Ou mais um capítulo sobre porque não o ISDB

Tecnologias não são

04/04/2006
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All works of architecture imply a worldview, wich means that all architecture is in some deeper sense political. (Steven Johnson - "Interface culture: How new technology transforms the way we create and communicate") Na língua portuguesa temos o costume de usar de forma indiscriminada o verbo "ser", especialmente na terceira pessoa do singular do presente do indicativo: "é". Assim, uma comida é gostosa; um carro é novo; uma vestido é bonito. Ocorre que as coisas não são. Elas simplesmente estão em relação a outras coisas. E essa relação, por sua vez, depende de inúmeras variáveis tais como localização geográfica, cultura, classes sociais, idiossincrasias pessoais, etc. Uma comida pode estar gostosa num dia e não no outro, bem como pode ser gostosa para alguém e não para outra pessoa. Um carro está novo e anos depois não está mais. Um vestido pode estar bonito para uma festa de gala e estar ridículo em um piquenique. Por sua vez, a identidade das pessoas que se relacionam com estas coisas também muda de acordo com as relações que se estabelecem. Não existem um "eu" a priori, que é assim e não é assado. Um membro de uma torcida organizada de futebol se comporta de uma forma quando assiste sozinho ao jogo de seu time e de forma completamente diferente se assiste ao mesmo jogo junto com 5 mil companheiros e ao lado de 5 mil pessoas de uma torcida adversária. Um motorista reage de forma diferente a um acidente de carro se embaixo do seu banco há ou não uma arma de fogo. Nossa memória hoje em dia não é a mesma de um estudioso de dois mil anos atrás, simplesmente porque temos uma série de tecnologias de recuperação de informações que fazem por nós o que ninguém faria por aquele sujeito de memória prodigiosa. No discurso sobre as novas tecnologias da informação, um dos erros mais comuns é a construção de uma certa "essência" das tecnologias. Fenômeno que também é motivado pelo fetichismo da mercadoria típico das sociedades capitalistas. Afastadas de suas relações de produção, fica ainda mais fácil construir uma essência para as tecnologias. Assim, por exemplo, a Internet seria anárquica. Mas, em seu livro "Code", Lawrence Lessig descreve duas redes universitárias de computadores, criadas nos anos 90 nos Estados Unidos. Ambas usavam endereços IP e o protocolo de comunicação TCP, duas das tecnologias básicas da Internet. Na rede da Universidade de Chicago bastava o usuário plugar seu computador a uma tomada de rede e era possível se conectar, sem que houvesse nenhuma necessidade de identificação. Já na rede de Harvard, apenas pessoas previamente inscritas podiam se conectar. Como conclusão, na primeira rede era impossível saber o que determinada pessoa fazia, enquanto na outra todos os seus passos eram conhecidos (obviamente, não o conteúdo das mensagens trocadas). O que dizer de uma situação como esta? A tecnologia da Internet é libertária? Ou é uma máquina de controle? Ou, na verdade, tudo dependia das relações que se estabeleceram entre softwares, diferentes visões políticas, relações pessoais, culturas, protocolos de rede, distintas formas de gestão universitária, endereços IP e interpretações sobre a Constituição norte-americana, entre outras variáveis? ISDB-T O mesmo vale agora para o debate sobre a adoção da modulação japonesa de TV digital terrestre, conhecida como ISDB-T. O ISDB-T não é bom, nem é ruim. Mas, também não é neutro, muito pelo contrário. Com o ISDB-T é possível democratizar a comunicação no Brasil? Claro! Com ele seria possível criar a figura do operador de rede e permitir a entrada de mais emissoras. Com ele seria possível criar serviços interativos como e-gov, e-educação, e-bank, tele-medicina, entre outros. Mas, caso aprovado pelo governo, o ISDB-T entraria no Brasil em um duplo contexto que o torna (neste contexto!) um risco à democratização da comunicação. Em primeiro lugar, o ISDB-T representa dependência tecnológica e pagamento de royalties. Em segundo lugar, a escolha agora do ISDB-T permite que as emissoras importem imediatamente os equipamentos para transmissão (a partir de acordos comerciais que já foram negociados) e ergam suas antenas, evitando que se crie na nova legislação do setor a figura do operador de rede, que daria a oportunidade para a entrada de mais emissoras. E permitiria sacramentar, na prática, a propriedade do espectro eletromagnético por parte das atuais emissoras de TV, negando o caráter público deste meio escasso. Portanto, não se trata de uma luta contra as "características intrínsecas" do ISDB-T, que a rigor simplesmente não existem. Mas, de uma luta contra um contexto histórico, cultural, econômico e político de domínio das comunicações no Brasil por parte de um pequeno número de famílias, que a inclusão do ISDB-T, neste momento, desta forma, só iria acentuar. - Gustavo Gindre é jornalista (UFF), mestre em comunicação (UFRJ), coordenador geral do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura (INDECS), membro eleito do Comitê Gestor da Internet do Brasil e membro do Coletivo Intervozes. Fuente: http://www.fazendomedia.com/
https://www.alainet.org/es/node/114788?language=es
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