Ódio de classe

13/12/2005
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Dificilmente uma outra comissão parlamentar de inquérito teria um divisor de águas tão definido como a CPMI da Terra. Diferentemente da polarização governistas x oposicionistas, os embates se deram entre os que defendem a manutenção de uma das mais injustas estruturas fundiárias do mundo e os que acreditam na reforma agrária como condição para levar a paz ao campo e conquistar a cidadania para milhões de lavradores pobres e sem terra. Nessa disputa, a direita se revelou com mais nitidez. Assim é que o deputado Abelardo Lupion (PFL/PR)), autor de um arremedo de relatório paralelo ao nosso, disse defender o sagrado direito de propriedade . Não se estranha que venha de sua parte propostas absurdas como conceituar, penalmente, as ocupações de terra como crimes hediondos e atos de terrorismo. Afinal, ele é um lídimo representante da bancada ruralista, majoritária na comissão e, entre suas poucas participações nos trabalhos realizados, conta-se a defesa de seu conterrâneo e aliado coronel Copetti Neves, preso no Paraná por formação de milícia privada, remunerada pelos ruralistas. Entre os adversários da reforma agrária, no entanto, encontram-se aqueles de matiz mais sofisticado, que escondem sua posição atrasada no biombo mistificador da pretensa defesa da coisa pública. Esse é o caso do deputado Xico Graziano (PSDB/SP), autor de artigo no GLOBO, onde procura desqualificar o principal movimento social camponês brasileiro. Se tivesse lido o nosso relatório, Graziano teria visto que, ao contrário do que afirma, os representantes das entidades dos trabalhadores rurais encaminharam sua defesa por escrito, relatando a dificuldade de se pagar, em cheques nominais, a agricultores que participam dos cursos promovidos nos mais afastados rincões do país. Mas, a maior mistificação está em dizer que o Tribunal de Contas apurou desvios de recursos públicos por parte das cooperativas de trabalhadores. Ora, se Graziano tivesse lido o ofício do presidente do TCU à CPMI, teria constatado que os relatórios encaminhados (e ali também se encontravam análises de entidades de ruralistas, sobre as quais ele não se pronuncia) tratavam de informações preliminares, ainda não apreciadas conclusivamente por esta Corte de Contas . Como então falar no desvio de 18 milhões se sequer as partes envolvidas se pronunciaram, para permitir um juízo de valor do colegiado daquele tribunal? Para quem fala, no seu texto, tantas vezes em mentiras , ocultar do leitor uma informação como essa não denota tanto respeito à verdade. Mais grave ainda é resumir a questão agrária brasileira à boa ou má utilização de recursos públicos que beneficiaram também, em muito maior monta, as entidades patronais pelas entidades de lavradores. Para Graziano, não existe no Brasil uma concentração fundiária extrema, onde pouco mais de 1% dos grandes proprietários detém quase metade da área ocupada pelos imóveis rurais. Desconhece ele, e os parlamentares que votaram no relatório de Lupion, a violência no campo, que, em 20 anos, ceifou as vidas de quase 1.500 pessoas. Por que não falam dos cerca de 200 milhões de hectares de terra não documentados e provavelmente grilados no país? Por que negam a existência da chaga do trabalho escravo? Por que não se falam dos milhões de trabalhadores sem-terra do campo e das centenas de milhares que estão embaixo de lona preta à espera de terra para morar e trabalhar com dignidade? O ódio de classe fica patente quando, sarcasticamente, Graziano trata as vítimas da violência no campo como coitadinhos . Será que a figura mansa, mas firme e corajosa, de irmã Dorothy não sensibilizaria alguns desses ruralistas? Creio que não, pois, em viagem da CPMI ao Pará, nos recusamos a receber manifesto de líderes de Altamira que justificavam o assassinato daquela religiosa como um ato de legítima defesa da propriedade . Essa é a questão: há os que colocam o sagrado direito de propriedade à frente do direito à vida e ao trabalho. O resto é mistificação. - João Alfredo Telles Melo é deputado federal (PSOL/CE) e foi relator da CPMI da Terra.
https://www.alainet.org/es/node/113787?language=en

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