Cansados de ataques, indígenas enfrentam militares e as FARC
17/07/2012
- Opinión
Povo da etnia Nasa, do Vale do Cauca, afastou exército e guerrilheiros da região
Dezenas de indígenas da etnia Nasa enfrentaram nessa terça-feira (17) soldados da base próxima a Toribío, cidade do departamento (estado) de Cauca. A mobilização começou nas primeiras horas dessa terça, depois que expirou um ultimato dos indígenas para que os militares deixem a base.
O prazo, que acabou na meia-noite de segunda-feira (16), faz parte de uma campanha dos índios para assumir o controle do território de sua etnia, que tem quase 100 mil membros, distribuídos em diversas localidades. Tudo começou quando os habitantes de Toribío se reuniram em uma noite de vigília, no dia 9 de junho, para recordar a bomba que destruiu o posto policial do povoado na mesma data do ano anterior, matando quatro pessoas e destruindo dezenas de casas ao redor.
Toribio é um vilarejo escondido entre as montanhas do Vale do Cauca, no sudoeste colombiano, onde prevalece a população indígena, sobretudo da tribo dos Nasa, a segunda mais numerosa do país e também a melhor organizada.
Durante a vigília, os indígenas se reuniram em volta de 60 pedras brancas, que representavam seus companheiros mortos na guerra entre as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o exército nos últimos anos, da qual sua região não escapou de ser alvo. O Vale do Cauca tem sido cenário de intensos confrontos armados há mais de 40 anos, mas também é a zona mais bem organizada socialmente, com um movimento forte e capacidade de mobilização para enfrentar o problema.
A semana anterior não havia sido nada fácil para os habitantes de Toribío, apesar de a vida nunca ser fácil no Cauca. As FARC realizaram mais de 30 ataques nas imediações. Em Jambaló, a guerrilha destruiu a torre de energia e comunicação, e a polícia foi atacada constantemente durante toda a semana. Em Plateado, queimaram um helicóptero civil. Em Argelia, uma moto explodiu dentro de um posto policial e causou a morte de uma criança.
Mas os maiores estragos aconteceram em Toribío. Por quatro dias seguidos, dezenas de guerrilheiros atacaram as forças públicas, destruindo 40 casas e o hospital indígena, que foi alvo de um cilindro-bomba das FARC, que causou feridos graves e deixou aproximadamente 800 pessoas desabrigadas.
Segundo a organização Nuevo Arcoíris, a região do Vale do Cauca foi palco de 159 ações armadas este ano, que, segundo os registros dos indígenas da zona, resultaram na morte de 18 pessoas.
O Cauca é um corredor estratégico para o transporte de armas que entram no país através do porto de Buena Ventura, e precisam cruzar as montanhas para chegar às regiões de Tolima e Valle. No caso das drogas, o caminho é o mesmo, mas em sentido contrário, buscando no porto uma saída em direção à América Central pelo Oceano Pacífico.
Outro fator preponderante é que a Cordilheira dos Andes se divide em três sistemas montanhosos menores bem naquela zona, dando origem a um setor estratégico que conecta pelo menos sete departamentos (províncias colombianas): Putumayo, Nariño, Cauca, Valle, Caquetá, Tolima e Huila. Historicamente, os corredores localizados nesse sistema montanhoso, bem como suas conexões marítimas, têm sido dominados pelas FARC, mas os bandos narcotraficantes e os grupos paramilitares têm competido ferozmente por esse domínio nas últimas décadas.
Em 2008, os Nasa decidiram obstruir a Rodovia Panamericana para exigir a restituição de suas terras, mas esta semana decidiram, em meio aos combates, declarar emergência humanitária permanente na aldeia, alegando que já não suportam ser parte de uma guerra que não lhes pertence.
Primeiro, destruíram as trincheiras da polícia que ficavam no meio do povoado: “eles não estão aqui para nos proteger, e ainda nos colocam em risco, nos transformam em alvos militares”, contam. Em seguida, deixaram o local protegido por sua guarda indígena (que usa somente bastões ancestrais, nenhuma arma), e se dirigiram às montanhas, para tentar expulsar a guerrilha.
Diante dessa situação, o presidente Juan Manuel Santos decidiu viajar a Toribío para acalmar os ânimos da população. Metade do seu ministério se trasladou às montanhas do Cauca, junto com equipes jornalísticas do país inteiro, transformando o pequeno povoado no cenário de um conselho de ministros improvisado.
Porém, o ato não acalmou os indígenas. Pelo contrário, aumentou a indignação. Enquanto o presidente contava que a situação estava sob controle, que não retirará a polícia dos vilarejos indígenas e prometia um investimento de aproximadamente US$ 280 milhões na região através do denominado Plano Cauca, o porta-voz dos indígenas, Feliciano Valencia, anunciava que as autoridades da comunidade, reunidas no parque municipal de Toribío, decidiram não falar como presidente, porque este não havia sido convocado por eles.
Pouco depois do anúncio, uma bomba explodiu em um bunker policial, os helicópteros do exército sobrevoavam Toribío e suas montanhas e os disparos das metralhadoras da guerrilha, contra as aeronaves e a escolta presidencial, ecoavam por todo o vale.
O combate continuou com o Frente Sexto das FARC montando duas barreiras no trecho da Rodovia Panamericana entre Toribio e Santander de Quillichao, no pé de um dos morros do setor, o que obrigou todos os carros a pararem, incluindo os da imprensa que seguia o presidente e que não tinha outra via de escape. “Contem ao presidente que vocês tiveram que passar por este obstáculo”, diziam os guerrilheiros aos jornalistas.
A barreira foi desmontada pela guarda indígena, que apreendeu seis foguetes do arsenal da guerrilha. Depois, partiram rumo ao Morro Berlin para desmontar o posto de vigilância do exército, tapando com terra as trincheiras e desmontando as guaritas dos soldados, que não deixaram o local, mas tampouco resistiram à ação.
Segundo a analista Claudia López: “as medidas da resistência civil indígena demonstraram ser muito mais efetivas que as da resistência armada para proteger o Vale do Cauca”.
Super Tucano
No final da tarde, chegou uma nova má noticia para o Executivo colombiano – que acelerava sua volta a Bogotá. As FARC convidaram alguns jornalistas que estavam em Toribío para visitar os restos de um Super Tucano do exército colombiano que teria sido abatido por eles. A noticia da queda do avião (sem estabelecer a causa) foi confirmada na manhã seguinte: a Cruz Vermelha chegou ao local para recolher os corpos e os jornalistas puderam registrar imagens do que sobrou do avião de fabricação brasileira.
Várias fontes consultadas pelo Opera Mundi asseguraram que as FARC possuem mísseis antiaéreos, provenientes de países centro-americanos, e que nos últimos meses estiveram dedicados a aperfeiçoar o uso dos mesmos. Caso isso seja confirmado, o conflito colombiano passaria a uma nova etapa, já que nos últimos anos houve uma superioridade bélica do exército colombiano baseada fundamentalmente em seu poder aéreo. Em 2006, a Colômbia comprou 25 Super Tucanos da Embraer, que tiveram papel preponderante nas operações que terminaram com as mortes de três dos mais importantes líderes das FARC: Alfonso Cano, Raúl Reyes e Mono Jojoy.
Caso as FARC tenham realmente alcançado a capacidade de derrubar aviões e helicópteros – o exército colombiano assegura que a guerrilha não possui essa capacidade, e que a queda do Super Tucano foi causada por problemas técnicos – o novo cenário seria similar ao da segunda etapa da invasão soviética ao Afeganistão, nos anos 80, ou ao da fase final do conflito em El Salvador, que também se intensificou quando a FMLN (Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional) derrubou um avião do exército com um míssil fabricado pelos sandinistas.
O panorama da zona continua sendo modificado pelas operações da guarda indígena, que pretende expulsar todos os atores armados de seu território: "a declaração das Nações Unidas estabelece que não se pode militarizar os territórios indígenas, a menos que se faça isso com o consentimento da comunidade, ou que a comunidade solicite a intervenção, por motivos de manutenção da ordem pública, e esse consentimento nunca foi dado", manifestou Luis Fernando Arias da ONIC (Organização Nacional Indígena da Colômbia), sobre as criticas do governo às ações da comunidade.
(Tradução de Victor Farinelli)
- Simone Bruno es periodista.
Fuente: Opera Mundi
https://www.alainet.org/es/node/159673
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