Por uma lei para a educação
- Opinión
Na educação, mesmo as melhores sementes não dão frutos da noite para o dia, muitas vezes é necessária toda uma geração para que um bom projeto educacional se converta em resultados concretos e perenes. Continuidade, portanto, é a palavra-chave nessa área. Infelizmente, essa é uma lição fundamental que o Brasil está aprendendo a duras penas, assistindo, por décadas, à sua educação pública sofrer os males da descontinuidade gerada por interesses políticos ou, muitas vezes, meramente eleitorais.
A cada quatro anos, dirigentes municipais de educação, secretários estaduais e até mesmo ministros se acostumaram a começar seu trabalho do zero, seja porque o antecessor não se preocupou em deixar estruturadas as bases de um trabalho de longo prazo, seja porque eles próprios, interessados apenas em deixar a sua marca, pretendiam "reinventar a roda".
Recentemente, no entanto, essa realidade começou a mudar. A partir da década de 1990, o País passou a experimentar uma política consistente de avaliação de resultados educacionais, que teve continuidade na atual gestão do ministro da Educação, Fernando Haddad. Talvez por isso mesmo, o ministro tem procurado pautar as suas ações pela preocupação de garantir que o Brasil passe a ter uma política de Estado, não apenas de governo, para a educação. E isso exige, necessariamente, continuidade.
Nesse sentido, Estados e municípios têm firmado com o Ministério da Educação (MEC) um plano de metas que, se por um lado traz objetivos de curto prazo, também fica como herança para o próximo gestor público. Em 2009 tomarão posse os prefeitos eleitos em outubro próximo e, então, a continuidade do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) passará por um teste importantíssimo.
Diante dessa nova realidade, uma pergunta obrigatória se coloca: se há metas a serem cumpridas pela União, pelos Estados e pelos municípios, baseadas na busca constante da melhoria da qualidade de nossas escolas públicas, e a partir de resultados concretos e mensuráveis, que conseqüências advêm para os gestores que não as cumprirem? Felizmente, acreditamos, o Brasil já está maduro o suficiente para dar uma resposta a essa pergunta, por meio da discussão e aprovação de uma Lei de Responsabilidade Educacional.
Um passo importante para que esse debate ocupe seu lugar nas prioridades do País foi dado no início de julho, quando ocorreu, em Brasília, o Seminário Internacional Ética e Responsabilidade na Educação: Compromisso e Resultados, realizado em parceria pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, a Unesco e o movimento Todos Pela Educação, com o apoio do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e do Conselho Nacional de Educação (CNE). No Congresso Nacional já se discutem propostas para uma Lei de Responsabilidade Educacional e, recentemente, o MEC anunciou que até o final do ano apresentará o seu projeto, estabelecendo metas de conduta para os gestores de escolas públicas. Temos, portanto, uma grande oportunidade de avançar na direção correta, envolvendo no debate, é claro, um amplo espectro de segmentos sociais e políticos.
Em linhas gerais, uma Lei de Responsabilidade Educacional estabelecerá a exigência do tratamento ético dos recursos da educação e da busca constante da melhoria da qualidade no ensino público, baseada em metas mensuráveis. Ao mesmo tempo, deve vincular a aplicação de recursos financeiros à conquista desses resultados.
Para tanto a União, os Estados e os municípios devem estabelecer um regime de colaboração norteado pela divisão equilibrada de atribuições, avançando-se rumo a um sistema nacional de educação estável e cooperativo.
Essa discussão, entretanto, vai mais além da fixação dessas regras, como mostrou o seminário realizado em Brasília. É preciso que os conceitos de ética, qualidade e responsabilidade representem os pilares sobre os quais se apóie toda e qualquer ação que compõe o universo educacional em todas as instâncias de gestão. Como bem frisa o documento assinado pelos participantes do seminário, todo o processo de aprendizagem deve ser marcado pela ética e pela responsabilidade. Assim, não é possível que se permita, por exemplo, que os estudantes venham a ser promovidos sem que tenham o domínio dos conteúdos previstos para cada etapa da trajetória escolar. Também é crucial garantir que nenhuma criança, nenhum jovem ou adulto seja vítima de discriminação em função de etnia, origem social, ideologia, religião ou qualquer outra característica.
Por fim, vale ressaltar que, se o País vai cobrar mais objetivamente resultados concretos dos gestores públicos de educação, é essencial que a eles sejam fornecidas as ferramentas necessárias para perseguir os melhores resultados. O apoio técnico, por meio da consultoria do MEC, é um passo que vai nessa direção. Mas não conseguiremos dar o salto de qualidade que precisamos sem ampliar o montante de recursos destinados anualmente à educação. Hoje investimos cerca de nove vezes menos que os Estados Unidos, sete vezes menos que a União Européia e a metade do que investem vizinhos como a Argentina.
O predomínio absoluto da ética é condição imprescindível para que o Brasil garanta a seus cidadãos a educação de qualidade a que eles têm direito, alcance as metas qualitativas que estão sendo estabelecidas e possa chegar ao bicentenário da Independência, em 2022, comemorando a verdadeira independência de todos os brasileiros, aquela que é assegurada pelo acesso universal e irrestrito às ferramentas que permitam o pleno desenvolvimento do potencial humano.
- Mozart Neves Ramos é presidente-executivo do movimento Todos Pela Educação
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- Por uma lei para a educação 04/09/2008