João Pedro Stédile sobre as promessas do governo ao MST:

Pouco ou nada foi feito

06/10/2005
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O jornal Montbläat está iniciando uma nova seção que esperamos poder manter com regularidade. O primeiro questionado é o economista gaúcho João Pedro Stédile, Coordenador Nacional do MST. Montbläat - Considerando que o direito à propriedade é um dos pilares do sistema capitalista, como se pode qualificar de comunista um movimento que se propõe a expandir esse direito? Qual é o conceito de "terra improdutiva" que justifique as ocupações e posterior desapropriação para efeitos de reforma agrária? Qual é o tamanho real do problema? João Pedro Stédile: A sociedade brasileira enfrenta dois problemas fundamentais no meio rural: a pobreza extrema e a desigualdade social, entre uma minoria (um por cento) e milhões de brasileiros. A raiz dessas questões é a concentração da propriedade da terra, que faz com que apenas um por cento dos proprietários controle quase a metade de todas as terras do país, que deveriam servir como bem da natureza para resolver os problemas das pessoas. Devido a essa concentração, existem ainda no Brasil nada menos do que 4,5 milhões de famílias de trabalhadores sem terra. O que faz o MST? O trabalho do MST é conscientizar, organizar essas famílias para que possam lutar, por seus direitos. Que direitos? A terra é um bem da natureza que deveria resolver o problema do povo e não agravá-lo. Está na Constituição, Carta Maior do Brasil, que o Estado deve desapropriar todas as grandes propriedades acima de mil hectares que sejam improdutivas, ou seja, que estão produzindo abaixo do seu potencial, ou seja, grandes parcelas de terra que não cumpram sua função social, que executem ações perdulárias. Também está na Constituição que terras em que estejam sendo desrespeitadas as leis trabalhistas ou ambientais devem ser igualmente desapropriadas. Por tanto, nosso movimento é um movimento republicano. Garantir que todos os brasileiros que vivem no meio rural tenham direitos garantidos pela sociedade. Montbläat - O governo atual tem cumprido as promessas feitas quanto ao andamento da refoma agrária? Quantas famílias foram assentadas no governo Lula? Mais ou menos que nos governos anteriores? Quanto se gastou nesses assentamentos e em assistência aos assentados? Que assistência é reivindicada e qual é a dada? Stédile: A lei estabelece que o governo tem que fazer um Plano nacional de reforma agrária, para estabelecer metas, recursos, etc. Nós pressionamos o governo Lula para fazer o Plano. Levou um ano para aprontar. E vimos que havia disputa dentro do governo. O MDA queria um plano para um milhão de famílias. A área econômica para apenas 80 mil famílias em quatro anos. E aí o Presidente ficou no meio: bateu o martelo para assentar 430 mil em 4 anos. Nós topamos. Foi passando o tempo e nada. Até agora foram assentadas ao redor de 117 mil famílias, em quase três anos.. Por tanto falta muito. Aí fizemos a marcha nacional em maio de 2005. O governo assinou conosco sete compromissos, resumidamente: assentar as 430 mil, priorizar a solução para as 140 mil famílias que estão ACAMPADAS, e portanto passam todo tipo de dificuldades. Baixar portaria mudando os índices que medem uma grande propriedade produtiva, pois são usados ainda dados de 1975. Reformar o Incra, contratar funcionários para reforma agrária, e garantir cestas básicas mensais. Pouco ou nada disso foi feito. Por isso que voltamos a nos mobilizar agora no mês passado. Mas infelizmente a imprensa procurou esconder... Montbläat - O último relatório da Comissão pastoral da Terra mostra que a violência no campo continua elevava no atual governo e recentemente o Cel. Pantoja, responsável pelo massacre de Eldorado dos Carajás, foi solto, podendo ficar em liberdade até a última instância (o que pode significar anos). A impunidade continua? Stédile: Existe no Brasil uma violência social estrutural no meio rural brasileiro. Ela é fruto da pobreza e da desigualdade. Há uma violência social, que representa falta de trabalho, comida, pobreza. Existe violência maior do que quase 60% dos adultos do meio rural nordestino não conhecerem as letras? E existe uma violência física, de prisões, torturas e até assassinatos, praticados pela prepotência e poder econômico dos fazendeiros, que já ceifaram mais de 1.700 vidas de lideranças campesinas nesses 20 anos de luta pela reforma agrária. E no meio está o Estado. Impotente e conivente. Dos 1700 casos, apenas 80 tiveram processos judiciais, destes apenas uns 20 foram condenados, e deles menos de dez estão presos. Tudo mais, continua como dantes no quartel de Abrantes. É por isso que o coronel Pantoja condenado pelo tribunal popular a 228 anos de cadeia como responsável pelo massacre de 21 companheiros em Carajás, depois de passar três anos na suíte do quartel da PM de Belém, agora é libertado pelo STJ, e seguirá na sua suíte em casa. E revelou recentemente ao jornal Liberal, que não tem nenhum remorso.. Montbläat - Qual é a opinião do MST sobre o referendo do desarmamento? Os fazendeiros e seus jagunços serão desarmados? Stédile: O MST e todos os demais movimentos da Via Campesina Brasil estamos engajados, na campanha pelo sim, para proibir comercio de armas e munição no Brasil. Esse referendum é muito importante. Primeiro porque vai acostumando o povo brasileiro a exercitar a democracia direta, sem intermediários. Oxalá chegasse o dia em que todo mês houvesse plebiscito pro povo decidir sobre questões fundamentais da sociedade. Segundo, porque essa lei vai impedir as mortes por motivos fúteis e acidentes, que são quase 80% dos 40 mil mortes anuais. Por tanto, é uma campanha civilizatória, para que pobre não mate pobre, por besteira. Agora, os problemas da marginalidade social, da violência policial, etc., isso somente vamos resolver com outras medidas, que não estão sendo debatidas no Referendum. Evidentemente que a direita, os fascistas, a UDR e os fazendeiros, querem cultivar na sociedade brasileira uma ideologia da violência, das armas, do direito a tirar a vida dos outros, em defesa da propriedade. Esses idiotas e ignorantes, capitalistas de meia tigela, têm uma filosofia de que os bens materiais estão acima do direito à vida. Por isso se julgam no direito de matar alguém para defender seu boi, sua cerca... coitados! Montbläat - Qual será a linha de ação do MST daqui até o final do atual governo? Stédile: Nos vamos seguir a linha de sempre. Autonomia de nosso movimento em relação ao Estado, governos, igrejas, religiões, times de futebol, escolas de samba. Nós somos um movimento social para organizar os pobres do campo a lutar por seus direitos. Essa é nossa missão, que pouco altera, quando muda governo, quando muda campeão nacional de futebol. É claro que tínhamos uma expectativa como todo povo brasileiro, que com o governo Lula, eleito para mudar, que a reforma agrária ficasse mais fácil. Mas não ficou. A rigor as metas de assentamento do governo Lula estão no mesmo nível do governo anterior. E o atual governo continua, infelizmente priorizando o apoio ao agronegócio, dos fazendeiros aliados com as multinacionais da agricultura, que transformaram nosso país, no velho modelo colonial: agro-exportador. Mas um dia eles aprendem e o povo mudará o modelo econômico e agrícola deste país. - Entrevista com Joao Pedro Stedile, no Boletim eletronico de Fritz Utzeri- 7 de outubro de 2005. Rio de Janeiro, sexta-feira, 7 de outubro de 2005 ANO II N° 113
https://www.alainet.org/es/node/113155?language=en

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