Na universidade-sede do FSM, a vida segue

07/02/2011
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Maioria dos estudantes da universidade que abriga o FSM-2011 participa apenas na condição de observadores curiosos
 
Dacar (Senegal).-“Minha utopia é ver um Senegal melhor, com dirigentes competentes”, diz um dos muitos escritos de uma grande faixa de pano branco estendida sobre a calçada de umas das ruas do campus da Universidade Cheikh Anta Diop, a Universidade de Dacar. O exercício proposto estava escrito em outra faixa menor, pendurada num galho de árvore logo acima. “Qual é a sua utopia?”, dizia a mensagem em cinco línguas: francês, inglês, wolof (a principal língua originária do Senegal), português e espanhol.
 
“Minha utopia é ver a África Unida”, dizia outra das frases. Criada para receber a adesão de pessoas de todo o mundo que circulavam por ali (o que de fato ocorreu), a iniciativa, seduziu, na maioria dos casos, os estudantes locais.
 
“Minha utopia é que Wade se vá”, escreveu Pape Sambaindiaye, estudante de direito de 22 anos, sobre o atual presidente senegalês, Abdoulaye Wade. “Estamos cansados. O presidente é muito velho, já está há muito tempo no poder. As condições de vida no Senegal estão muito difíceis”. Ele é um dos muitos estudantes que estão bastante curiosos com as movimentações em torno do Fórum Social Mundial (FSM). Para Pape, o evento é uma assembleia de todos os povos do mundo. “Estou muito interessado, mas tenho aula”, diz o universitário, que, perguntado se gostaria que as aulas tivessem sido canceladas durante esse período, abre um sorriso sem-graça, mas responde afirmativamente.
 
O FSM-2011 mudou a vida da Universidade de Dacar, mas, para a maioria de seus 60 mil estudantes, a vida segue. Muito devido às aulas que continuam a ser ministradas, os universitários senegaleses participam do evento principalmente na condição de observadores curiosos. Com a exceção de um bom número de voluntários (como Mimi, que cuida do credenciamento de imprensa e gastou meia hora do seu tempo para ajudar a reportagem a achar e comprar um chip de celular) e da faixa estendida na calçada, entre outros, o envolvimento estudantil com o Fórum é muito pequeno.
 
África em debate
 
Mas não por falta de vontade. Abdourahimoune Bassirou, de 30 anos, é outro dos que gostariam de participar das atividades, mas não pode porque também tem que assistir às aulas. Estudante de relações internacionais, ele acredita que a realização do FSM em Dacar é muito importante por proporcionar a interação entre pessoas que veem de muitos países. “Muitas questões importantes para a África são discutidas, como a migração, os refugiados, o próprio capitalismo”. Para ele, o debate sobre tais temas em um evento realizado em seu país servirá para que eles alcancem muitos senegaleses. “Atualmente, são poucas pessoas que sabem dessas questões. Com o Fórum, os senegaleses e os africanos ficarão sabendo”.
 
Quem segue na mesma linha de raciocínio é a estudante de letras Ndéya Fatu Ndiaye, de 23 anos. Segundo ela, o fato de o FSM-2011 ser realizado em Dacar e no campus da universidade é muito importante para os estudantes entrarem em contato com as diferentes nacionalidades que o evento abriga. “Também proporciona que diversas organizações se encontrem para facilitar a construção de um mundo melhor”. Para Ndéya, o FSM é uma oportunidade para que se discutam temas caros aos africanos, como a pobreza, o subdesenvolvimento e a crise econômica.
 
 Espaço de diversidade
 
Assim como muitos universitários da Universidade de Dacar, a estudante de letras observava, com uma amiga, a movimentação numa das concentrações principais do Fórum. Inúmeras tendas brancas cobrem o espaço ao lado da Faculdade de Ciências Econômicas e Gestão. Como num típico Fórum Social Mundial, há de tudo. Barracas das mais diversas organizações, movimentos e fundações, esteiras com artesanatos típicos, locais de venda de produtos alimentícios orgânicos, vendedores ambulantes... e gente. Muita gente circulando.
 
Estudantes curiosos se misturam entre os participantes do evento, muitos destes procurando por entre as tendas o local do debate que escolheram assistir (muitas vezes, sem encontrar). Senegalesas de trajes típicos cantam para atrair a atenção do público para seus mais variados grãos à venda. Um grupo de percussão de Gâmbia toca e dança um ritmo muito parecido com o samba e anima os transeuntes. De repente, passa uma marcha em solidariedade aos povos do Egito e da Tunísia. Mais adiante, um grupo de cerca de 20 estudantes, liderados por um rapaz ao alto-falante, fazem um protesto contra a falta de orientadores para os cursos de pós-graduação. “Sim ao Fórum Social. Nós somos os diplomados a quem é negado o acesso à universidade. Pelo direito à educação”, diz o cartaz que seguram.
 
Entre os comerciantes senegaleses que vieram tentar a sorte no espaço do evento estavam as vendedoras de peixe Maguelle Seyrrabor Sankharé e Fatoumata Cissé, vice-presidente da União de Mulheres Peixeiras. Normalmente trabalhando no porto de Dacar, onde têm uma pequena estande, ambas reclamam das condições em que vivem. “Com o que trabalhamos, não dá para viver. É muito sofrido. Faltam políticas do governo para ajudar, diz Maguelle. Em pé atrás de uma caixa que exibe os atuns que vendem, ela reclama da dificuldade de criar os três filhos. “Meu marido foge numa hora dessas. Temos que trabalhar para nossa família, para criar os filhos. Meu marido não ajuda em nada”, diz. Para ela, nem o Fórum Social Mundial pode mudar essa dura realidade.
 
 
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