Pernambuco, Chávez e a PDVSA
01/11/2005
- Opinión
Basta dar uma olhada no seu noticiário internacional, notadamente
no oriundo de agências de notícias, bem como aqui e ali mesmo em
comentários voltados para questões de política interna, para vermos o
quanto os grandes meios de comunicação brasileiros (jornais e emissoras
de rádio e TV) estão na maior parte preocupados em propagar uma imagem
negativa do presidente venezuelano Hugo Chávez. Imagem por vezes
preconceituosa e desinformada, mas principalmente fabricada adrede, com
intenção corrosiva. Não há como não perceber uma central de mistificação
irradiando sistematicamente pelo continente latino-americano contra-
propaganda enganosa, e não notícias, sobre o governo venezuelano e seu
líder maior.
O estado de Pernambuco, depois de décadas de tentativas, acaba de
ser contemplado com a instalação de uma refinaria de petróleo, a ser
implantada em consórcio pela PETROBRÁS e Petróleos de Venezuela S/A –
PDVSA. Num estado periférico à economia nacional e pouco industrializado,
a nova planta fabril, pela sua dimensão e pelas externalidades que
propiciará, terá um impacto extraordinário na economia local. Já se diz
que a economia pernambucana se dividirá entre antes e depois da
refinaria. A Federação que representa os industriais do estado (FIEPE)
está exultante. As centrais sindicais e os sindicatos de trabalhadores e
a população em geral, idem. As autoridades estaduais e municipais da área
metropolitana do Recife, mais ainda. O presidente Hugo Chávez já veio
três vezes a Pernambuco, terra pela qual tem carinho especial por ser o
berço e onde está o túmulo do general Abreu e Lima, um dos Libertadores
das Américas, profundamente vinculado à história venezuelana. Aqui teve
sempre um trato franco, afável e descontraído com todos. Pretende vir
aqui novamente para lançar a pedra fundamental da refinaria, em conjunto
com o presidente Lula e o governador do Estado, Jarbas Vasconcelos.
Num clima deste, por respeito e gratidão, era de se esperar dos
jornais locais um tratamento cuidadoso – para garantia de ser correto –
do presidente Chávez e seu governo. Não custa pedir a um editor de
política que busque fontes confiáveis – abundantes, p.ex., na Internet –
antes de redigirem suas matérias sobre a Venezuela. Que desconfiem dos
despachos das agências de notícias, nacionais e internacionais,
hegemonizadas pelos interesses geoestratégicos do governo norte-
americano. Infelizmente, não é bem assim que as coisas vêm acontecendo.
Vejamos um exemplo: em meio ao seu noticiário sobre a confirmação
da refinaria de petróleo em Pernambuco, na edição do dia 30 de setembro
último, o Jornal do Commercio, do Recife, publicou, na página 4 do seu
caderno de Economia, matéria assinada pelo jornalista Renato Lima sobre a
empresa de petróleo venezuelana, intitulada “PDVSA é a quarta maior
empresa petrolífera do mundo”, na qual, em meio a informações no geral
corretas, fazem-se interpretações desprovidas de base factual.
São duas tais interpretações, a dificultarem a boa compreensão do
leitor do momento especial por que passa a economia pernambucana, do
significado da vinda da PDVSA ao estado, bem como da política externa do
Governo Lula, a grande responsável pela atração da refinaria. A primeira
é a de que “o presidente Chávez politizou a administração da estatal”. O
autor, inclusive, cita em apoio ao seu raciocínio o prof. Adriano Pires,
da UFRJ: “O presidente da Venezuela passou a tratar a empresa mais como
um braço político do que como uma empresa de petróleo”. Tal como está, o
texto, neste ponto, afasta-se da análise objetiva dos fatos e envereda
por uma versão “ideológica” (no mau sentido) impregnada pelo cânones do
neoliberalismo e da propaganda política antichavista em toda a América
Latina. “Politizar” aparece aqui como sinônimo de partidarizar. A PDVSA
teria deixado de atender aos seus corretos objetivos para servir aos
interesses estreitos do grupo político do ocupante da Presidência da
República. Nada mais distante do real.
Na verdade, o presidente Hugo Chávez repôs a PDVSA, estatal, no seu
leito legítimo de empresa pública, de caráter nacional, destinada ao
serviço universal dos interesses nacionais do povo venezuelano. Até a
grande greve que a paralisou em dezembro de 2002 e início de 2003,
montada e dirigida dos bastidores pela oposição reacionária e
conservadora e pelo Departamento de Estado norte-americano, a empresa
estava privatizada pelos seus gerentes e chefes subalternos, vinculados à
oligarquia sócio-política, que não eram nomeados em cadeia hierárquica
pelo governo federal, não submetiam nem prestavam contas do seus atos às
instituições representativas da República, como o Congresso Nacional e a
Presidência, e apoderavam-se privadamente dos lucros da empresa, deles o
povo muito pouco se beneficiando. O Governo desconhecia o montante, a
diversidade e os rendimentos dos seus investimentos no exterior, p.ex.
Agora, pela primeira vez em muito tempo, os lucros da PDVSA estão
sendo aplicados na reversão da difícil situação social do povo
venezuelano, principalmente em ações de saúde e educação. A administração
da empresa não foi “politizada” no sentido de partidarizada, até porque
só na cartilha ideológica do neoliberalismo é que político se reduz a
partidário e se opõe a racionalidade econômica. A PDVSA hoje é uma
empresa politizada no sentido de ser pública e ter seu desempenho
econômico voltado, de um lado, para a eficiência empresarial e, de outro,
para o benefício dos interesses de todo o povo e da nação venezuelana e
não de uma minoria parasitária. Até que o Governo legitimamente eleito,
reeleito e confirmado do presidente Chávez tomasse nas mãos suas rédeas,
ela era um apêndice da oligarquia sócio-política, que irrigava seus
negócios com o dinheiro da receita do petróleo. E aqui cabe raciocinar ao
revés: privado não quer dizer eficiente e a privatização da empresa
nacional venezuelana foi uma politização pelos setores privilegiados da
nação, cujo desprezo histórico por seu povo é simplesmente enorme e,
talvez, sem paralelo no continente.
A segunda interpretação equivocada é a de que “durante uma greve
geral convocada pela oposição (...) Chávez aproveitou para substituir
vários trabalhadores oposicionistas por diretores e gerentes alinhados ao
seu projeto político...”. Esta é o que chamaríamos um perigosa meia-
verdade, porque dá um viés irreal a fatos reais. Como está formulada, a
afirmação dá idéia de um golpe oportunista aproveitando uma situação de
vulnerabilidade dos substituídos. Não é o que ocorreu, como sabe qualquer
um que acompanhe a realidade venezuelana nos últimos anos. Durante os
governos anteriores, a PDVSA fora tendo seu controle monopolizado por uma
tecnocracia gerencial, apoiada numa idéia particular de meritocracia, e
convertendo-se, nas palavras da historiadora venezuelana Margarita López
Maya (Revista del OSAL, nº 9, enero de 2003), “em um Estado dentro do
Estado”, formulando autonomamente sua política petrolífera. Resultado:
perda de receita fiscal pelo Estado e de eficiência pela companhia.
Quando o Governo Chávez procurou sanar esta situação, ainda antes
do chamado “paro cívico”, a oligarquia em que se havia constituído o
corpo de gerentes e chefes subalternos da companhia partiu para a
rebelião aberta, que terminou por se transformar em uma greve que se
somou à paralisação geral, para a qual contribuiu sobremaneira. A
hierarquia de mando da PDVSA não admitia – pasmem! – submeter-se às
decisões dos donos da companhia, o povo, representado pelo governo à
frente do seu Estado democrático. O Governo não poderia – imaginem! –
exonerar e nomear os cargos de confiança da empresa. Um exemplo
disparatado de esquizofrenia política! Constituíram um movimento chamado
Gente do Petróleo com o fito de “detonar” Chávez e, a partir de certo
momento, desconhecer a autoridade do Estado e a nação. A demissão de
milhares de funcionários da estatal tornou-se inevitável, sob pena de o
Estado perder sua autoridade, o controle da sua galinha dos ovos de ouro
em prejuízo do povo e em benefício das oligarquias, e abdicar da garantia
do usufruto coletivo de uma riqueza pública nacional.
Basta pensar que a PDVSA é maior que a Petrobrás, além de ser a
segunda maior empresa exportadora de petróleo para os Estados Unidos,
num país de 912.050 km² e 25 milhões de habitantes, algo como o estado do
Mato Grosso com a população do estado do Rio de Janeiro. Cem anos após o
início da exploração petrolífera no país, era de esperar que, com uma
farta receita de exportação, a Venezuela tivesse uma economia pujante,
diversificada e sua população nadasse em bem-estar. Mas a nação pouco viu
dos rendimentos auferidos ao longo das décadas, ao ponto de mais de 60%
do seu povo ser pobre ou miserável. O Governo Chávez teve a ousadia de
partir para mudar este panorama.
Por outro lado, não se pense que demitir milhares de funcionários
qualificados foi um ato fácil. Por conta inclusive das práticas
oligárquicas pretéritas no poder de Estado, não havia no país força de
trabalho qualificada suficiente para repor os demitidos, e por isto a
empresa teve que contratar parte do novo contingente de trabalhadores no
exterior. Gente profissional, sem vínculo político com o chavismo.
Portanto, não se tratava simplesmente, como diz o texto do jornal, de
“substituir vários trabalhadores oposicionistas por diretores e gerentes
alinhados ao seu (de Chávez) projeto político chamado de revolução
bolivariana”. Na verdade, estava em curso um reordenamento empresarial
consoante com um objetivo maior, de significado nacional.
A população pernambucana merece maior objetividade no noticiário da
imprensa local.
- Hugo Cortez, Sociólogo, Recife
https://www.alainet.org/es/node/113388
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