A visão idílica e ingênua de Leonardo Boff e Frei Betto
Os cristãos e a política
18/09/2005
- Opinión
Cristãos: fonte de renovação do PT?
A afirmação de Leonardo Boff de que “os igrejeiros constituem hoje uma fonte onde o PT renovado poderá e deverá beber”(1), precisa ser discutida. Por “igrejeiros”, entendam-se os cristãos, os quais, como afirma Boff em seu artigo, foram uma das forças que estiveram na origem do PT - junto com os que vieram da luta armada e os sindicalistas -, e ajudaram a fundá-lo, porque viram nele um poderoso instrumento de transformação social.
Os cristãos deram, na opinião de Boff, duas contribuições notáveis ao PT: a mística e a ética e, segundo ele, “estas duas contribuições são fundamentais nesse momento crítico em que quadros do PT, em face da corrupção de vários de seus dirigentes, pensam em refundar o partido”.
Será que insinuar, como o faz Boff, que os cristãos se constituem hoje em reserva ética do PT é correto? Será que nós, os cristãos que atuávamos, e, muitos continuam atuando, não precisamos realizar também uma duríssima autocrítica?
A Igreja da Libertação e os seus limites
Comecemos pela Igreja da Libertação de que fala Boff. A iniciação dos cristãos no mundo da política se fez por meio das CEBs, dos círculos bíblicos, das pastorais, como bem lembra Boff. Mas será que essa iniciação não foi insuficiente, redutora? Será que também ela não tem a sua parcela de responsabilidade, na medida em que ela se contentou em oferecer uma iniciação simplista e maniqueísta? De um lado, estão os maus, os opressores, os patrões, os poderosos, os corruptos. De outro lado, estamos nós, a base, os oprimidos, os justos, os éticos, os bons. Será que a Igreja da Libertação não errou ao fazer análises políticas por demais simplistas, transpondo categorias bíblicas sem nenhuma mediação sociológica? Será que não faltou uma exegese mais apurada, rigorosa dos textos bíblicos, capaz de dar conta da complexidade da sociedade contemporânea?
A impressão que se tem, lendo alguns teólogos quando falam de política, é que basta ser cristão para se estar livre dos perigos mundanos, do lado sujo da política. O fato de ser originário das CEBs, de uma pastoral, parece conferir a virtude da ética como um atributo natural, inquestionável. E agora que militantes cristãos, originários de grupos de base da Igreja, das CEBs, das pastorais, aparecem envolvidos em denúncias que causam mal-estar, como ficam as virtudes “naturais” dos cristãos, particularmente da mística e da ética, de que fala Boff?
A Igreja da Libertação, ausente na contribuição de um projeto político para a nação
Será que a Igreja da Libertação não falhou na contribuição de uma formação política que desse conta da complexidade do mundo da política? A Igreja da Libertação sempre motivou os cristãos para que assumissem a política, porém quantos não são os cristãos que se perderam no pesado jogo da política por falta de clareza teórica e compreensão da sua complexidade?
A capitulação de muitos diante da lógica do poder e mesmo da lógica do modelo econômico, não traduz a ausência de um projeto político? Por que tantos, ao chegarem ao poder, aceitaram passivamente o programa neoliberal, fazendo com que o neoliberalismo seja hoje o arrimo de Lula, que o mantém no poder? O Brasil de Lula se converteu em um terreno sem debates, afirma Cristovam Buarque(2). Os poucos que ousaram criticar foram afastados. Essa ausência de debate manifesta algo mais grave. Na verdade, há muito tempo o PT abdicou do debate político.
Nesse contexto, cabem duas perguntas para nós, cristãos: Qual foi a verdadeira contribuição que demos ao debate na formulação de um projeto político de nação? Qual foi a verdadeira contribuição da Igreja da Libertação, de que fala Boff, para responder aos desafios e a complexidade da realidade nacional? A ética e a mística não se constituem em um projeto político, auxiliam, mas são insuficientes. O projeto político de nação exige estudo da realidade, conhecimento, debate, elaboração teórica, formulação de idéias. No entanto, para nós, muitas vezes, caricaturizando, bastou ler o livro do Êxodo. Moisés, libertando o povo das mãos do faraó, parecia nos dispensar de uma análise que desse conta da complexidade da política. Assim, emerge a pergunta que nos incomoda: Será que nós, cristãos, também não trocamos um projeto de nação por um projeto de poder?
A oportunidade perdida
Precisamos assumir a nossa incapacidade de, como cristãos, contribuir para que o PT avance verdadeiramente num projeto de país, de nação. Não é apenas com a mística e com a ética que isso se faz possível. Essa possibilidade existiu, mas abdicamos, interrompemos um rico processo. Em 1992, as pastorais sociais iniciaram uma fantástica experiência, a organização de um grande debate sobre o Brasil que a gente quer. Essa iniciativa culminou, em 1994, com a 2ª Semana Social Brasileira Brasil. Alternativas e Protagonistas(3). Foi um processo riquíssimo que envolveu milhares de pessoas, com uma metodologia inovadora. Foi uma aposta corajosa para se pensar novos caminhos para o País num período de crise de projetos. A 2ª Semana Social Brasileira, uma iniciativa dos cristãos, com suas centenas de propostas e idéias para o Brasil, abriu a possibilidade de uma efetiva contribuição ao debate. Infelizmente, porém não tivemos capacidade de dar continuidade a esse debate. O resultado mais concreto da Semana Social foi o surgimento do “Grito dos Excluídos” que se realiza anualmente. Quem “assumiu a bandeira da Semana Social, que levou adiante, que entendeu o que estava em jogo na Semana, o que estava sendo discutido, foi o MST, que vai liderar uma série de movimentos sociais com a idéia da Consulta Popular”(4).
As pastorais sociais não se deram conta de que essa iniciativa era extremamente inovadora, exatamente porque se tratava de contribuir com o conteúdo político de um projeto, de adensar o PT. O que se vê hoje é a rendição ao pensamento único.
Também é pertinente a seguinte indagação: Por que os teólogos da libertação, os assessores, as lideranças de ponta do mundo da Igreja da Libertação não assumiram essa proposta? Por que não jogaram pesado, para que, de fato, a participação dos cristãos no debate político fosse mais efetiva e eficaz? Depois chamamos os cristãos petistas de “militontos”, como o faz costumeiramente Frei Betto, de “carregadores de piano”. Mas é evidente, quem não contribui e não se impõe com o debate, com qualidade e conteúdo, fica na esfera do serviço, tarefa digna, porém insuficiente na verdadeira ótica libertadora.
A incapacidade dos cristãos em participar, efetivamente, do debate político do País é notória. Basta perguntar qual é a liderança cristã que, nesses últimos dez, quinze anos, emergiu da Igreja da Libertação com capacidade de enfrentar o debate político? Quando se fala em cristãos e a contribuição no debate político, um dos poucos nomes que surge é o de Plinio de Arruda Sampaio. Mas, Plinio é da geração anterior de cristãos, da geração dos anos 50, 60, do século passado.
O discurso da Igreja da Libertação é messiânico e empobrecedor
O problema da fragilidade dos cristãos no debate de conteúdo do projeto político está relacionado à iniciação que receberam da Igreja da Libertação de que falávamos no início. O discurso religioso da Igreja da Libertação tem algo de demasiado messiânico, na medida em que coloca como horizonte o Reino de Deus, a busca de uma terra sem males. Sendo assim todo caminho que aponta para a redenção final leva a uma atitude, “é por aqui que vamos”, sem pestanejar. Foi assim com o PT. Todos embarcamos com enorme boa vontade. Não está em discussão essa opção. O problema é que apenas a boa vontade não basta. A boa vontade é edificante, mas insuficiente. Os cristãos sempre foram reconhecidos por sua abnegação, pelo seu espírito de sacrifício, por sua impressionante disponibilidade em contribuir nas tarefas, por sua perseverança, tenacidade, humildade – o poder é para os outros, os melhores preparados intelectualmente. No que deu isso? Numa relação de subserviência às orientações que vêm dos estrategistas, dos que pensam e formulam.
O discurso do Reino de Deus, da redenção final a que estamos predestinados, tão forte nas CEBs e pastorais, necessita de uma formulação crítica. Esse discurso empobreceu as mediações necessárias, tornou menos importante a reflexão no que concerne à complexidade social. O importante passou a ser a ação. Essa, sim, é eficaz, é transformadora, é libertadora. O importante é o agir. O cristão que não milita, não é um cristão eficaz. É a ação, o fazer que levará à construção do “Reino” aqui e agora.
Não basta boa vontade
O problema é que, como alerta Edgar Morin(5), toda ação escapa à vontade do seu autor, na medida em que entra no jogo das retro/interações do meio onde intervém. Assim, a ação corre o risco não somente de fracassar, mas também de sofrer desvio ou distorção de sentido. Morin diz que os efeitos da ação dependem não apenas das intenções do autor, ou seja, não basta a boa vontade. É preciso muito mais do que isso, é preciso clareza de objetivos, de conteúdo e conhecer o meio em que a ação se realiza, sempre consciente que ela é uma aposta, isto é, a incerteza e o jogo são inerentes à ética complexa. Há uma ecologia da ação que não soubemos entender e implementar.
A questão que fica é exatamente esta: será que o discurso religioso da Igreja da Libertação, com suas metáforas bíblicas, não foi por demais simplificador e empobreceu a nossa ação política? Ele não soube ser capaz de dar conta da ecologia de toda e qualquer ação. Assim, a ética se transformou num discurso simplificador e simplista. É uma questão a ser problematizada.
Uma palavra sobre a mística
Sobre a mística, logo emerge uma pergunta: Apenas os cristãos são portadores da mística? É evidente que não Isso já o sabemos e faz tempo. Por que então a nossa mística seria melhor do que a dos outros para que Leonardo Boff afirme que a mística cristã pode vir ser fonte de renovação do PT? E a mística dos nossos companheiros que não são cristãos. Não pode ela também ser fonte de renovação
Outras questões: Será que a mística cristã, praticada pelos militantes que assumiram o mundo da política, é verdadeiramente radical, que leva na acepção da palavra, a raiz de uma ação transformadora? Será que a nossa mística, ultimamente, não tem privilegiado apenas a luta e deixado de lado uma espiritualidade mais totalizante? Poder-se-ia falar de uma mística de consumo para a luta social? Uma mística da produtividade? Uma mística self service? Mística esta que está a serviço, e reforça as bandeiras de luta pré-definidas, os objetivos mais imediatos das organizações. Uma mística, portanto, pragmática.
A mística perdeu, em grande parte, a sua dimensão de gratuidade. Ela foi subordinada pela eficácia e, assim, esvaziada. A ação cristã, afirma Gustavo Gutierrez, refletindo sobre Mateus 25, 31s, se caracteriza pela eficácia envolta pela gratuidade. Podemos, assim, afirmar, que não soubemos manter a tensão dialética da eficácia e da gratuidade, característica do agir cristão. Desta maneira, a mística deixou de jogar luzes e inspirar a ação social e política. Foi a luta que passou a definir a mística.
Enfim, não estaríamos precisando cultivar uma mística da gratuidade, do dom, da tolerância? Por que tantos cristãos são irmãos e companheiros nos momentos de oração, de mística, e depois se tornam inimigos na luta política?
Ética: os cristãos deram sustentação e legitimidade a muitos que agora se condenam
Não podemos escamotear e é preciso afirmar claramente que os vários dirigentes e parlamentares do PT, agora envolvidos nas denúncias não são acasos fortuitos, que surgiram do nada. Eles são resultado de um longo processo, e as suas posições de destaque no partido foram sustentadas por uma maioria, o chamado “campo majoritário”. Ora, entre os petistas que compõem o “campo majoritário”, que deram sustentação e legitimidade a esses dirigentes, muitos são cristãos. É preciso também que se diga que na chamada “esquerda do PT”, em que estão muitos cristãos, práticas questionáveis acontecem. Também a esquerda do PT precisa fazer uma autocrítica. Dos métodos que tanto condenam, também se valeram em disputas internas.
Os “vícios” do PT foram incorporados por muitos cristãos
Já faz tempo que os “vícios” do PT entraram com força na militância cristã e foram incorporadas por parcela significativa dela. Quem acompanha o partido e as suas campanhas políticas sabe disso. Há mais de 20 anos, o PT abriu a possibilidade de um novo protagonismo político: a possibilidade de as camadas populares “fazerem” política, de os pobres participarem da política, inclusive disputando eleições. Vinte anos depois, o mesmo PT começou a fechar essa porta, na medida em que foi tornando a política coisa para profissionais, em que só se dá bem que tem estrutura. Mesmo dentro do PT, a política foi sendo feita, cada vez mais, pelos mais endinheirados e, pior, servindo como “escada” para ascensão social, prestígio e poder e não como “serviço” de organização do povo, e isso vale para nós, cristãos. Onde estava a indignação ética e a mística dos cristãos contra esse estado de coisas? Também os cristãos foram aceitando essa lógica em nome da grande causa da libertação.
Práticas questionáveis
O projeto de permanência no poder, de continuar sendo vereador, deputado, assessor, foi ganhando centralidade. Assessores contratados e militantes que recebem ajuda de custo, têm como referência primeira o parlamentar. A relação com a luta social, a comunidade, o povo, passa primeiro pela lógica do “coletivo” do parlamentar, de como angariar mais apoios para o “meu deputado”, o “meu vereador”, a “minha corrente ou agrupamento político”. E aqui, sejamos sinceros, quantas comunidades já não se viram envolvidas em disputas mesquinhas, em função dos militantes cristãos que levam as disputas do partido e do interesse do seu parlamentar para a comunidade? Quantos cristãos não passaram a falar mal um do outro, a adotar práticas sórdidas na tentativa de aniquilamento do outro?
O autoritarismo também é praticado pelos “de baixo”
É preciso reconhecer que o fortalecimento do verticalismo e do autoritarismo no PT não deixou os cristãos imunes. Muito pelo contrário. A lógica de “passar o trator” também foi e é utilizada por muitos cristãos. Se é verdade que, no PT, as estratégias passaram a ser definidas “por cima”, é preciso também reconhecer que “mesmo em baixo”, a verticalidade e o autoritarismo se manifestam. Na última campanha, e mesmo na de Lula em 2002, lideranças populares cristãs - da periferia, das CEBs – brigavam por verbas para a campanha. Ter recursos significava ter o poder de decidir contratações para a campanha nos bairros, ter o poder de dar ordens, de decidir, de tornar-se o centro de um micropoder.
Ainda mais grave, há casos de cristãos em posição privilegiada de poder na estrutura partidária que se valem dessa posição para se beneficiarem, fazendo uma verdadeira confusão entre o público e o privado. Não é isso que está acontecendo? Não sejamos ingênuos. Isso acontece nacional e localmente.
Os cristãos se constituem em reserva ética do PT?
É duro e triste, mas não dá para afirmar peremptoriamente que os cristãos se constituem em reserva ética do PT. São muitos, mas muitos mesmo, os cristãos que hoje, em milhares de municípios, disputam a presidência do PT, e em muitos lugares uns contra os outros. E quem acompanha as desavenças, e conhece bem, sabe que a disputa é a do jogo pesado, em que a tese do fim justifica os meios é largamente praticada. É evidente que não podemos generalizar, mas para daí considerar que os cristãos podem salvar o PT vai muita distância. Não somos melhores que os outros, precisamos ter humildade e reconhecer os nossos erros.
E os cristãos que estão no governo?
Poderíamos ainda perguntar: e os cristãos que estão no governo e no parlamento? Frei Betto, em um artigo escrito logo após a posse do governo Lula(6), fala com entusiasmo da participação dos cristãos no governo e cita vários nomes, entre eles, Benedita da Silva (da comunidade do Morro Chapéu Mangueira e do Movimento Fé e Política), José Fritsch (integrante das CEBs de Chapecó), Henrique Meirelles, (militante da Juventude Estudantil Católica (JEC)), José Graziano da Silva (também da JEC), Olívio Dutra e Gilberto Carvalho (da Pastoral Operária), entre outros. É preciso reconhecer, apenas lendo esses nomes citados por Betto, que a participação dos cristãos no governo se dá entre virtudes e falhas. A condição de cristão não nos torna, definitivamente, imunes ao complicado jogo da política. Agora mesmo, acompanhamos tristemente a história de pessoas importantes dentro do PT, dirigentes e parlamentares, envolvidos em corrupção, que começaram sua trajetória política em grupos de base da Igreja da Libertação. Deixaram de ser cristãos?
A ética exige auto-análise e autocrítica permanente
Morin nos lembra que a ética exige uma permanente auto-análise e autocrítica sem a qual se torna fraca. Para ele, a auto-análise se faz pelo exercício permanente da auto-observação. É preciso que se busque uma consciência de si que permita nos descentrar em relação a nós mesmos, de reconhecer o nosso egocentrismo, de medir o grau das nossas carências, lacunas, fraquezas. Portanto, para Morin, a auto-análise deve ser praticada em permanência e deve ser concebida como estado de vigilância sobre si mesmo.
Por outro lado, Morin disse que a auto-análise só acontece por meio de um olhar capaz de autocrítica. Para ele, a autocrítica é o melhor auxiliar contra a ilusão egocêntrica e em favor da abertura ao outro. Morin insiste que o problema chave da ética para si é o da relação com o nosso egocentrismo. É contra o fechamento, a cegueira, a petrificação, que o espírito deve, intelectual e eticamente, resistir. A luta fundamental da autocrítica é contra a autojustificação, afirma Morin. Não é a autojustificação o meio mais usado por aqueles que, de repente, se vêem envolvidos no ilícito? Logo, segundo Morin, a autocrítica faz parte constitutiva de uma cultura psíquica cotidiana mais necessária que a cultura física, uma higiene existencial que alimenta uma consciência em permanente vigilância.
Então, é de se perguntar se a Igreja da Libertação contribuiu, de fato, para uma verdadeira prática de auto-análise e autocrítica que dão a temperança para a ética. A Ação Católica Operária (ACO), exercitava a chamada revisão de vida, mas isso foi se perdendo com o tempo, pois o ativismo já não permitia tempo.
A fala despolitizada de Frei Betto
A falta de autocrítica se manifestou de maneira clarividente na atitude de muitos militantes cristãos que estão, ou estiveram no governo, e mesmo militantes de base, que, quando ouviam qualquer crítica ao governo Lula, até há pouco tempo, taxavam-nas de inimigas e adversárias do projeto popular, constrangendo quem as fazia. Não vai longe o tempo em que qualquer questionamento sobre a política econômica era censurada dura e publicamente. O próprio Frei Betto, hoje um duro crítico da política econômica, adotou essa postura. No 4º Encontro Nacional do Movimento Fé e Política, em dezembro de 2004, na cidade de Londrina (PR), falando a milhares de cristãos sobre Espiritualidade e Política fez veemente defesa do governo e disse que a crítica reservava apenas aos amigos. Mas ele não estava entre amigos? Perdeu uma ótima oportunidade de politizar o debate. Ainda pior, Betto se declarou, por várias vezes Lulista, fato que tem reiterado, e não petista. Afirmação profundamente despolitizada e ingênua, por dois motivos. Primeiro, Lula é fruto de uma longa caminhada das lutas sociais do povo brasileiro. As pessoas passam, os instrumentos de luta permanecem. Segundo, quando o critério de avaliação política é personalizado e blindado, torna-se acrítico.
Autocrítica necessária
Leonardo Boff e Frei Betto são formadores de opinião. Admirados pelos cristãos por suas histórias de vida e compromisso com a causa dos pobres, pela contribuição e elaboração teórica que fundamenta a luta pela justiça social. Porém, as reflexões que fazem sobre os cristãos e a política, particularmente a partir do governo Lula, não têm ajudado para uma leitura mais crítica.
Está mais do que na hora de uma reflexão autocrítica sobre o papel exercido pela Igreja da Libertação e a participação dos cristãos na política, particularmente dentro do PT. Assim como reconhecemos a valiosa e inestimável contribuição dos cristãos na política, precisamos, com coragem, reconhecer a nossa parcela de responsabilidade, os erros cometidos, as práticas viciadas reproduzidas, a omissão de quando percebíamos algo condenável e preferíamos ficar calados, a ausência de projeto, o discurso messiânico. Os militantes cristãos têm um peso decisivo e importante na política, mas a mística e a ética de que fala Boff, se não vierem acompanhadas de uma radical mudança de comportamento e atitude não são um salvo-conduto para refundar o partido como deseja Boff.
- Artigo de Cesar Sanson, pesquisador do CEPAT e da coordenação da Escola de Formação Fé e Política no Paraná, uma parceria do Regional Sul II da CNBB e do CEPAT. O autor foi Coordenador Nacional da Pastoral Operária nos anos de 1990 e 1991 e presidente do Diretório Municipal do Partido dos Trabalhadores (PT) de Curitiba de 1992 a 1995. Cesar Sanson é doutorando em ‘Sociologia do Trabalho’ no Programa de Pós Graduação de Ciências Sociais da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Notas:
1.- Conferir o artigo anterior.
2.- Conferir o artigo de Cristovam publicado – anteriormente - neste boletim.
3.- Sobre a 2ª Semana Social Brasileira cf. o Boletim CEPAT Informa n. 111, jul. 2004, p.3-22 (2ª Semana Social Brasileira. Um projeto para o Brasil).
4.- Cf. entrevista com Inácio Neutzling - Boletim CEPAT Informa n. 111, jul. 2004, p.3-22.
5.- Edgar MORIN. O método 6. Ética. Porto Alegre: Sulina. 2005.
6.- Artigo publicado na Rede ALAI - América Latina en Movimiento, 23-01-03. O artigo também foi publicado no boletim CEPAT Informa, n. 94, fev. 2003, p. 64-66.
https://www.alainet.org/es/node/113005
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