"Não queremos nos contentar com a 'comissão possível'. Vamos disputar este espaço"
23/11/2011
- Opinión
Dias depois de a Presidente Dilma sancionar a lei que cria a Comissão Nacional da verdade, foi inaugurado no Rio de Janeiro o Ciclo de Debates “Direitos Humanos, Justiça e Memória”, promovido pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso Brasil), em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Em uma série de debates programados até 2012, que passarão também por São Paulo, Porto Alegre e Brasília, o ciclo deve ser um espaço para ampliar o debate público sobre este tema no país, que está longe de ser consensual até mesmo dentro da esquerda.
Segundo Iara Xavier Pereira, integrante da coordenação do Comitê pela Verdade, Memória e Justiça do Distrito Federal e da Comissão Nacional de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, que participou na última segunda-feira (21) do debate na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), há uma divisão até mesmo entre os familiares das vítimas da ditadura. Após não conseguir aprovar emendas apresentadas ao Congresso Nacional, um grupo decidiu apenas acompanhar os trabalhos, sem participar diretamente da Comissão da Verdade. Outra parte dos familiares, militantes e ex-presos políticos ainda avalia que deve ser vencida a etapa da indicação dos integrantes da comissão oficial.
“Não queremos nos contentar com a 'comissão possível'. Que não nos empurrem uma comissão de meia-verdade, como a lei que nos impôs uma anistia parcial”, disse. “Entendemos que a Comissão não tem a finalidade de punir; quem pune é o judiciário. Mas todas as provas têm que apontar para que a gente possa penalizar. Esse é o grande link. Se não conseguirmos fazer a sociedade entender que aquilo que aconteceu no passado está refletindo hoje, no presente, não vamos conseguir sensibilizá-la para isso. A impunidade e a continuação das torturas nas delegacias vêm do fato de que aqueles torturadores e assassinos ficaram impunes”, explica Iara Xavier.
Por outro lado, ela continua acreditando que ainda vale disputar a Comissão, em função da possibilidade de avançar um pouco para se chegar às circunstâncias das mortes praticadas pela ditadura. “Mesmo com essa forma em que saiu a lei, é um espaço do qual não devemos abrir mão, [porque] tem dois pontos fundamentais: 1) identificar a autoria de graves crimes de violação de direitos humanos; e 2) o poder de convocar [pessoas]”, avalia.
A ex-ministra de Políticas para as Mulheres do Governo Lula e representante da Fundação Ford no Brasil, Nilcea Freire, também vê um cenário de disputas, com grandes resistências, mesmo contra a comissão com limitações prevista na lei sancionada pela presidenta Dilma. “Para que possamos ter uma resultante positiva nessa disputa, precisamos ter claro as alianças que devemos fazer. Os militares foram derrotados – ou não derrotados – nesse país, mas eles continuam aí. São apenas uma parte do setor conservador da sociedade, que normalmente não se manifesta”, analisa.
Para Nilcea, a criação da Comissão Nacional da Verdade foi um “grande passo”, apesar das limitações. “Talvez ela não seja tudo aquilo que nós gostaríamos, mas terá um efeito simbólico enorme: dizer que o Brasil finalmente começa a desmistificar a ideia de que nesse país não se tem memória, de que a gente esquece tudo, passa-se uma borracha e os fatos podem voltar a se repetir”, avalia. “A comissão também pode ser o momento de desmistificar esse mito da cordialidade, do país pacífico, não violento, que não guarda rancores, para que possamos construir uma nação mais justa, mais solidária, daqui para frente”, indica Nilcea Freire.
Para a ex-ministra, nesse momento a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República tem de contar com o “apoio decidido” da sociedade civil, da mesma forma como aconteceu no final de 2009, quando houve uma intensa reação conservadora contra o III Programa Nacional de Direitos Humanos.
A história dos vencidos
Segundo Iara Xavier Pereira, integrante da coordenação do Comitê pela Verdade, Memória e Justiça do Distrito Federal e da Comissão Nacional de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, que participou na última segunda-feira (21) do debate na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), há uma divisão até mesmo entre os familiares das vítimas da ditadura. Após não conseguir aprovar emendas apresentadas ao Congresso Nacional, um grupo decidiu apenas acompanhar os trabalhos, sem participar diretamente da Comissão da Verdade. Outra parte dos familiares, militantes e ex-presos políticos ainda avalia que deve ser vencida a etapa da indicação dos integrantes da comissão oficial.
“Não queremos nos contentar com a 'comissão possível'. Que não nos empurrem uma comissão de meia-verdade, como a lei que nos impôs uma anistia parcial”, disse. “Entendemos que a Comissão não tem a finalidade de punir; quem pune é o judiciário. Mas todas as provas têm que apontar para que a gente possa penalizar. Esse é o grande link. Se não conseguirmos fazer a sociedade entender que aquilo que aconteceu no passado está refletindo hoje, no presente, não vamos conseguir sensibilizá-la para isso. A impunidade e a continuação das torturas nas delegacias vêm do fato de que aqueles torturadores e assassinos ficaram impunes”, explica Iara Xavier.
Por outro lado, ela continua acreditando que ainda vale disputar a Comissão, em função da possibilidade de avançar um pouco para se chegar às circunstâncias das mortes praticadas pela ditadura. “Mesmo com essa forma em que saiu a lei, é um espaço do qual não devemos abrir mão, [porque] tem dois pontos fundamentais: 1) identificar a autoria de graves crimes de violação de direitos humanos; e 2) o poder de convocar [pessoas]”, avalia.
A ex-ministra de Políticas para as Mulheres do Governo Lula e representante da Fundação Ford no Brasil, Nilcea Freire, também vê um cenário de disputas, com grandes resistências, mesmo contra a comissão com limitações prevista na lei sancionada pela presidenta Dilma. “Para que possamos ter uma resultante positiva nessa disputa, precisamos ter claro as alianças que devemos fazer. Os militares foram derrotados – ou não derrotados – nesse país, mas eles continuam aí. São apenas uma parte do setor conservador da sociedade, que normalmente não se manifesta”, analisa.
Para Nilcea, a criação da Comissão Nacional da Verdade foi um “grande passo”, apesar das limitações. “Talvez ela não seja tudo aquilo que nós gostaríamos, mas terá um efeito simbólico enorme: dizer que o Brasil finalmente começa a desmistificar a ideia de que nesse país não se tem memória, de que a gente esquece tudo, passa-se uma borracha e os fatos podem voltar a se repetir”, avalia. “A comissão também pode ser o momento de desmistificar esse mito da cordialidade, do país pacífico, não violento, que não guarda rancores, para que possamos construir uma nação mais justa, mais solidária, daqui para frente”, indica Nilcea Freire.
Para a ex-ministra, nesse momento a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República tem de contar com o “apoio decidido” da sociedade civil, da mesma forma como aconteceu no final de 2009, quando houve uma intensa reação conservadora contra o III Programa Nacional de Direitos Humanos.
A história dos vencidos
A filósofa Marilena Chauí, professora da Universidade de São Paulo (USP), também participou da primeira etapa do ciclo de debates no Rio de Janeiro. Ela lembrou o teórico alemão Walter Benjamin, que identificava a história oficial como a história dos “vencedores”. “O papel da memória é fazer a história dos vencidos. O que ela vai narrar é o que a sociedade fez e faz”, explicou.
Normalmente, sublinha a professora, a história do vencedor é aquela narrada pelo Estado. Basta perceber que a periodização histórica é feita de acordo com as formas que teve o Estado brasileiro. Ou seja, “ele omite a história onde ela realmente acontece, que é a sociedade”. “Será um desastre se a Comissão da Verdade for uma ação do Estado. Ela só será efetiva se for uma ação da sociedade”, afirmou, convocando os setores organizados para se envolverem no processo.
No seminário, a chefe de Gabinete da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Salete Valesan Camba, destacou a importância da Comissão da Verdade para que a juventude atual possa conhecer a “história do país”.
Na metáfora usada pelo professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Pablo Gentili, esse momento de reconstituição da verdade de parte da história do Brasil pode ser representado na forma encontrada pelo poeta Victor Jara para entregar uma poesia à esposa durante a ditadura no Chile. Preso em 1973 pelo regime de Augusto Pinochet, o militante político dividiu o texto em fragmentos e os distribuiu aos companheiros de prisão para que fossem entregue, um a um, à sua companheira. Agora é como se o Brasil estivesse fazendo o mesmo, a partir de várias memórias que ainda se encontram fragmentadas ou mesmo desconhecidas, e que podem começar a ser reunidas.
Normalmente, sublinha a professora, a história do vencedor é aquela narrada pelo Estado. Basta perceber que a periodização histórica é feita de acordo com as formas que teve o Estado brasileiro. Ou seja, “ele omite a história onde ela realmente acontece, que é a sociedade”. “Será um desastre se a Comissão da Verdade for uma ação do Estado. Ela só será efetiva se for uma ação da sociedade”, afirmou, convocando os setores organizados para se envolverem no processo.
No seminário, a chefe de Gabinete da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Salete Valesan Camba, destacou a importância da Comissão da Verdade para que a juventude atual possa conhecer a “história do país”.
Na metáfora usada pelo professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Pablo Gentili, esse momento de reconstituição da verdade de parte da história do Brasil pode ser representado na forma encontrada pelo poeta Victor Jara para entregar uma poesia à esposa durante a ditadura no Chile. Preso em 1973 pelo regime de Augusto Pinochet, o militante político dividiu o texto em fragmentos e os distribuiu aos companheiros de prisão para que fossem entregue, um a um, à sua companheira. Agora é como se o Brasil estivesse fazendo o mesmo, a partir de várias memórias que ainda se encontram fragmentadas ou mesmo desconhecidas, e que podem começar a ser reunidas.
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