de fato pressionadas, é necessário grande publicidade e mobilização e manutencao desse boicote por anos e anos. No curto prazo, portanto, o boicote pode ter um resultado positivo e as marcas podem prometer mudanças em suas fábricas. Contudo, uma vez que haja menos exposição na mídia e menos atenção por parte do grande público, a marca pode voltar a violar os direitos de seus trabalhadores.
Dessa forma, campanhas de boicotes ou mesmo boicotes individuais não mudam o panorama no longo prazo, sendo apenas medidas de caráter imediatista e paliativo. Eles também podem acabar agravando as condições de trabalho nas fábricas, uma vez que as empresas podem optar por reduzir salários ou demitirem trabalhadores como forma de compensar a redução do lucro oriunda dos boicotes. Ainda que funcionem em alguns, como há o exemplo da Nike, os boicotes são direcionados para uma marca em si e não para a situação de um país como um todo.
Existe uma necessidade enorme de pressão da comunidade internacional. Contudo, essa pressão deve ser direcionada aos governos nacionais para que estes aprovem leis rígidas de trabalho e estabeleçam instrumentos de monitoramento do cumprimento destas leis. Boicote a uma ou outra multinacional levará a mudanças pontuais. Leis rígidas que protejam os trabalhadores, por sua vez, respaldam todos os empregados, além de evitar que eles busquem alternativas onde seus direitos não são respeitados.
O próximo texto da série abordará a indústria extrativa e concluirá o argumento a favor da pressão por leis de trabalho rígidas.
- Vivian Alt é Mestre em Políticas Sociais para Países em Desenvolvimento pela London School of Economics. É especialista em políticas de inclusão social com foco em África e Ásia. / Holds a Master degree in Social Policy and Development from the London School of Economics. Vivian is a specialist in social inclusion policies with a focus in Africa and Asia.
11 de junho de 2015
http://politike.cartacapital.com.br/boicotes-nao-acabam-com-trabalho-semiescravo/
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