Reforma política, sim. Mas qual?
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Pessoas com as mais distintas orientações ideológicas estão enfatizando a importância da reforma política. Contudo, existem muitas possibilidades de reformas políticas, cujas pautas atendem aos mais diversos interesses.
No Congresso, Eduardo Cunha (PMDB/RJ) e o deputado Cândido Vaccarezza (PT/SP) estão entre os defensores de uma PEC para uma reforma política que anda no sentido oposto à dos manifestantes que saíram às ruas desde 2013.
A começar, ela legalizaria o financiamento privado de campanha. Empresas não doam por identidade ideológica. Inclusive, na maioria das vezes, elas doam para todos os candidatos competitivos simultaneamente (partidos de coligações rivais), certificando-se de que, independentemente dos resultados das eleições, receberão de volta valores exponencialmente mais altos.
Além disso, a PEC sugere que as eleições municipais, governamentais e federais deveriam coincidir a partir de 2018 – com eleições únicas para todos os candidatos. De fato, a PEC Vaccarezza não é o tipo de reforma política que aproxima os cidadãos dos processos decisórios, sequer uma que coíbe a corrupção, tão impregnada no sistema eleitoral.
Além disso, há uma movimentação no PMDB para passar uma proposta de reforma política que também prevê financiamento privado de campanha; porém, nesse caso, as empresas seriam restritas a doar para um único partido – o que, cá para nós, não ajuda tanto assim.
Um excelente ponto de partida para uma reforma política é o que foi apresentado em conjunto por mais de 100 organizações da sociedade civil, incluindo a OAB (veja AQUI). A proposta prevê apenas o financiamento público e de pessoa física. Doações de pessoas físicas estariam limitadas a aproximadamente 700 reais e ainda haveria limite máximo do que poderia ser arrecadado por partido.
É claro que sempre existirão mecanismos de corrupção, mas, certamente, essa proposta impõe restrições expressivas para sua manifestação.
Outra pauta proposta é a eleição dos cargos legislativos em dois turnos e com paridade de gêneros. Ou seja, primeiro os eleitores votam nos partidos, de acordo com a carga ideológica de cada um. Em outro momento, os eleitores verão nas urnas o nome dos candidatos do partido que votou: com nomes alternados de mulheres e homens para escolherem os candidatos que mais o representam. Além da diversidade de gênero, isso estimula os partidos a apresentarem propostas de governo (compromisso ignorado por muitos partidos nessa última eleição).
Não fica para trás a pauta de fortalecimento dos mecanismos da democracia direta. Isso pode se fazer de diversas formas. Instrumentos vão desde a legalização das assinaturas de petições online (hoje, apenas assinaturas físicas possuem validade jurídica) até a realização de plebiscitos. É imperativo que esses instrumentos sejam postos em prática, para permitir a aproximação dos cidadãos que, claramente, não se veem representados pelo sistema político atual.
Para levar essa proposta adiante, são necessárias 1,5 milhão de assinaturas físicas. Outras pautas recorrentes, que não foram incorporadas pela proposta descrita acima, são:
– Projetos de iniciativas populares com assinaturas online: como descrito acima, estas dariam legalidade às assinaturas que hoje não são reconhecidas, aproximando muito os cidadãos da política. Para isso, o Estado deve estimular o acesso a tecnologias de informação nas mais diversas regiões do Brasil, pois, caso contrário, corre o risco de se tornar um instrumento elitista.
– Revogação de candidaturas: a ideia é que os mandatos possam ser interrompidos pela sociedade civil após determinado período. O Marcelo Freixo inseriu essa proposta na Alerj, mas tudo indica que não vai passar. Vejam que, ao contrário do impeachment, que ocorre no Legislativo (e que estimula a “compra” de vereadores, deputados e senadores pelo partido que ocupa o Executivo), a escolha é da sociedade civil. Críticos a essa pauta diriam que é inconstitucional, pois fere a soberania e legitimidade de um processo eleitoral democrático, inclusive dando espaço para instabilidade jurídica e para possíveis golpes de Estado.
– Voto distrital, proporcional ou voto distrital misto: ficam aqui breves argumentos sobre cada um deles. O voto distrital tem como pressuposto a proximidade entre o representante e sua base eleitoral, circunscritos a uma base geográfica, tornando-os mais conectados com a população e com as necessidades locais. Por outro lado, o proporcional tende a ser melhor para a representação de grandes temas, como as reformas estruturantes. Também existem muitos sistemas no meio, como é o caso do distrital misto.
– Voto facultativo ou obrigatório: embora a diferença entre eles seja óbvia, é importante destacar que o fato de não votar, em uma democracia mais participativa, não significa ostracismo. Pelo contrário, um indivíduo pode se abstiver do voto e ser extremamente politizado e ativo por meio de outros instrumentos de participação política.
– Fim da reeleição: críticos à reeleição diriam que esta estimula o uso indevido da máquina pública. Outros diriam que esta é importante para dar continuidade a projetos de médio-longo prazo. O fim da reeleição talvez seja a pauta talvez mais próxima de se efetivar: foi pauta recorrente nas campanhas eleitorais de 2014, além de, aparentemente, contar com apoio de parte do PMDB.
– Tempo de televisão: a exposição na televisão leva a coligações muitas vezes espúrias. De um modo bem simplista, podemos dizer que troca-se tempo de televisão por favores, dinheiro e cargos. Além disso, desfavorece muito a competitividade de partidos pequenos. Logo, repensar a distribuição do horário eleitoral gratuito é crucial para processos de governança mais transparentes e para coligações partidárias mais coerentes.
Imaginem quantas possibilidades de reforma política existem, combinando essas pautas e todas as outras que não foram mencionadas nesse texto. Isso é apenas o início de um debate crucial para o estabelecimento de processos de governança cada vez mais transparentes, participativos e plurais.
- Paulo Savaget é professor e consultor em temas relacionados a sustentabilidade e inovação. É mestre em Política Científica e Tecnológica pelo SPRU (Universidade de Sussex), mestre em Políticas Públicas pela UFRJ e economista pela UFMG
Fonte: http://brasildebate.com.br/reforma-politica-sim-mas-qual/