Contexto mundial e governo Lula: desafios e perspectivas

06/10/2007
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
-A +A

O mundo vem sendo transformado drasticamente nos últimos 25-30 anos pela prática e pela ideologia neoliberal: pela globalização e pelas políticas neoliberais nacionais.

* políticas neoliberais: Estado mínimo e livre mercado (desregulamentação), isto é, redução dos investimentos sociais (saúde, educação etc.), ajuste fiscal, foco no controle da inflação, superávit primário, juros altos, privatizações (parcerias público-privado inclusive).

* globalização neoliberal: pela qual os países do Terceiro Mundo (África, Ásia, América Latina) são explorados pelos do Primeiro Mundo e pelas multinacionais, quebrando a produção nacional, as indústrias nacionais e, não raras vezes, o país – através, sobretudo, da abertura comercial (redução ou supressão de barreiras alfandegárias, Tratados de Livre Comércio) e da abertura financeira (não-controle dos fluxos de capital).

O resultado geral destas políticas tem sido: a produção de um desemprego estrutural, massivo.

Por que?

- As políticas de ajuste fiscal têm como resultado baixo crescimento econômico ou recessão;

- O Estado vai se retirando, reduzindo investimentos em várias áreas (infra-estrutura, serviços públicos, políticas sociais);

- O Estado flexibiliza as leis trabalhistas (diminui as garantias de proteção social para os trabalhadores);

- A redução ou o controle dos salários leva à redução do consumo;

- A globalização tem significado:

imposição da abertura comercial, com a conseqüente quebra de empresas nacionais;

imposição da abertura financeira (não-controle de fluxos de capital), com o conseqüente aumento da vulnerabilidade do país, que se torna refém dos “mercados”;

- A reestruturação produtiva e empresarial tem levado a praticamente interromper a tendência de redução da jornada de trabalho: se, entre 1830 e 1980 – em cento e cinqüenta anos, portanto – a jornada, nos países desenvolvidos, foi reduzida à metade (de 14-16 horas por dia a 7-8 horas), nos anos 80 houve praticamente uma paralisação e um retrocesso. Hoje, apesar da utilização de tecnologias muito avançadas – que elevam a produtividade e permitiriam trabalhar menos –, a jornada é maior do que há vinte anos seja nos países menos desenvolvidos, seja nos EUA; e encontramos jornadas tão longas quanto em meados do século XIX.

Em conseqüência do desemprego: cresce a precarização do emprego (sem carteira assinada, ou carteira assinada mas baixo salário, pouca proteção social, jornada de trabalho prolongada etc.). Há um recuo da fiscalização, retornam as condições insalubres de trabalho. Há 20 anos atrás, no Brasil, chegamos a ter 60% dos  trabalhadores com carteira assinada e o ritmo era crescente; hoje, mais da metade dos trabalhadores está no emprego informal e a informalidade é crescente.

Este conjunto de fatores está gerando situações que nos fazem lembrar o início do capitalismo industrial: trabalho escravo, exploração de crianças, tráfico de mulheres, tráfico de crianças, tráfico de trabalhadores (da Ásia para a Inglaterra, da América Latina para os EUA, da África para a Europa) – transporte em condições subumanas, trabalho sem qualquer proteção, regime de campo de concentração. Viviane Forrester já nos tinha chamado a atenção para isto num livro intitulado, sugestivamente, O Horror econômico (1997).

Trata-se, segundo Milton Santos, de uma “produção científica, globalizada e voluntária da pobreza”:

Examinado o processo pelo qual o desemprego é gerado e a remuneração do emprego se torna cada vez pior, ao mesmo tempo em que o poder público se retira das tarefas de proteção social, é lícito considerar que a atual divisão “administrativa” do trabalho e a ausência deliberada do Estado de sua missão social de regulação estejam contribuindo para uma produção científica, globalizada e voluntária da pobreza” (Milton Santos, 2000: 72 - grifos nossos).

Pierre Bourdieu exprime praticamente a mesma idéia: “Começa-se assim a suspeitar que a precariedade [do trabalho hoje em dia] é produto não de uma fatalidade econômica, identificada à famosa “mundialização”, mas de uma vontade política.(...) A precariedade se inscreve num modo de dominação de um novo tipo, fundado sobre a instituição de um estado generalizado e permanente de insegurança visando constranger os trabalhadores à submissão, à aceitação da exploração.” (1998: 98-99 - grifos nossos).

Dejours desenvolve a mesma linha de raciocínio: este processo “que denominamos ‘banalização do mal’, foi por nós estudado (...) no período contemporâneo de organização consciente da pauperização, da miséria, da exclusão e da desumanização de parte de sua própria população pelos países que atingiram ‘um alto grau de civilização’, por um lado, e que conheceram um aumento sem precedentes de suas riquezas, por outro (...)” (Dejours, 1999: 106 - grifos nossos).

No conjunto da renda do país, a renda do trabalho (os salários) cai cada vez mais, em comparação com a renda do capital (no caso do Brasil, a renda do trabalho em 1980 representava 50% da renda total e caiu para 36% hoje, segundo Márcio Pochmann). As pessoas trabalham cada vez mais (mesmo os desempregados), e ganham cada vez menos.

Conseqüência: um desmonte da sociedade

A produção do desemprego massivo e a precarização do emprego (para a maioria dos que o conseguem), ao mesmo tempo em que se desfazem as instituições e os serviços de proteção social, destroem o tecido social, destroem as relações sociais, deixam as pessoas entregues a si próprias. Ao nível das cidades, como mostrou Mike Davis (Planeta Favela, 2006), há um crescente processo de favelização que se difunde por todo o mundo, quer seja São Paulo, Recife, Cidade do México, Karachi, Mumbai, Quito, Nairóbi, Daca, Johannesburgo.

A predominância espantosa das favelas é o principal tema do relatório histórico e sombrio publicado em outubro passado pelo Programa de Assentamentos Urbanos das Nações Unidas (UN-Habitat) [“The challenge of slums”, 2003]. (...) O novo relatório rompe a seriedade e a autocensura tradicionais da ONU para condenar abertamente o neoliberalismo, em especial os programas de ajuste estrutural do FMI. ‘A direção principal das intervenções nacionais e internacionais durante os últimos vinte anos na verdade aumentou a pobreza urbana e as favelas, elevou a exclusão e a desigualdade e enfraqueceu a elite urbana em seu esforço de usar as cidades como motores de crescimento’. (...) Como concluem os autores de Slums: ‘Em vez de serem um foco de crescimento e prosperidade, as cidades tornaram-se o depósito de lixo de um excedente de população que trabalha nos setores informais de comércio e serviços, sem especialização, desprotegido e com baixos salários’. ‘O crescimento deste setor informal é resultado direto da liberalização’ ” (Davis, 2006).

A sociedade, ao invés de ser fonte de segurança e proteção para seus membros, retira dos seus membros a fonte de sua sustentação (o trabalho), restabelece situações de exploração do trabalho há muito desaparecidas, torna os serviços públicos meios de exploração dos cidadãos (privatização) ou os torna piores (reduzindo os recursos públicos). Estes são resultados bem palpáveis, evidentes, das políticas e da globalização neoliberal.

Outra conseqüência: o aumento generalizado da criminalidade

Nós assistimos nos últimos anos a uma escalada da violência criminal: cresce o número de roubos, furtos, assaltos, assassinatos, chacinas. No Brasil, várias entidades têm denunciado o forte aumento da morte, por armas de fogo, de jovens entre 15 e 24 anos. Quando, há dez anos atrás, David Harvey, em seu livro A Condição Pós-Moderna, explicou o que era o capitalismo neoliberal – que ele chamou de “acumulação flexível” -, ficou claro que a pobreza, a miséria, a desigualdade e também a criminalidade no Brasil teriam um aumento exponencial se estas políticas fossem implementadas. Os fatores que levam a este aumento da violência são múltiplos, mas são basicamente conhecidos: um deles é o aumento da desigualdade social, o contraste crescente entre ricos e pobres. Outro fator é a redução ou o bloqueio da mobilidade social ascendente, isto é, a redução da oportunidade de melhoria de vida para uma grande parte da sociedade, o que afeta especialmente as expectativas dos mais jovens. Isto é causado principalmente pelo desemprego e a baixa perspectiva de emprego: a sociedade percebe, os jovens das classes populares percebem que dificilmente terão um amanhã melhor que hoje.

Temos aí dois fatores fundamentais para o crescimento da violência criminal: o aumento da desigualdade social, ao mesmo tempo que se reduzem as oportunidades de melhoria de vida para as classes populares (de obter emprego, de conseguir sustentar a família, de obter meios para sobreviver). O Relatório da ONU sobre a desigualdade social no mundo (2005) afirma:

Uma sociedade caracterizada por extremas desigualdades e falta de oportunidades pode tornar-se um ambiente propício para a violência e o crime. (...) Há raramente uma única razão para a crescente tendência para a extrema violência; contudo, é claro que a desigualdade (...) aumenta a probabilidade de conflito. Outro fator é a incapacidade de um crescente número de países de integrar plenamente a juventude à sociedade, especialmente em termos de emprego. (...) Muitos mercados de trabalho são incapazes de absorver todos os jovens procurando trabalho; estatisticamente, o desemprego da juventude é duas ou três vezes mais alto que aquele dos adultos. Confrontados com perspectivas sombrias e experimentando um sentimento de injustiça, os jovens muitas vezes experimentam a anomia e podem se voltar para um comportamento violento” (UN, The Inequality predicament, p. 81) [1].

A ideologia neoliberal

Mas há um outro fator que, articulado aos anteriores, vai contribuir sobremaneira. A política neoliberal que foi se difundindo por todo o mundo a partir de fins dos anos 70 veio acompanhada pela difusão de uma nova ideologia, onde os antigos valores que constituíam a base da sociedade foram substituídos por novos,  novas idéias tomaram o lugar das antigas.

A base que sustentava a organização social, a coesão social, e que fornecia os motivos para as pessoas viverem em sociedade (o consenso moral) foi desmontada: a dignidade da pessoa humana, os direitos humanos, os direitos sociais. Vera Silva Telles fala de “encolhimento do horizonte de legitimidade dos direitos sociais” (1999). Tudo se reduz ao indivíduo e à sua competência. Cabe ao indivíduo prover a sua vida e as suas necessidades, ao Estado nada cabe e nada deve caber - isto seria “paternalismo”. A saúde deve ser obtida pelos recursos do indivíduo, por seu próprio esforço. Assim também a educação; o trabalho. A sociedade é um aglomerado de indivíduos: como dizia Margaret Thatcher, “não existe sociedade, existem indivíduos” (cf. Bauman, 1999).

Promoveu-se, lenta e subliminarmente, a substituição dos antigos por novos valores. Neste processo, sub-repticiamente, os direitos passaram a ser desqualificados: toda vez que se fala em direitos, a nova ideologia traduz por privilégios. O que é uma forma sutil de invalidar os direitos. Desqualificou-se igualmente a luta por direitos: toda luta (de uma categoria de trabalhadores) é denunciada como corporativismo.

Os novos valores que se propuseram a substituir os antigos não são capazes de promover a coesão social, pelo contrário. A valorização do esforço individual, a depreciação da solidariedade, a valorização da competição, a negação da proteção social, estão promovendo uma luta de todos contra todos, seja pela sobrevivência, no caso dos mais pobres, seja pela ascensão a qualquer preço, inclusive nos setores médios e abastados.

Ao mesmo tempo, vem ocorrendo um fenômeno que reforça este desprestígio dos valores que contribuíam para a coesão social: cresce a corrupção no meio das autoridades públicas - em setores do Executivo, entre parlamentares (Legislativo), em representantes do Judiciário -, daqueles que, por sua função, deveriam ser mais responsáveis. A prática da utilização da função pública a serviço dos interesses privados se difunde. Na medida em que muitos Executivos e as maiorias parlamentares (pensando na América Latina, por exemplo) foram levados a se colocar a serviço dos interesses do capital financeiro, acabaram se opondo aos interesses da maioria da população: a corrupção foi o meio utilizado para dobrar os recalcitrantes (compra de votos / cooptação).

Como vem denunciando há vários anos Jurandir Freire Costa, esta situação tende a gerar uma anomia, uma perda de referência, uma perda de valores no conjunto da sociedade. E Fabio Comparato vem denunciando há anos a perda do sentido da res publica, da coisa pública, do sentido do bem comum. Se autoridades, se parlamentares, se juízes, se pessoas com boas condições de vida passam a se apropriar de bens alheios para aumentar seu patrimônio, por que os demais cidadãos, especialmente aqueles que vivem em piores condições, deverão se ater às boas normas? A violência encontra ambiente propício para se desenvolver, porque não é mais a solidariedade, a proteção, a garantia, que está regendo a vida social mas, em última instância, a “lei da selva”, do “cada um por si”, do “levar vantagem em tudo”.

Esta forma “imoral” de se utilizar dos outros cria um caldo de cultura favorável à “imoralidade” nas relações sociais. A impossibilidade de obter uma remuneração digna pelo trabalho legal leva alguns (uma ínfima minoria, é bom que se diga) a tentar uma melhor vida por outros caminhos, ilegais. Por outro lado, a ausência de remuneração digna para os agentes da ordem facilita sobremaneira o abuso do poder em direção à corrupção e a atividades também ilegais. A desigualdade social, aliada ao desemprego (que aparece como inexorável) e à falta de perspectivas (insegurança quanto ao amanhã) completa esta cultura favorável à criminalidade e à violência.

_________________________

Somente fortes políticas nacionais de geração de emprego, associadas com a oferta de melhores serviços públicos – saneamento básico, saúde, educação, habitação – levantariam novamente esperanças e permitiriam romper o círculo vicioso que alimenta a violência.

O governo Lula

É dentro deste contexto histórico mundial, que devemos analisar o governo Lula. Se estas políticas produzem o desmonte da sociedade que nós analisamos acima, só a mudança destas políticas poderá evitar a deterioração social e a reversão do processo.

A política macroeconômica do governo Lula permanece essencialmente submissa aos interesses do capital financeiro:

ajuste fiscal

prioridade ao pagamento da dívida externa (alto superávit primário e juros reais altos)

foco no controle da inflação (o que implica juros altos) (Banco Central autônomo de fato, embora não de direito)

Trata-se de um vasto processo de transferência de renda, da maioria para a elite, dos pobres para os ricos

O modelo econômico adotado – do ajuste fiscal, da prioridade ao controle da inflação, do pagamento da dívida (responsabilidade fiscal) – torna o país um “exportador líquido de capitais” e os trabalhadores deste país em trabalhadores a serviço dos credores: “escravos da dívida”. Tudo o que o país produz vai fundamentalmente para o 1% mais rico do mundo e o 1% mais rico do país: um brutal processo de transferência de renda dos pobres, dos trabalhadores, para os ricos.

Como denunciou o Unafisco (Sindicato Nacional dos Auditores da Receita Federal), o Brasil pagou, nos últimos 6 anos (2000-2005), R$ 745 bilhões em amortização e pagamento de juros: uma média de R$ 124 bilhões por ano. Só no primeiro semestre de 2006, foram R$ 119 bilhões (para efeito de comparação, as despesas com Saúde foram R$ 16,5 bilhões) [2].

É o que explica Márcio Pochmann:

(...) A partir dos anos 90, (...) o que se viu foi o crescimento e o estabelecimento de um modelo selvagem de acumulação de riqueza, baseado agora na lógica imediatista financeira. Selvagem porque, ao fim das contas, por meio da dívida pública, dos juros altos e do superávit primário, o Estado transfere recursos oriundos de toda a população para as camadas mais ricas do país. (...) Em palavras diretas, o governo tem arrecadado cada vez mais da população, através dos impostos majoritariamente indiretos e contribuições, e utilizado parte importante desses recursos para pagar títulos da dívida, beneficiando assim principalmente quem pode comprá-los, ou seja, os mais ricos. Trata-se, assim, de uma transferência de recursos dos menos ricos para os mais bem situados na pirâmide social” (Pochmann, 2004: 185, 189 - grifos meus).

A mesma análise é feita por outros economistas:

A combinação de superávit primário de 4,25% do PIB com a política monetária de juros altos incidentes sobre a dívida pública resulta “num dos mais perversos mecanismos de transferência de renda dos pobres para os ricos de que se tem notícia na história do capitalismo” (Assis, 2005: 89). “Na verdade, o mais poderoso mecanismo de concentração de renda na economia é essa combinação de política fiscal e monetária perversa, onde o Estado atua como um redistribuidor de renda e de riqueza a favor dos poderosos” (Assis, 2005: 89; ver também: Sicsú, 2005; Carvalho, 2005).

(...) Além de travar a economia, o superávit primário, agora elevado para 4,5% do PIB, e os juros básicos de agiotagem, agora elevados para 16,75% a.a., são uma verdadeira máquina de transferência de renda de pobres para ricos, na medida em que implicam a tributação indireta dos pobres, e o aumento da tributação direta da classe média, para o pagamento dos juros da dívida pública aos ricos” (“E nada mudou”. Manifesto de Economistas, 2004).

A dívida externa brasileira era de 52,8 bilhões de dólares em 1978; chegou a 148 bilhões em 1994, logo antes de se iniciar o governo FHC e terminou em 248 bilhões em 2002, ao final de seu governo; depois do primeiro mandato do governo Lula, em 2006, era de US$ 199 bilhões. Isto, depois de o governo Lula pagar US$ 15,5 bilhões ao FMI. Agora, está em 203 bilhões de dólares (fevereiro de 2007).

Em 1995, início do governo FHC, a dívida interna era de R$ 62 bilhões; em fins de 2002 – último ano de seu governo -, chegara a R$ 662 bilhões. Nos oito anos do reinado de FHC, a dívida interna decuplicou. Em 2006 – ao final do quarto ano do governo Lula -, atingiu R$ 1,2 trilhão. Ela quase dobrou em apenas 4 anos.

 

FHC

FHC

Lula

 

 

1994

2002

2006

Diferença (2006-2002)

Dívida externa

US$ 148 bilhões

US$ 248 bilhões

US$ 199 bilhões

- 20%

Dívida interna

R$ 62 bilhões

R$ 662 bilhões

R$ 1,2 trilhão

+ 82%

 

Em 2006, pagamos R$ 275 bilhões a título de juros e amortizações das dívidas interna e externa. Com a saúde, o  governo gastou R$ 36 bilhões; com a educação, R$ 17 bilhões. Neste ano de 2006, a dívida interna aumentou em R$ 150 bilhões. Entre junho de 2005 e fevereiro de 2007 – em menos de dois anos, portanto -, a dívida interna passou de R$ 938 bilhões para R$ 1,2 trilhão (cresceu R$ 262 bilhões).

 

2006

Despesas com Juros e Amortizações das dívidas externa e interna

275 bilhões

Despesas com Saúde

36 bilhões

Despesas com Educação

17 bilhões

Vejamos o que tem prioridade no orçamento público (despesas em 2006):

\"\"

 

\"\"

Fonte: Rede Jubileu Sul – O ABC da dívida, 2007.

O PAC

No início do segundo mandato, o governo lançou um Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Segundo alguns analistas, o PAC significa uma inflexão na política econômica do governo:

o Estado assume um papel mais ativo na promoção do crescimento;

pela primeira vez, se admite tocar no “sacrossanto” superávit primário;

destinam-se recursos para a infra-estrutura (saneamento básico, habitação, estradas, portos).

O primeiro questionamento que poderíamos fazer em relação ao PAC é anterior ao seu conteúdo, sobre o modo como ele aparece na cena nacional. Depois de um mandato de quatro anos, o governo deveria saber que o país precisa crescer; e uma equipe já deveria ter elaborado, com calma e cuidado, um projeto de desenvolvimento, a ser apresentado como programa do candidato à reeleição. É estranho que só depois das eleições o governo tenha percebido o problema e solicitado um plano, a ser feito às pressas para responder às críticas de crescimento medíocre. Aqui, poderíamos levantar a hipótese que foi o segundo turno que provocou o despertar do governo e que este procurou dar uma resposta.

A segunda se refere a seu conteúdo. Há muito tempo sabemos o que é necessário para o Brasil se desenvolver: isto está presente no programa de governo da campanha de 2002, está presente em obras anteriores, como A Opção Brasileira (1998), assim como em todas as propostas de política alternativa publicadas nos quatro últimos anos, como A Economia política da mudança, 2003; Novo-Desenvolvimentismo, 2005; Adeus ao desenvolvimento, 2005 – para citar apenas algumas. A primeira exigência de todas estas propostas é desenvolver um mercado interno de massas: isto implica uma política sustentada de aumento do salário-mínimo e programas de renda mínima, entre outros. E a primeira medida a ser tomada é estabelecer o controle dos fluxos de capital [3]. O Banco Central deve obedecer ao planejamento do governo e não ter a sua própria política, autônoma em relação aos planos do governo. Todas as propostas contêm a realização da Reforma Agrária, como condição para fixar o homem no campo, dar-lhe condições de produzir, promover geração de emprego, acabar com o processo de expulsão dos trabalhadores rurais, garantir a produção de alimentos. Todas elas contêm também a realização de pesados investimentos em educação, ausentes do PAC.

E a exigência fundamental é a mudança de modelo: “para o Brasil realmente se desenvolver, é necessário alterar o modelo econômico, baseado no atendimento aos credores financeiros e exportadores. Para isso, deve alterar a política relativa ao endividamento. Não é possível que um país continue gastando 37% de seu orçamento anual (o equivalente a mais da metade dos supostos investimentos do PAC em 4 anos) para remunerar os rentistas. Os gastos com a dívida impedem os verdadeiros investimentos nas áreas que o país precisa, como educação, saúde e reforma agrária que, não por acaso, estão de fora do PAC.” (“PAC implementa a proposta de ‘déficit nominal zero’ de Delfim Netto”, artigo de Rodrigo Ávila, assessor da Auditoria Cidadã da Dívida - Rede Jubileu Sul – apud www.unisinos.br/ihu – 27/01/2007).

O PAC é um esforço para promover crescimento econômico sem deixar de fazer ajuste fiscal, sem mexer no essencial da política macroeconômica neoliberal. “Do ponto de vista macroeconômico, continua a combinação de juros altos e câmbio sobrevalorizado, enquanto as reformas continuam a ser pensadas no sentido microeconômico, para melhorar o ambiente de negócios e para criar as condições para a valorização da riqueza privada. Isto é típico do neoliberalismo.” (Leda Paulani, entrevista, jornal Valor, 11/06/2007).

Encontramos no Plano, novamente, o projeto de transposição do Rio São Francisco, apesar da crítica manifestada pelo conjunto dos movimentos sociais. Para obter mais recursos, o governo mais uma vez penaliza o funcionalismo público, comprometendo-se a não reajustar seus salários. E a proposta de regra para o aumento do salário-mínimo, ao invés de significar aumentos mais significativos, significa contenção dos mesmos – para evitar incremento nos gastos da Previdência Social (em que o salário-mínimo é a principal referência).

Para Fernando Cardim, “há pelo menos duas coisas que constituem (...) a expectativa mínima de uma demanda de esquerda não revolucionária, ou seja, esquerda que se disponha a jogar as regras do jogo - economia de mercado, propriedade privada e etc -: por um lado, há que dar prioridade ao pleno emprego e, por outro lado, à distribuição de renda e riqueza. Isto é a tradição mínima do século XX, que vai da social-democracia escandinava, alemã e etc., a qualquer partido minimamente decente progressista de qualquer outro lugar que se queira. (...) Para se conseguir pleno emprego, não há nenhuma mágica, um termo que tanto o ministro Palocci quanto o próprio presidente gostam muito. Ao contrário, o que há é experiência, uma experiência que vai do governo Roosevelt nos EUA[4] à social-democracia, passando por virtualmente toda a Europa, das políticas de demanda por um lado, ou seja, políticas que ajudam a sustentar um nível de demanda agregada que justifique a produção e, por outro lado, das políticas estruturais de treinamento e investimento em educação e assim por diante[5]. Não há absolutamente nada de inovador nisto aqui, essas não são as políticas soviéticas, muito menos cubanas, ou o que quer que se queira” (Cardim, 2005: 17).

Passados alguns meses do lançamento do PAC, sabemos mais claramente o que ele significa: o investimento em obras, na verdade mega-projetos, de infra-estrutura, para atender aos interesses dos grandes empresários e das grandes empreiteiras. É o caso das obras de transposição do São Francisco, das hidrelétricas do Madeira, do Xingu e do Tocantins. Para viabilizá-las, o governo Lula está atropelando as condições de vida das populações locais – inclusive indígenas – e a proteção do meio-ambiente. Tais projetos se encaixam perfeitamente no conjunto de obras do IIRSA, um grande complexo de obras de infra-estrutura a serem realizadas na América Latina, para possibilitar o comércio entre os EUA e os países desta área.

A agenda neoliberal

Na verdade, o governo Lula não pôs em prática apenas a política econômica neoliberal - ele assumiu a agenda neoliberal. Vejamos algumas das reformas que propôs ao Congresso e algumas das medidas que tomou:

- Reforma da Previdência do Setor Público (que favorece a privatização de parte do sistema, via fundos de pensão);

- Reforma Tributária (que não modifica a regressividade do sistema tributário);

- Projeto das PPP (que é apenas um nome diferente para a privatização ou para a transferência de recursos públicos para o setor privado);

- Lei das Falências (que é uma lei prejudicial aos trabalhadores);

- Liberação dos transgênicos (que só favorece às multinacionais, especialmente a Monsanto);

- Manutenção dos leilões anuais de áreas de exploração do petróleo com participação de empresas estrangeiras (iniciativa do governo FHC mantida pelo governo Lula);

- Reforma trabalhista (cujo objetivo fundamental é a chamada “flexibilização” da legislação trabalhista);

- e, agora, no segundo mandato, já se pensa numa 3ª. Reforma da Previdência (para pensar esta Reforma, o PAC criou um Fórum Nacional da Previdência Social – que é mais uma estratégia para legitimar a reforma do que um meio de atender aos interesses da maioria trabalhadora do país).

A reforma agrária

Este talvez seja um dos capítulos mais lamentáveis do governo Lula, enquanto frustração das esperanças dos trabalhadores brasileiros: o abandono da reforma agrária. Lula foi eleito em 2002 com forte apoio dos movimentos sociais, em particular dos movimentos dos camponeses, dos assalariados rurais, dos sem-terra. Até hoje, porém, a reforma agrária tão ansiada não aconteceu. É verdade que, diferentemente do governo FHC, o governo Lula deu algum apoio à agricultura familiar: garantiu recursos para este setor, assim como crédito. No entanto, ficou claro, desde o primeiro ano, que a opção fundamental no campo era pelo agronegócio. O governo Lula cedeu na questão dos transgênicos: entre atender à reivindicação dos movimentos sociais do campo e dos ambientalistas, o governo preferiu atender aos interesses das multinacionais, especialmente da Monsanto. E o grosso dos financiamentos no campo vão para o agronegócio, na proporção de 85% (agronegócio) para 15% (agricultura familiar).

Aqui se revela uma das opções fundamentais do governo. O modelo econômico adotado exige a manutenção de uma forte política de exportação, para obter as divisas para o pagamento da dívida externa. Dentro do atual quadro da globalização, o capital internacional (os países desenvolvidos, as instituições financeiras internacionais – FMI, Banco Mundial) reservam aos países menos desenvolvidos o papel de produtores de matéria-prima, de produtos agropecuários, não o de bens industriais. Desde o governo FHC, o Brasil vem voltando a ser um país agroexportador – que era sua característica fundamental na República Velha (até 1930). O governo Lula assumiu esta opção e vem investindo fortemente nesta direção. O exemplo mais claro é a recente campanha pela produção de etanol. Ao invés de investir numa política industrial, no desenvolvimento da ciência e da tecnologia – como fazem os países que se tornaram ricos -, o país aceita o papel que os grandes lhe reservam: ser agroexportador. Não é sem razão que o governo mantém políticas prejudiciais às indústrias existentes (como o real valorizado) e que estamos assistindo à desindustrialização do país. A produção de etanol implica a extensão das plantações de cana-de-açúcar e a construção de usinas – inúmeras já estão programadas, já que o governo garante apoio oficial. Terras que antes serviam à produção de alimentos serão transformadas em canaviais e o segundo risco é o desmatamento. Graças ao incentivo dado à plantação de soja e de cana, a Amazônia está novamente sob ameaça.

A campanha pelo etanol levou Lula a apoiar um dos setores mais atrasados do Brasil, os usineiros do açúcar e do álcool. Desde os tempos do governo Sarney, é o setor mais endividado em relação ao Estado [6]. Cada governo que chega, ao invés de cobrar a dívida, oferece novas condições de financiamento e adia mais uma vez a cobrança – assim foi com Collor, com FHC, e está sendo agora com Lula. Enquanto um indivíduo em débito tem a sua casa tomada pelo banco, o governo – que sistematicamente afirma que o país não tem recursos – simplesmente renegocia as dívidas dos usineiros e os deixa continuar no negócio com se sua dívida não tivesse qualquer importância.

E o que dizer das condições de vida dos canavieiros? Segundo denúncia da Comissão Pastoral da Terra (CPT), estes trabalhadores tinham de cortar, por dia, 5 toneladas de cana nos anos 70. A exigência passou a 8 toneladas nos anos 80 e, agora, chega a 12 toneladas por dia. Vários trabalhadores, com idades variando de 20 a 40 anos, já morreram de exaustão (Cadernos Conflitos no Campo 2006). No estado de São Paulo, os canavieiros têm carteira assinada e recebem R$ 400,00 por mês de salário (Novaes, 2007). O presidente Lula, falando para empresários espanhóis, se referiu a estas condições de trabalho como sendo normais (cf. jornal O Globo, 18/09/2007).

O agronegócio é cada vez mais dominado pelas multinacionais, um dos braços do capital financeiro internacional. No caso do Brasil, é a Monsanto, a Bunge, a Cargill, a Sadia, a Copersucar, a Nestlé, entre as maiores. É esta opção que permite entender a obsessão do governo em manter o projeto de transposição do Rio São Francisco. O objetivo das águas a serem transferidas não é o povo nordestino sedento e, sim, as grandes empresas criadoras de camarão, em primeiro lugar. Tanto isto é verdade que, colocado diante do projeto da ANA (Agência Nacional de Águas), lançado em 2007, duas vezes mais barato que o da transposição e, ao mesmo tempo, capaz de atender às necessidades de 34 milhões de nordestinos atingidos pelas secas, o governo o ignorou. Continua preferindo o projeto que custa o dobro e que só vai atingir, na hipótese ideal, 12 milhões de nordestinos.

Daí que o número de assentamentos no governo Lula, até agora, não tenha superado aquele realizado no governo FHC. O interesse na reforma agrária é quase nulo, já que parte importante do apoio aos projetos do governo no Congresso vem da bancada ruralista, isto é, dos proprietários de terra.

Os direitos dos indígenas

Vejmos o que diz o CIMI (Conselho Indigenista Missionário), em nota publicada ao final de sua Assembléia Geral, em 3 de agosto de 2007: “(...) A nefasta política macroeconômica neoliberal, a serviço das grandes corporações transnacionais que se abate sobre a Abya-Yala dos povos denominados latino-americanos, busca o controle total dos territórios de camponeses e indígenas e dos recursos naturais. A agressividade do capital ameaça os direitos e a vida dos povos e das populações do campo.

O Programa de Aceleração do Crescimento, PAC, um projeto onde as dimensões humana, social e de futuro estão ausentes, desterritorializado, com a previsão de um elenco de obras de infra-estrutura como a transposição das águas do rio São Francisco, a construção das hidrelétricas que atingem terras indígenas, a exemplo de Belo Monte no rio Xingu/PA, Jirau e Santo Antônio no rio Madeira/RO, do Complexo do rio Juruena/MT e Estreito no rio Tocantins/MA, atendendo a poderosos interesses econômicos, atropela os direitos dos povos indígenas e das populações rurais e violenta a natureza.

O agronegócio, apoiado pelas políticas governamentais, que se caracteriza pelos monocultivos para o mercado internacional, pelo uso intensivo de produtos químicos (agrotóxicos, adubos), pela mecanização pesada, pelas tecnologias totalitárias e agressoras à biodiversidade, paralisa a demarcação das terras indígenas e mantém a concentração fundiária. O avanço do desmatamento praticado por fazendeiros, grileiros e madeireiros na Amazônia brasileira e nos países limítrofes significa uma ameaça permanente aos mais de 60 povos que se encontram em situação de isolamento. (...)  Cresce assustadoramente a violência contra os povos indígenas, com características de genocídio como no Mato Grosso do Sul, onde somente neste ano foram assassinadas 21 lideranças dos povos Guarani Kaiowá e Terena.(...)”

O movimento indígena tem denunciado sem cessar o esquecimento por parte do governo Lula dos compromissos assumidos antes de sua eleição em 2002, em função de suas novas alianças com o capital financeiro, com o agronegócio, com os interesses dos grandes. Como evidência destas alianças, ficou famosa a frase do presidente Lula, em 21 de novembro de 2006, anunciando que iria afastar todos os entraves ao crescimento econômico do país, entre os quais listou as questões dos índios, quilombolas, ambientalistas e o Ministério Público.

A questão ambiental

O governo Lula parece ignorar totalmente os alertas que vêm sendo divulgados ano a ano por diferentes organismos mundiais sobre as ameaças ao meio-ambiente. Em pronunciamento em fins de 2006, Lula apontou entre os empecilhos ao crescimento econômico do Brasil, o meio-ambiente e os índios. O primeiro indício deste comportamento irresponsável frente ao meio-ambiente se manifestou quando o governo decidiu ceder aos plantadores de soja transgênica no sul do país que haviam plantado ilegalmente. Em seguida, o governo permitiu a plantação da soja transgênica. A CTNBio, que avalia o risco do uso dos tipos de semente, recentemente liberou o plantio do milho transgênico (a liberação foi sustada por uma liminar). O governo se omitiu frente a esta decisão. Em seguida, face às denúncias do risco de desvitalização do Rio São Francisco, com o projeto de transposição, o governo ignorou as denúncias e manteve o projeto. Entre os projetos incluídos no PAC, está a construção das hidrelétricas do Rio Madeira, em Rondônia, e muitas outras (no Xingu, no Tocantins etc.). Os movimentos sociais, os movimentos indígenas, várias ONGs ambientalistas e defensoras dos indígenas vêm denunciando as funestas conseqüências sociais e ecológicas destes projetos. O governo igualmente ignorou estas denúncias. Frente às dificuldades encontradas no IBAMA, que não concedia a licença ambiental dos projetos das hidrelétricas, o governo pressionou o Ministério do Meio-Ambiente e conseguiu a divisão daquele instituto em dois órgãos. Deste modo, em pouco tempo, conseguiu a licença requerida.

No caso da Amazônia, a lei aprovada em 2006, de manejo florestal, foi mais um passo na concessão cada vez maior que é feita às madeireiras. Ao invés de investir na fiscalização rigorosa da exploração da madeira – para o que poderia facilmente obter a colaboração das Forças Armadas -, o governo preferiu o caminho do não-enfrentamento com os exploradores. Ademais, os recursos oferecidos ao agronegócio está levando inúmeros produtores a penetrar na Amazônia e a desmatar ainda mais. De modo que, embora os dados estatísticos apontem para a redução do grau de desmatamento nos últimos dois anos, o desmatamento continua e as políticas adotadas fazem prever o seu aumento.

Finalmente, o governo se propõe retomar o projeto nuclear Angra 3, paralisado há muitos anos, e construir três novas usinas nucleares no Nordeste. É certo que a energia nuclear não libera gases do efeito estufa, mas o risco de acidentes é inevitável, como se viu recentemente com uma usina no Japão que, atingida por um terremoto, deixou vazar material radiativo.

O sistema tributário brasileiro

Nosso sistema tributário é um dos mais injustos do mundo: seu simples funcionamento gera uma desigualdade crescente. Porque é um sistema regressivo, ou seja, proporcionalmente os pobres pagam mais que os ricos. Como é possível isso? Primeiro, porque os impostos sobre o consumo são (proporcionalmente) mais pesados que o imposto sobre a renda. Assim, visto que tanto o pobre como o rico consomem pão, leite, arroz, feijão, café, pagam ônibus, metrô, etc. e como, em todos os produtos, há incidência de impostos, o pobre acaba pagando mais. Porque o peso daquele imposto nas despesas do pobre é muito maior do que nas despesas do rico. Um estudo do Unafisco Sindical mostra que, para uma família que ganha até 2 salários-mínimos, o peso do imposto sobre o consumo representa 46% de seu orçamento, enquanto que, para uma família que ganha mais de 30 salários-mínimos, representa apenas 16%.

Por outro lado, o imposto sobre a renda, que poderia cobrar mais do rico, porque ele ganha mais - como ocorre nos países desenvolvidos – só tem duas faixas de renda, 15% e 27,5%. Sendo que esta última faixa começa a ser cobrada de quem ganha a partir de R$ 2.630,00 por mês. Ora, uma pessoa que ganha R$ 30.000,00 paga 27,5%, do mesmo modo que uma pessoa que ganha R$ 3.000,00. Para a que ganha menos, porém, o peso do imposto é muito maior. Em alguns países desenvolvidos, há alíquotas que começam em 5% e vão até 50%, por exemplo, variando de acordo com a remuneração do cidadão.

Além disso, há impostos que são importantes nos países desenvolvidos e que, no Brasil, são quase inexistentes. Por exemplo: embora o país seja tenha uma das maiores concentrações de propriedade da terra do mundo, o imposto sobre a propriedade rural é baixíssimo. Os impostos que têm incidência sobre o patrimônio no Brasil apresentam uma arrecadação insignificante, apenas 3,4% do montante arrecadado. O ITR, graças à lei 9.393, de 19/12/1996, que desonerou o patrimônio rural, vem caindo desde então: arrecadou R$ 496 milhões em 1996 e, em 2004, R$ 329 milhões.

A elevação da carga tributária (de 28% para 37% do PIB, entre 1995 e 2005, sendo 6,39% até 2002) não se destinou para os serviços públicos, mas para cobrir – e apenas em parte – os juros e a amortização da dívida pública, que cresceu exponencialmente nos últimos dez anos.

A partir de 1995, um conjunto de modificações na legislação tributária brasileira constituiu uma verdadeira “reforma tributária”, que concedeu privilégios tributários à renda do capital e onerou os trabalhadores e consumidores. Sobretudo o COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social). Estas alterações agravam a regressividade da carga tributária brasileira.

O governo Lula editou a MP 281 (15/02/2006), reduzindo a zero as alíquotas de IR e de CPMF para investidores estrangeiros no Brasil. Novamente, os grandes beneficiados são os bancos (ver: Unafisco Sindical, 2006).

A desigualdade social

A mídia volta e meia divulga reportagens dando conta de uma diminuição da desigualdade social no Brasil, desde os tempos do governo FHC mas, com maior intensidade, no governo Lula. A prova de que estaria havendo esta redução seria o índice de Gini, que mede a desigualdade social em cada país: no Brasil, ele teria caído de 0,59 para 0,54 entre 1980 e 2005 (Pochmann, 2007). Aqui, o fator apontado para esta diminuição da desigualdade seriam as políticas sociais, em primeiro lugar, o Bolsa-Família. A questão que fica no ar é: como é possível estar ocorrendo redução da desigualdade se, todos os anos, os lucros dos bancos são maiores que no ano anterior? e se estes lucros são proporcionalmente bem mais altos que o aumento dos salários?

Foi este impasse que Guilherme Delgado, pesquisador do IPEA, resolveu, mostrando que o índice de Gini é calculado com base na PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar). Embora esta pesquisa seja importante, ela só capta a renda das famílias (renda do trabalho e rendimentos oriundos da seguridade social): ela capta apenas um terço do conjunto da renda no Brasil. E, neste campo, houve redução da desigualdade, sim. Em parte, graças ao Bolsa-Família mas, muito mais, graças ao aumento real do salário-mínimo e graças à Previdência Social – o maior programa de redistribuição de renda no país. Para se ter uma idéia, o Bolsa-Família corresponde a 0,3% do PIB, enquanto que os benefícios da Previdência chegam a 7% do PIB, atingindo 77 milhões de pessoas.

Na verdade, o que há é uma transferência de renda entre os assalariados que ganham mais – a classe média – e os setores sociais mais pobres. A carga tributária aumentou especialmente em cima desta classe social que, além do mais, tem de pagar vários serviços, como a saúde (os planos de saúde) e a educação (os colégios dos filhos). É isto que as pesquisas nos últimos anos têm constatado: o achatamento da classe média. O professor Waldir Quadros constata que, entre 1981 e 2004, os estratos sociais A e B caíram de 13,7% para 11,4% da população, enquanto os estratos D e E aumentaram de 61% para 66,4%[7]. Segundo Márcio Pochmann, em 1980 a classe média era cerca de 30% da população e hoje foi reduzida a cerca de 20% (Pochmann, 2007).

No entanto, se considerarmos o conjunto da renda do país, a desigualdade não diminuiu, ao contrário, aumentou: “a distribuição funcional da renda – estritamente na relação massa de salários e ordenados pagos / lucros brutos – cai sistematicamente no período, de uma proporção de 68% em 1999 para 59,8% em 2003. Isto significa uma piora na distribuição funcional capital-trabalho, refletindo o processo de concentração econômica dos mercados no período” (Delgado, 2006). Pochmann completa esta observação para anos mais recentes: “em 2005, a participação do rendimento do trabalho na renda nacional foi de 39,1%, enquanto que, em 1980, era de 50%. (...) No fundamental, o crescimento relativo na renda dos proprietários encontra respaldo no avanço dos detentores da riqueza financeira” (Pochmann, 2007).

_____________________

O que dissemos até aqui não significa desconhecer uma série de medidas positivas que o governo Lula tomou ou está implementando: alguns aspectos da política externa, o reforço do Estado (substituição de terceirizados por concursados, por exemplo), a elevação real do salário-mínimo e do piso das aposentadorias, criação de empregos, o programa Bolsa-Família, o apoio à agricultura familiar, a atuação da Polícia Federal, etc. Poderíamos fazer uma longa lista destas realizações e elas, sem dúvida, representam um avanço em relação ao governo FHC.

O que queremos deixar bem claro é que tudo isto não pode esconder o fato de que, enquanto a política macroeconômica for esta, as conseqüências sociais serão aquelas que nós apontamos acima e a criação de empregos será seriamente limitada (90% deles com remuneração até dois salários-mínimos, segundo Pochmann). Pois não haverá uma dinâmica de geração de empregos, já que este não é um modelo de desenvolvimento e, sim, de ajuste fiscal. Seu objetivo não é atender às necessidades da maioria mais pobre da sociedade e produzir uma situação de bem-estar social e, sim, atender aos interesses do capital financeiro que, graças às políticas governamentais, recebe a maior parte da riqueza e da renda nacional. A parte que é dedicada à maior parte da população, especialmente aos pobres, é muito menor do que aquela que vai para a menor parte da população, os ricos. No gráfico abaixo, a dívida pública é a parte do orçamento que vai parar nos bolsos dos bancos internacionais e nacionais e daqueles que investem financeiramente – algo que não ultrapassa 4% dos brasileiros.

\"\"

Fonte: Rede Jubileu Sul/Brasil – Auditoria Cidadã da Dívida - 2006

O segundo mandato

Havia uma expectativa por parte de alguns setores, gerada especialmente pelo 2º. turno da eleição presidencial de 2006, de que o governo Lula faria um segundo mandato mais próximo dos ideais que sempre defendeu (antes de chegar ao poder). No entanto, tal como frei Betto havia previsto, este segundo mandato está sendo mais comprometido com os interesses do capital financeiro, do grande empresariado e do agronegócio, do que o primeiro.

A grande preocupação do governo é ter “governabilidade” (ter maioria sólida para aprovar seus projetos). Maioria para aprovar projetos que, em sua maioria, vão contra os interesses populares – como os acima citados. A lógica da construção do segundo mandato apóia-se na montagem desta maioria, e o partido que o governo escolheu para isso é o PMDB. Desconhecemos qualquer compromisso do PMDB com a transformação social, com um projeto de nação que priorize os interesses da maioria trabalhadora. Pensemos especialmente nas principais lideranças do PMDB que agora são aliadas do governo: Sarney, Renan Calheiros (presidente do Senado), Newton Cardoso (MG), Jader Barbalho (PA), Romero Jucá (RR). O esforço monumental que o governo está fazendo para garantir a permanência de Renan Calheiros na presidência do Senado – apesar das evidências de corrupção - é um sinal da importância dos acordos feitos com ele.

É aqui que se desmascara a idéia – que o governo tanto se esforçou para difundir – de que este é um governo comprometido com o combate à corrupção. É verdade que a polícia federal está fazendo operações inovadoras, investigando e prendendo pessoas pertencentes à elite envolvidas com o crime. Esta é sem dúvida a primeira vez em que isso ocorre em tal proporção neste país. No entanto, o governo federal tem se aliado a figuras políticas cuja ligação com a corrupção é notória. As operações da polícia federal não as atingem. Os interesses políticos do governo são tais que estas figuras são protegidas e apoiadas publicamente pelo presidente, pelos líderes do governo, por seus ministros, mesmo quando há todas as evidências de improbidade administrativa.

Se examinarmos a disputa eleitoral entre os dois principais candidatos nas eleições de 2006, veremos uma situação esdrúxula: a principal política, a política econômica, não foi debatida. E não o foi porque não havia nenhuma divergência essencial entre os dois partidos. O PT – outrora partido de oposição à dominação do capital financeiro - assumiu o projeto econômico do PSDB. Resultado: o principal partido de oposição ao governo Lula, o PSDB, não tinha programa alternativo a propor.

A atual situação no Congresso, segundo a mídia, é uma aliança governamental composta por 11 partidos, a começar pelo PMDB. Do mesmo modo que no primeiro mandato, é previsível que, nas questões chave, o PSDB apóie os projetos governamentais. Temos, portanto, cerca de 80% do Congresso numa aliança em apoio à política econômica dominante. A oposição partidária de esquerda está reduzida a um pequeno número de parlamentares, pequeno embora combativo. A maioria dos antigos partidos de esquerda mudou de posição (PT, PCdoB): a antiga oposição ao neoliberalismo foi desmontada. Hoje, a verdadeira oposição está majoritariamente na sociedade civil, em movimentos sociais, em pastorais sociais, em entidades diversas, em articulações que estão pouco a pouco assumindo o papel que havia sido dos partidos, tal como o papel de discutir um projeto de nação.

O governo Lula também não está contribuindo para tornar o Congresso uma instituição composta de parlamentares comprometidos com o bem-estar do povo brasileiro. A forma de obter apoio de deputados e senadores é a mesma utilizada por governos anteriores: a barganha (benefícios, benesses, cargos). Para este tipo de maioria funcionar, é preciso parlamentares dispostos a este jogo. Existem formas ilegais de obter apoio (o “mensalão”, por exemplo), mas existem também formas “legais”: as emendas parlamentares são uma delas. Não se vê qualquer preocupação governamental de mudança deste dispositivo legal, que seria um passo no caminho da moralização das relações entre Executivo e Legislativo.

Ou seja, a corrupção no Legislativo não tem origem nele mesmo: ela é o resultado da maneira como o governo se relaciona com o parlamento. Em primeiro lugar, hoje em dia, a elaboração das leis é obra quase exclusiva do Executivo e não do Legislativo, que só faz aprovar – ou não – as medidas provisórias ou os projetos que vêm do governo. E o governo precisa do apoio da maioria dos parlamentares para aprová-los: é aí que entra o jogo da corrupção, como meio para “comprar votos”. Por outro lado, empresas, bancos, empreiteiras, precisam dos votos dos parlamentares para favorecer seus projetos (leis, obras etc.). Não é sem razão que são exatamente as empreiteiras, os bancos e as grandes empresas que financiam as campanhas eleitorais. E, neste ponto, parlamentares e governo passam a ter interesses comuns.

Se se quiser saber por que o governo investiu tão pesadamente para impedir a aprovação da “CPI da Navalha” (junho/2007), é só ler os dados que a mídia divulgou após as eleições de 2006, sobre os gastos da campanha presidencial e seus principais doadores. “Quem mais doou para Lula foram as empreiteiras” (O Globo, 30/11/2006). O jornal continua: “Setor da construção contribuiu com R$ 13,8 milhões; já os bancos deram R$ 11,8 milhões para a campanha petista. As empreiteiras, empresas do setor da construção civil, foram as maiores doadoras da campanha pela reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva”. Observe-se que a empresa individual que mais contribuiu foi a Vale do Rio Doce, R$ 4,3 milhões. Entre os quinze maiores doadores individuais estão três das grandes empreiteiras: Camargo Corrêa, OAS, Andrade Gutiérrez.

Talvez a conseqüência negativa mais séria do governo Lula tenha sido para o campo da esquerda: uma parte dos que pertencem a este campo abandonaram a luta contra o neoliberalismo (objetivo comum dos participantes dos Fóruns Sociais Mundiais). É como se admitissem que “se nem Lula conseguiu, é porque não é possível mesmo” (e admitir isso é render-se ao dogma neoliberal de que “não há alternativa”). Os objetivos de transformação social se reduziram a pequenas melhorias dentro do modelo neoliberal e ao assistencialismo (que não é senão o pensamento do Banco Mundial). Até 2002, a esquerda no Brasil tinha no PT o seu principal canal político, pelo qual manifestava duras críticas ao pensamento único e às políticas que privilegiavam o capital financeiro. A partir de 2003, pouco a pouco, o PT deixa de ser um partido de transformação social, comprometido com a defesa dos interesses dos trabalhadores e das maiorias pobres deste país, para se tornar o partido do governo, o partido que aprova todo e qualquer projeto vindo do governo – mesmo que seja neoliberal. O PT era também o partido da ética na política, pelo qual se combatia a corrupção vigente na política tradicional e se demonstrava que era possível fazer política de forma diferente. Hoje, a esquerda, a maioria trabalhadora, não tem mais no PT seu canal de expressão nem de defesa da ética na política (no PT, há parlamentares éticos e comprometidos; mas o partido não se preocupou em defender esta marca, achou melhor defender que “era igual aos outros partidos”).

O PT denunciava o superávit primário e a DRU (Desvinculação das Receitas da União) como desvios de recursos que deveriam estar a serviço da sociedade e que atualmente atendem aos interesses do capital financeiro. Hoje, os principais parlamentares do PT defendem tanto um como a outra. Até 2002, o PT era o principal crítico do famoso argumento neoliberal do “rombo” da Previdência, e denunciava a sua falsidade. Hoje, a crítica não tem mais respaldo no PT: ela vem de setores independentes na sociedade civil, de alguns intelectuais, dos movimentos sociais.

O PT continua a existir, é grande e forte, mas não é mais de esquerda (refiro-me à direção nacional, não aos militantes de base e a muitos parlamentares) [8]. Se, amanhã, tiver de votar uma Reforma Trabalhista que flexibilize a legislação, é pouco provável que resista – como não resistiu à aprovação dos transgênicos ou à Reforma da Previdência do setor público (os que resistiram foram expulsos ou acabaram deixando o partido).

Perspectivas

Deixemos um pouco o foco no governo Lula e ampliemos a nossa visão para o que está ocorrendo num espaço mais amplo, na América Latina. Em 2005-2006, as eleições presidenciais desenharam um quadro bem diferente daquele que vinha caracterizando os governos anteriores. Agora já se pode contar Venezuela, Bolívia, Equador e Argentina no campo de governos heterodoxos frente ao neoliberalismo dominante. Embora, na política interna, o governo Lula tenha seguido a linha neoliberal, na política externa tem buscado costurar uma aliança com estes países. E este é sem dúvida, um ponto positivo do governo Lula. Por outro lado, a postura mais ativa de defesa dos interesses nacionais e contra o neoliberalismo por parte destes outros governos se torna um novo condicionante para o governo brasileiro: Bolívia, Argentina, Venezuela, Equador, nacionalizaram ou se dispõem a reestatizar empresas ou serviços privatizados (atitude que o governo Lula jamais cogitou).  Como tem chamado a atenção José Luís Fiori, o jogo político na América Latina está mudando e a maioria dos eleitores tem mostrado uma clara rejeição às políticas neoliberais. Isto é válido inclusive para o México, onde o novo governo situacionista só pôde ganhar graças à fraude. Apesar das enormes dificuldades, crescem as mobilizações sociais para mudar a política econômica dominante e colocar o Estado a serviço do conjunto da sociedade e não do capital financeiro.

Por outro lado, no Brasil, os movimentos sociais ficaram desnorteados nos primeiros tempos do governo Lula, mas pouco a pouco uma parte foi cooptada pelo governo (a maior parte da direção da CUT [9] e da UNE, por exemplo) , enquanto outros foram tomando posições cada vez mais distanciadas. Em vários casos, movimentos sociais confrontaram o governo: caso das reivindicações indígenas, caso da transposição do São Francisco. Este processo foi evoluindo até a Assembléia Popular, em 2005, quando um conjunto de movimentos e pastorais sociais tomou posição pela construção de um novo Brasil e elaborou os elementos principais de um projeto de nação. A realização do segundo turno, nas eleições presidenciais de 2006, permitiu um avanço no posicionamento dos movimentos - que não mais se colocam à espera do que o governo vai fazer mas se dispõem a exigir, nas ruas, aquilo que corresponde aos interesses das classes populares. Já propõem para setembro de 2007 um plebiscito sobre a anulação da privatização da Vale do Rio Doce. Os documentos publicados por vários movimentos e articulações logo depois das eleições são um sinal alvissareiro desta nova posição.

A resistência ao neoliberalismo

Ampliando a nossa visão para a América Latina e para o mundo, vamos perceber que o neoliberalismo domina, mas não controla mais as mentes e os corações. Nos anos 90, o neoliberalismo foi hegemônico: não apenas impunha suas políticas, como tinha apoio consensual. Porém, a partir da crise asiática (1997), suas teses passaram, uma a uma, a ser desmontadas. Vejamos:

- a certeza de que a aplicação da receita neoliberal (Consenso de Washington) alavancaria o crescimento econômico evidenciou-se falsa: todos os países que aplicaram o receituário estão em recessão ou baixo crescimento;

- a resposta única, o caminho único, provou que são vários (câmbio valorizado, câmbio desvalorizado, controle dos capitais na Malásia e na Argentina, caminho independente na China e na Índia, caminho próprio da Coréia do Sul etc.);

- a certeza de que o privado é bom e o público é ruim vem desmoronando frente aos resultados negativos das empresas privatizadas de serviços públicos - tanto no que se refere à eficiência quanto sobretudo às tarifas (energia elétrica, água, telefonia, gás, companhias aéreas, rodovias, ferrovias);

- a proclamada virtude da concorrência vem se desvanecendo em face das continuadas denúncias de cartéis, lobbies, “capitalismo de compadres”, assim como da insegurança gerada pela concorrência selvagem;

- a tese de que, sem o Estado, sem regulação, tudo seria melhor: basta citar o racionamento de energia elétrica na Califórnia e no Brasil; sem falar nos sucessivos grandes escândalos (Enron, WorldCom etc.);

- o resultado da aplicação das políticas neoliberais tem sido sempre o crescimento do desemprego, da pobreza e da miséria, ao mesmo tempo em que cresce a concentração da renda e da riqueza - segundo os relatórios, pelo menos desde 1997, da ONU (PNUD, UNCTAD, UNICEF), do Banco Mundial (BIRD), do próprio FMI e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Isto não significa que o neoliberalismo tenha deixado de ordenar o mundo, mas significa que não detém mais a hegemonia, não é mais consensual, não tem o apoio da maioria (cf. Borón, 2003). Precisa, cada vez mais, do poder de mando (executivos fortes, concentradores) e de um ambiente não-democrático (controle da informação através da mídia), de modo a manter a rédea firme sobre as massas insatisfeitas. Neste sentido, a utilização da temática da “insegurança” para manter a dominação tem sido fundamental: vide a campanha dos Estados Unidos em sua “guerra contra o terror” – exportada para inúmeros países - que permitiu suprimir muitos direitos e liberdades civis, inclusive reintroduzir a prática da tortura como um “direito” do Estado sob pretexto de defesa da democracia. Observe-se que o “direito à integridade física” – contra a tortura – tinha sido uma conquista dos liberais no século XVIII contra o absolutismo do Estado.

Em diferentes países, depois de um período em que os candidatos neoliberais eram sempre eleitos, a partir de 1997 a maioria dos cidadãos passou a votar em candidatos cujos programas eram de oposição a estas políticas: Inglaterra - 1997; França - 1997; Cidade do México - 1997; Alemanha - 1998; Venezuela, 1998; Argentina - 2000; México - 2000; França - 2001; Equador - 2002; Brasil – 2002; Espanha, 2004; Bolívia, 2005; Equador, 2006.  O fato de muitos destes candidatos, depois de eleitos, não terem honrado seus compromissos, não nos impede de ver que a resistência ao neoliberalismo está crescendo no meio dos cidadãos. Isto não impede que candidatos neoliberais sejam novamente eleitos em alguns países – como acaba de ocorrer na França (2007). Mas o consenso neoliberal já deixou de existir.

Uma nova tendência mundial vem aparecendo nos últimos tempos: desde as manifestações públicas contra a globalização por ocasião da reunião da OMC em Seattle (EUA), em novembro de 1999, que reuniram 50 mil manifestantes; na reunião do FMI em Praga (2000), na reunião da União Européia em Nice (2000), na reunião do Fórum Econômico Mundial em Davos (2001) e, em Quebec, por ocasião da Cúpula das Américas (abril/2001), na reunião do G-8 em Gênova, quando o número de manifestantes chegou a 200 mil (julho/2001); e continuam ocorrendo manifestações, a cada vez que algum organismo financeiro internacional se reúne, como agora, na Alemanha, por ocasião da reunião do G-8 (junho/2007).

O Fórum Social Mundial - fruto dos anseios presentes no seio do movimento por uma outra globalização - conseguiu dar um importante passo à frente: o da discussão de propostas alternativas à globalização neoliberal. Deveríamos, na verdade, falar em “galáxia” do Fórum Social Mundial, porque se realizam cada vez mais fóruns sociais de todos os tipos, sejam regionais sejam temáticos. Os encontros de 2001, 2002 e 2003 em Porto Alegre, o de 2004, em Mumbai (Índia), o de Porto Alegre (2005), o Fórum Policêntrico (2006), o Fórum de Nairóbi (2007) significaram um enorme avanço para o movimento: não apenas várias propostas e projetos alternativos de sociedade passaram a ser conhecidos e discutidos, como foi cada vez mais possível reforçar os movimentos que se desenvolvem no interior de cada país e provocar mobilizações a nível internacional. A mais impressionante destas foi o conjunto de manifestações massivas pela paz (contra a guerra do Iraque) em 15 de fevereiro de 2003, que reuniu doze milhões de pessoas em todo o mundo. Estas manifestações não conseguiram impedir a guerra, mas conseguiram deslegitimá-la. Muitos governos se posicionaram contra a iniciativa dos EUA, apoiados nesta mobilização (França, Alemanha, México, para citar alguns exemplos). E em outros países, seus governos acabaram sendo derrubados ou esvaziados, posteriormente (Espanha, Inglaterra).

Como sinais de resistência crescente, temos, hoje, na América Latina, movimentos indígenas com forte organização e grande capacidade de ação (cf. Equador, Bolívia, México) e igualmente movimentos camponeses com forte organização e capacidade de ação (cf. Brasil, México). Temos também vários movimentos novos, como foi, na Argentina, o dos piqueteiros. O que chama a atenção aqui é que são sobretudo estes setores, - considerados “atrasados” segundo a tradição marxista - que estão hoje sendo capazes de fazer frente aos governos neoliberais, de resistir a suas políticas e de tomar a iniciativa. Certamente, uma razão importante para isso é o sério enfraquecimento do movimento operário e sindical pelas políticas neoliberais em articulação com a reestruturação produtiva - que produziram um vasto desemprego, a precarização do emprego e uma enorme informalização do trabalho.

No âmbito da América Latina, diversos movimentos têm feito valer a vontade popular. Na Venezuela, o povo elegeu e, na metade do mandato, confirmou Chávez no poder, apesar de golpes frustrados, da mídia e da oposição dos EUA. Em alguns países, a mobilização social chegou a derrubar governos: a derrubada do presidente do Equador em 2000 pela mobilização indígena e em 2005, com apoio de alguns outros setores e, finalmente, a eleição de um presidente mais comprometido com os setores populares, Rafael Correa (2006); a derrubada do presidente da Argentina, Fernando de la Rúa, em 2001 e, logo em seguida, de dois outros presidentes, até conseguir a eleição de Kirchner (afastando de vez Menem); a derrubada do presidente da Bolívia pelo movimento popular em 2003 e depois em 2005 e, neste mesmo ano, a eleição de um representante indígena, Evo Morales, para presidente. Movimentos sociais também conseguiram impedir a continuação do processo de privatização por Alejandro Toledo no Peru. Estas são práticas de democracia direta, postas em ação exatamente pela falência das instituições democráticas existentes, que não exprimem a vontade popular.

Poderíamos dizer que, num primeiro momento, os neoliberais conseguiram seguidamente vitórias eleitorais, graças ao consenso gerado em torno de seu ideário. Depois de alguns anos e muitas decepções, em vários países, os cidadãos passaram a eleger candidatos anti-neoliberais. No entanto, a maioria deles, chegando ao poder, manteve a continuidade da política anterior (de Blair a Schroeder até Lula e Gutierrez). Em alguns países, depois de algum tempo, a população reagiu e derrubou-os. Esta última ocorrência, no entanto, não é generalizada, limita-se a alguns países. E, finalmente, em alguns países, os governos eleitos têm mantido as promessas eleitorais: Venezuela, Bolívia (e Equador, pelo menos até o presente momento - julho de 2007).

Por outro lado, há fortes experiências democráticas se desenvolvendo a nível subnacional. Em vários países estão surgindo governos municipais ou locais baseados em ampla participação popular, inclusive ao nível decisório. Este é o caso do orçamento participativo - que se iniciou no Brasil, mas já é praticado em outros países -, que representa indubitavelmente um avanço na concepção e na prática da democracia, na medida em que articula a democracia representativa já existente a formas de participação direta da população. Mas não se resume a ele: a experiência de construção do poder em Chiapas, no México, é certamente muito importante em termos de inovação democrática; a resistência popular em Oaxaca, no mesmo país, também merece ser citada (Assembléia Popular dos Povos de Oaxaca).

Aníbal Quijano chama a atenção para novas práticas desenvolvidas em alguns lugares: “A produção democrática já está começando. (...) Estão começando a ser geradas em todo o mundo formas de autoridade que podem se chamar comunidade. É produzida e controlada por seus eleitores. É o caminho e a meta. (Frente às tendências de dominação imperial) estão também em expansão a reciprocidade na organização do trabalho e a comunidade como estrutura de autoridade pública. (...) A reciprocidade consiste, precisamente, no intercâmbio socializado do trabalho e da força de trabalho, de seus recursos e de seus produtos. E a comunidade como estrutura de autoridade é, sem dúvida, a forma de socialização ou democratização plena do controle da geração e da gestão da autoridade pública” (Quijano, 2002).

Robert Grosse e Carlos Santos chamam a atenção para a vitória que foi obtida no Uruguai com o plebiscito contra a privatização da água: “Através dos mecanismos de democracia direta, organizações sociais nucleadas na Comissão Nacional em Defesa da Água e da Vida (CNDAV) respaldadas por 64,6% da cidadania, conseguiram incluir na constituição do Uruguai a consideração da água como um direito humano fundamental, assentando as bases para que a gestão dos recursos hídricos seja pública e esteja baseada em critérios de participação social e sustentabilidade. Além de modificar substancialmente a situação no Uruguai, este fato marca um importante precedente internacional, por tratar-se de uma das primeiras experiências de incluir um direito ambiental na constituição de um país através da democracia direta. (...) Isto se coloca diretamente contra as políticas neoliberais que foram aplicadas a partir dos anos 90. A organização do povo e a utilização de um instrumento da democracia direta – o plebiscito – pôde interromper o processo neoliberal” (Grosse e Santos, 2005).

É preciso reinventar a política, radicalizar a democracia

Para Chico de Oliveira, é “urgente criar novas formas de fazer política. Plínio de Arruda Sampaio propõe os clubes democráticos: é como se nós tivéssemos que reinventar os clubes jacobinos. E vamos ter que reinventá-los. Para criar um novo espaço de conflito, um novo espaço capaz de dizer aquilo que o sistema representativo já não tem capacidade de dizer porque ele foi completamente absorvido. Fábio Comparato (cf. Comparato,  2004b) tem uma proposta de uma confederação geral de ONGs, associações civis e políticas, associações populares,  para formar um contra-poder popular” (Oliveira, 2004).

Para a criação deste contra-poder popular, é preciso articular movimentos sociais, redes de movimentos, ONGs, Igrejas, outras entidades representativas da sociedade civil, para se manifestar e tomar posição a cada vez que a conjuntura o exigir e, sempre que possível, antecipando-se aos fatos. No caso brasileiro, por exemplo, esta articulação deverá exigir publicamente do governo a mudança da política econômica, a promoção de crescimento com distribuição de renda e geração de empregos.[10]

Isto implica, é claro, reforçar o processo de organização popular, de resistência e de luta a partir das bases. É preciso reforçar os movimentos dos setores populares e sua autonomia – sua independência face aos poderes constituídos, sejam eles quais forem. É preciso reforçar a sua organização de forma democrática, para que não se reproduzam neles os vícios que caracterizam as organizações políticas tradicionais. É preciso que os movimentos se reforcem através da articulação em redes, desde as bases, para que a capacidade de ação e de impacto seja maior [11]. Os que tiverem meios devem ampliar as redes até o nível nacional, latino-americano e mesmo internacional.

Não basta organizar um partido comprometido com os interesses populares. É preciso que suas estruturas, seu modo de funcionamento, sejam radicalmente democráticos, de modo que a maioria possa efetivamente interferir na sua direção. Do contrário, ele nasce popular, democrático, e pouco a pouco se torna elitista, centralizador e autoritário (cf. a obra clássica de Robert Michels, Os partidos políticos, de 1912).

É preciso que o governante eleito esteja de tal modo comprometido com o programa pelo qual foi eleito que não possa se desfazer dele. Hoje, basta ele dizer que não pôde cumprir e está justificado. É preciso que os cidadãos tenham meios, que haja instituições políticas que permitam seja obrigar a cumprir o programa que os cidadãos votaram, seja destituir o governante. Seria preciso existir, neste caso, um direito de revogabilidade: no caso em que o eleito abandona o programa que lhe possibilitou a eleição. É claro que um direito como este deve ser cercado de uma séria regulamentação – para não ser usado irresponsavelmente.

Há duas propostas, entre outras, que podem contribuir para tornar o poder do povo (a soberania popular) efetivo. Uma é o plebiscito. E vimos que ele tem sido importante no Uruguai, inclusive recentemente. É preciso uma profunda reforma política no país, não apenas eleitoral e partidária. A proposta de Fábio Comparato, assumida pela OAB e pela CNBB, de regulamentação do plebiscito e do referendo, para que ele não dependa unicamente do governo e da maioria do Congresso, vai neste sentido: é preciso que a própria sociedade civil, apoiada por uma minoria no Congresso, possa propor plebiscitos.

A outra proposta, originária de Oded Grajew, é que um Conselho, composto de representantes de entidades da sociedade civil, controle, a cada período – digamos, um ano – se o eleito (seja presidente, governador ou prefeito) está cumprindo suas promessas de campanha, seu programa eleitoral. E que este controle seja publicado. Com isso, se vinculará o candidato ao seu programa. Ele será responsável perante a sociedade pelo programa pelo qual foi eleito, pelas promessas feitas.

É preciso estabelecer o controle social da esfera pública (por via institucional e não- institucional). Seria preciso, por exemplo, organizar um “Comitê de Cidadãos” para controlar e fiscalizar o Banco Central (Oliveira, 2004). Uma experiência que vai nesta direção e que está sendo bastante eficaz como forma de controle cidadão é o chamado Grupo de Acompanhamento do Legislativo. Organizado por movimentos sociais e entidades da sociedade civil de uma determinada localidade, permite acompanhar, fiscalizar e cobrar a atuação dos parlamentares. Do mesmo modo, os mandatos parlamentares deveriam ser constituídos sob a forma de mandato participativo (ou coletivo), de modo que o mandato deixe de ser uma iniciativa meramente individual, mas tenha a participação efetiva daqueles que elegem o representante [12].

Podemos também fazer o acompanhamento do Executivo (municipal, estadual, nacional): o acompanhamento das licitações, dos contratos – de transporte coletivo, de coleta de lixo, de publicidade, de obras etc. Este tipo de acompanhamento é mais exigente que o do Legislativo, exige mais capacidade técnica, mas é possível. A Campanha Jubileu Sul está realizando a auditoria da dívida externa por iniciativa dos próprios movimentos e entidades da sociedade civil. Já que o governo federal não cumpre o seu papel, a iniciativa da sociedade o substitui. É claro que o acesso aos documentos é mais difícil, porém é possível. 

Estes são apenas alguns exemplos, algumas medidas, entre as muitas que deveriam ser tomadas para garantir um processo efetivamente democrático.

Na verdade, temos de ir construindo sólidas estruturas democráticas, de baixo para cima, do nível local para o estadual, para o regional, até chegar ao nacional. Instâncias que permitam o controle, a decisão da base para o topo. É a partir do nível local, como vimos anteriormente, que muitos avanços têm sido conquistados: prefeituras democráticas, orçamento participativo, controle social da gestão, conselhos com participação da sociedade civil, grupos de acompanhamento, etc. Tais experiências têm se verificado em muitas municipalidades/regiões no Brasil, mas também no México, na Bolívia, no Peru, no Equador, na Argentina, na República Dominicana e em outros países. A experiência bem sucedida do orçamento participativo levou-o a ser adotado inclusive em municipalidades de países do Primeiro Mundo (na Espanha, na França, na Alemanha, para citar apenas alguns exemplos). Os conselhos de cidadania (municipais, estaduais, nacionais), quando implementados de forma democrática – com representantes da sociedade civil, quando se consegue evitar a cooptação por parte do executivo – são uma instituição excelente para participação nas decisões, controle e fiscalização por parte da sociedade.

É preciso radicalizar a luta pelos direitos humanos. Vivemos num período em que, por debaixo do discurso que mantém a aparente centralidade dos direitos humanos, eles estão sendo abandonados e demolidos. Desde os direitos civis, tornados relativos pela ideologia da “guerra ao terror”, capaz de tornar todo Estado “democrático” um “Estado de exceção” (Agamben, 2004); até os direitos sociais, desprezados e destituídos da categoria de “direitos” para se transformar em possibilidades (isto é, não direitos), graças à ideologia neoliberal, que transfere todas as responsabilidades para o indivíduo e destitui o Estado de sua função social. Se, depois da barbárie da Segunda Guerra Mundial, os direitos humanos tiveram seu momento de exaltação, a hegemonia neoliberal e os interesses dos países centrais do capitalismo tendem a desmontar o valor que era atribuído a estes direitos. Cabe radicalizar a luta para colocar a sociedade sobre o alicerce dos direitos humanos, os direitos na sua integralidade e indivisibilidade: direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais.

Um elemento fundamental para a efetividade da democracia é a conquista da transparência, da publicidade, do acesso a todos os cidadãos, da informação, do conhecimento sobre aquilo que é público. A condição para evitar a corrupção – ou, ao menos, para reduzir sua possibilidade – é a transparência. Por incrível que pareça, já existem prefeituras no Brasil que colocam suas contas, seu orçamento, na Internet, abertas ao conhecimento público. Já o SIAFI – sistema de acompanhamento financeiro da União -, através do qual se pode saber onde o governo está alocando os recursos públicos, ainda não é acessível ao público, só aos parlamentares federais: os cidadãos não têm como saber onde está indo o seu dinheiro. Temos de lutar para que o SIAFI se torne acessível a todo o público.

É preciso conquistar a democratização dos meios de comunicação. A mídia, sendo uma concessão pública, tem de obedecer a normas democráticas, tem de expressar os interesses presentes na sociedade e não apenas os interesses dominantes. Enquanto a mídia for uma atividade privada, submetida apenas à vontade do seu proprietário – e não um serviço ao público, com normas próprias -, dificilmente se conseguirá fazer valer os interesses da maioria. Particularmente nos tempos que correm, em que há uma fusão cada vez maior da propriedade de veículos de comunicação, instalando um verdadeiro oligopólio.

Para que as eleições, as campanhas, dependam menos da influência do poder econômico, dos bancos, das grandes empresas, das empreiteiras, será preciso conquistar, na reforma política, o financiamento público das campanhas eleitorais. O cientista político Jairo Nicolau apontou o peso das contribuições empresariais nas eleições: em 2002, elas corresponderam a 94% do total de contribuições para as eleições presidenciais, 69% para as eleições para governador e 57% para as eleições para deputados federais.

É preciso criar instituições que possibilitem o controle, a influência dos cidadãos sobre o governo durante o período governamental – isto deverá incluir o plebiscito, o referendo, conselhos da sociedade civil, Comissão de Acompanhamento do Mandato ou algo semelhante. A mobilização nas ruas para derrubar um presidente só é utilizada quando a cidadania não tem meios institucionais para fazer valer a sua vontade: estes meios precisam ser criados e desenvolvidos.

Em suma: a resistência ao neoliberalismo vem crescendo progressivamente. Certamente, a luta é difícil e as condições em que ela é realizada são exigentes. Mas não estamos mais na estaca zero: já conseguimos avançar muito. Não podemos, pois, desanimar: embora difícil, apesar de trabalhoso, é o esforço contínuo de se reunir, de conhecer melhor, de organizar, de mobilizar, de se articular, é este esforço que começa pequeno, em baixo, na base e, pouco a pouco, vai crescendo, é este esforço que, no devido tempo, produz frutos. As grandes mobilizações surgem das pequenas, os grandes movimentos dependem das organizações de base. Sem o trabalho lento e paciente nas bases, nunca chegaríamos onde já estamos. A dramática situação social engendrada pelas políticas e pela globalização neoliberal se ergue como uma clara evidência de que manter este caminho será a destruição do tecido social, das relações sociais. Cabe a nós contribuir para mudar os rumos da história e construir uma sociedade justa, solidária e radicalmente democrática.

Referências bibliográficas

AGAMBEN, Giorgio (2004). Estado de exceção. São Paulo, Boitempo.

ASSIS, José Carlos de (2005). A Macroeconomia do pleno emprego. In: SICSÚ, João, PAULA, Luiz Fernando de, MICHEL, Renaut (orgs.) (2005). Novo desenvolvimentismo: um projeto nacional de crescimento com eqüidade social. Barueri, Manole; Rio de Janeiro, Fundação Konrad Adenauer, p. 77-93.

BAUMAN, Zygmunt (1999). Em busca da política. Rio de Janeiro, Jorge Zahar.

BENJAMIN, César et alii (1998). A Opção brasileira. Rio de Janeiro, Contraponto.

BOBBIO, Norberto (1984). Il Futuro della democrazia. Torino, Einaudi. (Trad. port.: O Futuro da democracia).

CARDIM, Fernando (2005). Desafios para a democracia no Brasil. In: Benevides, M. V. e Cardim, F. Desafios para a democracia no Brasil. (Debates sobre Conjuntura n. 2), São Leopoldo, Ed. OIKOS; Rio de Janeiro, CEDAC/NOVA/ISER ASSESSORIA, p. 13-21.

CARNEIRO, Maria Lúcia Fatorelli e ÁVILA, Rodrigo Vieira de (2007). “A Dívida e as privatizações”. Mimeo, 15 págs. (apud www.divida-auditoriacidada.org.br).

CARVALHO, Carlos Eduardo (2005). Dívida Pública: um debate necessário. In: SICSÚ, PAULA e MICHEL (orgs.) (2005), op.cit., p. 379-399.

COMPARATO, Fábio K. (2004a). Reflexões desabusadas sobre o abuso do poder”. Agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br), 18/02.

(2004b). “Organizar o contra-poder popular”. Folha de São Paulo, 22/02.

CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA – 1ª. Região – RJ (2007). Tomada de posição 001/07, sobre o PAC. Centro de Estudos para o Desenvolvimento. 28/maio/2007. Mimeo, 5 págs.

COUTINHO, Carlos Nelson (1980). A Democracia como valor Universal. São Paulo, Ciências Humanas.

CPT (2006). Conflitos no campo 2006. Goiânia, CPT Nacional.

DAVIS, Mike (2006). Planeta Favela. São Paulo, Boitempo.

GONÇALVES, Reinaldo (2002). Vagão Descarrilhado: o Brasil e o futuro da economia global. Rio de Janeiro, Record.

GROSSE, Robert, THIMMEL, Stefan e TAKS, Javier (orgs.) (2004). Las Canillas abiertas de América Latina. La resistencia a la apropiación privada del água en América Latina y en el mundo. Montevideo, Casa Bertolt Brecht.

LEITE, Sérgio Pereira (2007). Mitos sobre a Reforma Agrária Brasileira. Observatório de Políticas Públicas para a Agricultura. n. 01 – Junho 2007.

LESBAUPIN, Ivo (2000). Poder local x exclusão social. A experiência das prefeituras democráticas no Brasil. Petrópolis, Vozes.

(2005). “A Reinvenção da democracia”. Democracia Viva. Rio de Janeiro: 1 (25): 81 - 85, 2005.

(2005). Desigualdade e democracia no Brasil. In: MINEIRO, A. e LESBAUPIN, I. Desigualdade e democracia no Brasil. (Debates sobre Conjuntura n. 1), São Leopoldo, Oikos; Rio de Janeiro, CEDAC/NOVA/Iser Assessoria.

MACPHERSON, C. B. (1978). A Democracia liberal: origens e evolução. Rio de Janeiro, Zahar.

NASSIF, Luís (2007). Os Cabeças de planilha. Como o pensamento econômico de FHC repetiu os equívocos de Rui Barbosa. 2ª. ed., Rio de Janeiro, Ediouro.

MANIFESTO DOS ECONOMISTAS (2003). A Agenda Interditada: uma alternativa de prosperidade para o Brasil”. Junho.

MANIFESTO DOS ECONOMISTAS (2004). “E nada mudou. Por uma política econômica voltada para um projeto nacional de desenvolvimento, com prioridade para a geração de empregos e a redução das desigualdades sociais”. Novembro.

OLIVEIRA, Francisco de (2000). Privatização do público, destituição da fala e anulação da política: o totalitarismo neoliberal. In: Oliveira, F. e Paoli, M. C. Os Sentidos da democracia. Petrópolis, Vozes, p. 55-81.

(2004) - “Por que política?” (conferência no seminário da Agenda Pós-Neoliberal por ocasião da UNCTAD - São Paulo).

PATEMAN, Carole (1970). Participation and democratic theory.  Cambridge, Cambridge Univ. Press. (Trad. port.: Participação e teoria democrática).

PAULA, João Antonio de (org.) (2003). A Economia política da mudança: os desafios e os equívocos do início do governo Lula. Belo Horizonte, Autentica.

(org.) (2005). Adeus ao desenvolvimento: a opção do governo Lula. Belo Horizonte, Autentica.

POCHMANN, Márcio et alii (2004). Atlas da exclusão social no Brasil, volume 3: os ricos no Brasil. São Paulo, Cortez.

(2007). “Paradoxo distributivo no Brasil”. Jornal Valor Econômico, 12/07/2007.

QUIJANO, Aníbal (2002). Colonialidade, poder, globalização e democracia. Novos Rumos, 17 (37): 4-28.

RICUPERO, Rubens (2005). “Um projeto arcaico para o Brasil”, Folha de São Paulo, 18/09/2005.

SICSÚ, João, PAULA, Luiz Fernando de, MICHEL, Renaut (orgs.) (2005). Novo desenvolvimentismo: um projeto nacional de crescimento com eqüidade social. Barueri, Manole, Rio de Janeiro, Fundação Konrad Adenauer.

SICSÚ, João (2005). Blindando a economia brasileira: existe alternativa aos programas do FMI? In: SICSÚ, PAULA e MICHEL (orgs.) (2005), op.cit., p. 97-116.

(org.) (2007). Arrecadação (de onde vem?) e gastos públicos (para onde vão?). São Paulo, Boitempo.

STIGLIZ, Joseph (2002). A Globalização e seus malefícios. Ed. Futura.

(2003). Os Exuberantes anos 90: uma nova interpretação da década mais próspera da história. São Paulo, Companhia das Letras.

UNAFISCO SINDICAL - “Justiça fiscal com fortalecimento da administração tributária”. Contribuição do Unafisco Sindical às Eleições 2006 (www.unafisco.org.br).

UNITED NATIONS (2005). The Inequality predicament. Report on the World Social Situation 2005. New York, United Nations.


[1] O Relatório continua: “(...) Confrontados com a exclusão social, muitos jovens concluem que não há meios para eles influenciarem ou mudarem sua própria situação ou a sociedade como um todo. Sem nenhuma perspectiva para um emprego decente e produtivo, jovens podem voltar-se para a violência. (...) A participação de muitos jovens em crimes violentos e tráfico de drogas é ligado à pressão cultural intensa para o sucesso monetário com o objetivo de sustentar um nível de consumo que confere um status desejado” (UN, The Inequality predicament, p. 89).

[2]Justiça Fiscal com fortalecimento da Administração Tributária” – Contribuição do Unafisco Sindical às Eleições 2006. Versão Preliminar. O texto completo se encontra em: www.unafisco.org.br – Estudos Técnicos – Estudos Tributários – Texto do Unafisco para Eleições (16 páginas); e a reportagem “Unafisco nacional refaz contas: juros consumiram R$ 745 milhões” (Agência Carta Maior, 30/10/2006); Maria Lúcia Fatorelli, entrevista, 07/09/2006.

 

[3]Por que? Porque é a única maneira para o país poder conduzir uma política autônoma: na ausência de controle, os detentores dos capitais (os “mercados”) dispõem dos meios necessários para ameaçar e mesmo quebrar um país. Com o controle, o país retoma a sua soberania. A recomposição dos controles de capitais é pré-requisito para pensar alternativas” (Sicsú, 2005: 112).

[4] . Cardim se refere aqui ao New Deal (Novo Pacto Social), política promovida a partir de 1933 pelo presidente Roosevelt nos EUA para romper com a Grande Depressão – uma grave crise de desemprego - que se seguiu à crise de 1929. Sobre esta política, ver o artigo de Assis, 2005.

[5] Aqui, a referência é ao conjunto de políticas que configuraram o Estado de Bem-Estar social (Welfare State), na América do Norte e na Europa Ocidental, plenamente desenvolvidas durante o período 1945-1975.

[6](...) Só em Pernambuco, os usineiros devem mais de 562.641.612,54 de reais, isso de dívida somente com o INSS”. Alexandre Conceição (MST/PE), “Usineiros: de devedores a heróis” (apud www.jubileubrasil.org.br).

[7] O estrato A receberia acima de R$ 2.500,00 mensais, o B, acima de R$ 1.250,00, o C, entre R$ 500,00 e R$ 1.250,00 e, o D, entre R$ 250,00 e R$ 500,00 e o E, abaixo de R$ 250,00 mensais (apud “Classe média brasileira: a travessia do purgatório”, Jornal do Brasil, 08/04/2007).

[8] A maioria dos militantes de base e uma parte dos parlamentares e executivos – vereadores, deputados estaduais, alguns federais, prefeitos e alguns governadores – continuam de esquerda, mas a direção nacional é capaz de aprovar qualquer projeto neoliberal vindo do governo: neste sentido, o PT se tornou atualmente um partido tradicional, cuja principal função é manter o poder. Por isto, aliar-se ao PMDB, ou mesmo ao PSDB, é perfeitamente viável.

[9] Aqui, também, a referência é à maioria da direção nacional: sabemos que, nas bases, há sindicatos e sindicalistas ligados à CUT comprometidos com a causa dos trabalhadores, mas a linha seguida pela direção nacional frente ao primeiro mandato do governo Lula foi adesista, não foi crítica nem combativa.

[10] . “Para enfrentar essa situação, temos de reinventar a política, radicalizar a democracia, reafirmar um princípio fundamental: homens e mulheres são capazes de construir a história, a sociedade e a economia. Reinventar a política significa (...) instituir o reconhecimento social das pessoas pobres e despossuídas de direitos, como sujeitos da transformação. Trata-se de reinventá-la submetendo-a aos princípios de uma nova democracia. Isso implica, ao menos, três movimentos simultâneos. Primeiro, reconstruir e alargar os espaços públicos de participação política, nos quais a soberania popular e cidadã possa ser afirmada. Segundo, repolitizar a vida social, em especial com a submissão radical da economia à política democrática. Terceiro, alimentar uma nova subjetividade, que estimule cada sujeito social a contribuir, de maneira autônoma, recíproca e criativa na reprodução e na reinvenção incessante da vida social” (Olhares e reflexões, texto-síntese da Agenda Pós-Neoliberal, 2005, apud www.ibase.br ).

[11] A Assembléia Popular é justamente um esforço neste sentido, de organizar de forma independente o conjunto dos movimentos sociais e entidades da sociedade civil para pensar um projeto de nação e levar à frente suas reivindicações.

[12] No mandato participativo (ou coletivo), os que participam na campanha eleitoral de um determinado candidato se organizam em núcleos (por bairro ou região ou municipalidade), recebem informações regulares sobre a atuação do parlamentar, discutem coletivamente, elegem representantes que participam de um conselho político do mandato. O mandato deixa de ser o feito de um indivíduo que decide sozinho o que deve ou não fazer e se torna efetivamente uma representação coletiva.



https://www.alainet.org/es/node/123932?language=en
Suscribirse a America Latina en Movimiento - RSS