O mais antigo dos jornais
29/08/2005
- Opinión
O Diário de Pernambuco sempre teve o justo orgulho de se proclamar o mais antigo
jornal de toda a América Latina. Ou dito de outra maneira, o Diário de
Pernambuco sempre ostentou, com justiça, o título de a mais velha publicação
editada em língua portuguesa. Fundado em 7 de novembro de 1825, procurou sempre,
como sempre disse de si, “inspirando-se nas lições de um rico passado histórico,
atualizar-se tecnologicamente, sendo esse constante empenho um dos trunfos de
sua longa vida”. E para isto proclamava e proclama que imprime hoje 70 mil
exemplares por hora, com fotos e anúncios coloridos, sim, os belos anúncios, que
sem eles, sem essas jóias da coroa do mundo capitalista, nenhum belo pensamento
se publica em papel de imprensa.
De mais antigo dos jornais à mais antiga das profissões não há nem pode haver
qualquer semelhança. Do bom e honesto diário de anúncios, como se idealizou em
seu primeiro editorial, jamais alguém poderia supor que um belo dia viesse a
oferecer o pesado corpo de 400 toneladas da rotativa a qualquer preço vil. Não a
antiga musa do pensamento liberal da pracinha, não a formosa e divina dama da
democracia nordestina. Por qualquer e vil preço nunca jamais.
E por 150 mil ?
E por um preço menos vil, pode? No blog que se tornou um dos mais lidos da
imprensa, o jornalista Ricardo Noblat nos informa que por 150 mil reais por mês
a feroz virtude do mais antigo dos jornais se amansa. É dele, do blog de Noblat,
a terrível informação:
“Repousa em uma das gavetas da mesa de Severino Cavalcanti (PP-PE), presidente
da Câmara dos Deputados, correspondência assinada pelo jornalista Joezil dos
Anjos Barros, o executivo número 1 do jornal mais antigo em circulação na
América Latina, o Diário de Pernambuco.
Joezil propôs que a Câmara pagasse mensalmente ao jornal a bagatela de R$ 150
mil a título de "relacionamento institucional". Mediante tal pagamento, o jornal
trataria, digamos, com mais carinho o noticiário sobre as atividades da Câmara,
especialmente do seu presidente.
Severino não topou. Sequer acusou o recebimento da correspondência.”
Essa informação, escrita na sexta-feira 19 de agosto, não recebeu qualquer
desmentido. Pelo contrário. A julgar por alguns dos 69 comentários mereceu
alguns acréscimos. Por exemplo, “Joezil Barros é aposentado como juiz classista
do Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco. Participou do esquema que fez o
judiciário leiloar o prédio da AIP. Sempre foi o ‘homem’ da área comercial do
Diário. Apesar do título de ‘jornalista’, nada escreveu durante a vida inteira.
Melhor dizendo, escreveu muito cheque”.
Quanta injustiça
Se esquecemos a correspondência que gerou a notícia, alguns desses comentários
foram bem injustos. De recomendações a Severino Cavalcanti para que entregasse a
carta à Polícia, pois ela, a carta, não passava de chantagem disfarçada, a
reclamos de que o povo já perdera valores morais, ética, pois um cara desses
teria que ser processado, até mesmo à descrença de que o jornalista fosse tão
burro a ponto de escrever a proposta que fez, houve de tudo.
E a injustiça se vê quando se consultam os 48 anos de serviços, somente
serviços, e dedicação, prestados à rede Associados por Joezil Barros. Começou
como repórter da Rádio Clube, depois foi para a editoria de política do Diário,
mas viu todo o seu gênio florescer como Gerente de Publicidade da empresa,
cargo, melhor dizendo, felicidade que o tornou um dos homens mais fortes de toda
história dos Associados. Em seu perfil, anota-se que nessa função passou apenas
11 anos. Modéstia, ou engano. O tino comercial de Joezil Barros veio bem antes
que ocupasse o cargo, e se estendeu além de quando largou oficialmente a função.
Ele é, realmente, a alma do caderno Classificados. Sabe tudo, do torto ao
direito, do por dentro ao por fora, do quanto custa e do como custa um anúncio.
Da página ímpar à página par, e até mesmo a páginas que não aparecem como
ímpares ou pares, nesse prodígio da aritmética que são os números ocultos à
contabilidade intrometida e curiosa.
Em bom português, isto quer dizer que na fase em que o Diário de Pernambuco foi
uma empresa mais livre, de controles gerenciais, queremos dizer, ele negociava
anúncios e pacotes de anúncios com descontos os mais inverossímeis, que se
transformavam em patrimônios de longa duração do Gerente. Assim o lembram ex-
empregados do jornal, quando se recordam do poder que ele detinha em
desconsiderar preços ou multiplicar e dividir tabelas, com a miserável
cumplicidade da diagramação. Mas isto, como afirma Fernando Henrique Cardoso,
isto é história. Passemos ao presente.
O Senhor Presidente
De Gerente de Publicidade, Joezil Barros foi a Diretor Comercial, deste a
Superintendente, daí a Vice-Presidente do Conselho, até chegar ao cargo ou
felicidade atual de Presidente do Conselho de Administração dos Diários
Associados. Honroso posto que acumula com a Superintendência das empresas dos
Associados em Pernambuco, jornal, rádios e televisão. Um homem assim, e os seus
inimigos resistem a vê-lo dessa maneira, um homem com tão altas funções, mais
que jornalísticas, pode muito como criador de imagens públicas, pode quase tudo
numa região de pouca liberdade, pode tudo, quando a isto soma a experiência de
negócios e venda de anúncios. Não se espantem os ingênuos, quando o tomam por
burro, por escrever e assinar uma proposta que o senso humano julga indecorosa.
O deus Joezil Barros sabe de que barro é feita a espécie humana. O que ele sabe
fazer, o que foi a sua vida, o que é o seu projeto social, o que é a sua ação
política para o mundo brasileiro? – Negócios, negócios, negócios. Ele é um
vendedor, um dos melhores. E à custa de tão alta qualificação ele está e é a
felicidade onde se encontra, a mais alta honra dos Diários Associados. Que ele
se dirija assim à Presidência da Câmara dos Deputados não há nem pode haver
surpresa. É da sua história, sucesso e experiência.
Para ele, o espanto é que disso se espantem. A falta de ética é de Severino
Cavalcanti, em fazer vazar um negócio tão legítimo. A safadeza, a falta de
caráter é de Ricardo Noblat, em divulgar acordos que se fazem há décadas. A
ingenuidade, a burrice é dos leitores que acreditam na indignação das manchetes
dos jornais. Nesse ritmo vão terminar por acreditar que é imoral transformar em
estadista o atual Presidente da Câmara, que, de longe, muito longe, é o mais
famoso político de João Alfredo, do interior de Pernambuco.
https://www.alainet.org/es/node/112853
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