Segundo turno

12/10/2002
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Surpreendeu a  votação (quase 20 milhões de votos) recebida por Marina Silva. Votos dados a  ela e não ao PV, pois o eleitor vota em pessoas mais que em partidos. Isso coloca algumas questões.

 Muitos eleitores de  Marina se coligaram pelas redes sociais da internet. Esta funciona, sim, como  poderoso palanque virtual. Milhares de pessoas estão permanentemente  dialogando através da web. E isso ajuda a formar  opinião.

Curioso é  constatar que a militância virtual cresce na proporção em que se reduz a do  corpo a corpo, do militante que, voluntariamente, saía às ruas, panfletava,  pichava muros, distribuía santinhos e vendia brindes para arrecadar fundos de  campanha. É lamentável observar a ausência de militância voluntária em eventos  eleitorais, substituída por pessoas remuneradas que, por vezes, nada sabem do  candidato que propagam.

Ao contrário do que, até  agora, supunham PT e PSDB, o tema da preservação ambiental interessa sim ao  eleitor. Já não é pauta “apenas dos verdes”. A sociedade, como um todo, está  preocupada com o aquecimento global, o desmatamento da Amazônia, a construção  de hidrelétricas poluidoras.

 Marina Silva se afirmou  politicamente como representante de importantes demandas da sociedade que  ainda não foram devidamente assumidas pelo PT e o PSDB. Parafraseando  Shakespeare, há mais coisas entre a esquerda e a direita do que supõem os  atuais caciques partidários. Criou-se, assim, uma fissura, quebrando a  polarização bipartidária. E, para muitos, abriu-se uma nova janela de  esperança.

 A  candidatura de Marina Silva ajudou a bloquear o suposto caráter plebiscitário  do primeiro turno. Agora, Dilma e Serra têm que, obrigatoriamente, debater  propostas e programas de governo. O eleitor não quer saber se FHC ou Lula foi  melhor presidente. Interessa-lhe o futuro: como promover o desenvolvimento  sustentável? Como o Estado pode oferecer mais eficientes segurança pública e  sistemas de educação e saúde? Como a Amazônia e as nossas florestas serão  preservadas?
 Marina é  neófita no PV. E assim como Lula é maior que o PT, ela também é maior que o  PV. E a história do PV está marcada, como ocorre nos outros partidos, por  contradições. Participou do governo Lula (ministério da Cultura) e, em nível  estadual, do governo Serra em São Paulo (secretaria do Meio Ambiente) e, no  Rio, apoiou César Maia (DEM) candidato a senador.

 O PV poderá continuar em  cima do muro ou até mesmo deixar-se seduzir pelo canto das sereias e aceitar  propostas de cargos no futuro governo federal. Marina não. Ela tem uma  história de coerência e testemunho ético. Portanto, a candidata do PV não tem  o direito de manter-se neutra no segundo turno.

Em política,  neutralidade é omissão. Nenhum aspecto de nossas vidas – da qualidade do café  da manhã ao transporte que utilizamos – escapa ao âmbito da política. E Marina  não veio de Marte. Veio do Acre, das Comunidades Eclesiais de Base, da escola  ambiental de Chico Mendes, do PT pelo qual se elegeu senadora e graças ao qual  se tornou ministra do Meio Ambiente em dois mandatos de  Lula.

O eleitor  espera que Marina se posicione, e o faça em coerência com sua história de  militância e seus princípios éticos e ideológicos. Seria uma decepção vê-la em  cima do muro para observar melhor os dois lados… Fiel não é apenas quem abraça  convicto determinada religião. Há que ter fidelidade também à trajetória que  permite a Marina se destacar, hoje, como uma das mais importantes lideranças  políticas do Brasil.

 O que está em jogo,  agora, não é o futuro eleitoral da senadora Marina Silva e seu rico patrimônio  político de quase 20 milhões de votos. É o futuro imediato do Brasil. Nos  próximos quatro anos, a influência dela pesará nos rumos de nosso país. Por  isso, é preciso que, embora adepta do verde, ela amadureça o quanto antes o  seu posicionamento entre os dois projetos de Brasil em  questão.

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Frei Betto é escritor, autor de  “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org –  twitter: @freibetto
  
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