O que se esconde por trás das cortinas?
Lula, Chávez e a crise brasileira
13/08/2005
- Opinión
O jorro de informações que nos chegam todos os dias da grande mídia, as denúncias de Duda Mendonça, o esquema do “valerioduto”, o envolvimento da cúpula petista em negócios não muito honestos, é parte de uma inteligente tática. Ao deixar-nos mil questões do tipo quem rouba/ quem não rouba, Lula fica/ Lula sai, ficamos entretidos o suficiente para não enxergar a real natureza desta crise por que passamos. Crise do PT? Lula é safado? É com isto que querem que nos preocupemos. Pois ao pensarmos na crise nestes marcos, também as soluções buscadas para ela serão reducionismos simplórios quanto à situação política atual, do tipo “reforma política”, “impeachment”, etc. Trata-se de uma estratégia diversionista. Bastante eficaz e previamente experimentada, diga-se por sinal. Denuncio então um golpe da direita contra Lula? Estou dizendo que o PT é inocente? Nem um, nem outro.
O autismo televisivo nos cega os olhos para o verdadeiro medo das elites, o hediondo pavor que impulsiona sua agressiva campanha para desmoralizar/submeter o Partido dos Trabalhadores. Porém não é o PT o inimigo visado. Ao envolver a esquerda em seus crimes, anseiam por blindar o Brasil, impedir seu “contágio” pela “epidemia” irrefreável que assola impiedosamente nossa vizinhança: a rebelião popular latinoamericana.
Argentina, Uruguai, Venezuela, Equador, Bolívia... é mister que notemos: vivemos um momento absolutamente ímpar na história latinoamericana, uma encruzilhada histórica de dimensão não atingida desde a primeira onda independentista, capitaneada entre outros por Simon Bolívar. Vivemos uma segunda onda emancipatória. Outrora conquistamos a independência política.
Não obstante, os profundos laços de dependência econômica com as metrópoles, antes Espanha, Portugal e Inglaterra, agora Estados Unidos, mantiveram-se inalterados. Nestes anos neoliberais, essa dependência econômica foi agudamente aprofundada, com nefastas conseqüências sobre a situação social dos povos latinoamericanos. O continente caminha a passos largos para a barbárie, com a deterioração acelerada das já precárias instituições sociais e a conseqüente prevalência do “cada um por si”, numa onda inédita e assustadora de violência criminal. Violência provinda da tentativa individual e desesperada de satisfação do instinto primeiro do ser humano: a sobrevivência. Vivemos um processo autofágico de prognóstico funesto...
Da miséria e humilhação nasce a rebeldia. Na proporção direta do arrogante vilipêndio de nossa pátria promovido pelo império norte-americano, surgem os movimentos populares, assustadoramente espontâneos, de contestação à ordem vigente. Na Argentina, o “panelaço” obrigou mais um presidente neoliberal à fuga da Casa Rosada, rabo entre as pernas, como um rato voltando ao esconderijo. Na Bolívia, milhões de pessoas tomaram as ruas e por breves momentos assumiram literalmente o controle do país, transformando-se eles próprios no Estado, sem contudo destruírem (por opção tática de seu principal líder, Evo Morales) a ordem jurídico-institucional, ou seja, o Estado, vigente. A crise se repetia e se repete, de nação em nação, num sentido único: a derrocada da ordem secular da putrefata oligarquia burguesa/latifundiária latinoamericana e sua substituição, pela primeira vez na história na dimensão continental, por estados efetivamente dirigidos por representantes das classes populares. Lênin definia crise revolucionária como “o momento em que os de baixo já não suportam viver na ordem vigente, e os de cima já não têm força para mantê-la”. É exatamente essa a onda que se alastra, o “Tsunami” que varre despudoradamente a América Latina. Porém, também para Lênin, não bastava onda revolucionária espontânea, havia a necessidade de uma liderança com clareza ideológica e compromisso suficiente para executar as tarefas iniciais da revolução e consolidar o poder popular.
Foi isso o que claramente faltou aos movimentos de libertação nacionais latinoamericanos. Felizmente, na dinâmica própria da evolução natural do processo emancipátório, na sua insistência em persistir e inclusive avolumar-se assustadoramente apesar de suas falhas, esse norte ideológico começa a delinear-se...
“Nuestro Norte es el Sur”. Este é o lema do canal televisivo continental criado pelo governo venezuelano ( HYPERLINK "http://www.telesurtv.net/"http://www.telesurtv.net/ ), consórcio multiestatal de Venezuela, Cuba, Argentina e Uruguai. E é da Venezuela que se pode tirar grandes lições sobre o momento que vivemos, os latinoamericanos. Para entender o rotundo fracasso de Lula, nada melhor que conhecer aquele que é seu semelhante em origem, porém antítese em governo: o vitorioso Hugo Chávez. Assim como no caso de Lula, a ascensão de Chávez ao poder é conseqüência da falência do domínio neoliberal e da rebeldia do povo latinoamericano contra seus patrões históricos. No decorrer das batalhas, contudo, as atitudes tomadas por ambos os líderes tiveram direção diametralmente oposta: enquanto Chávez procurou atender ao clamor libertário de seu povo, Lula resolveu caminhar na contramão da História e associar-se à elite decadente de seu país, sócia menor de interesses forâneos.
Conseqüência previsível, ao persistir nesse rumo Lula somará à extensa lista de líderes latinoamericanos que por pusilânimes entregaram a chibata ao senhor de engenho em troca de privilégios pessoais e esqueceram seu povo na escravidão. Reservar-lhe-á a História o mesmo pequeno espaço de seus congêneres: o ominoso e agoniante ostracismo...
Enquanto isso na Venezuela... Chávez, segundo recente pesquisa encomendada por instituto ligado à oposição, goza atualmente de 80% de aprovação popular. Sentado sobre a maior reserva de petróleo não explorada da Terra, impõe fragorosas e humilhantes derrotas ao império estadunidense, que não cessa em seu fracassado assédio à soberania do povo venezuelano.
Reempossado por um movimento popular espontâneo após um golpe de estado coordenado pela CIA, empresários, militares e canais de TV privados de seu país, sobrevivente à sabotagem da PDVSA (estatal petroleira venezuelana) e fortalecido por um referendo convocado pela oposição, Chávez cresce com seus erros e assume cada vez mais firmemente a defesa de transformações estruturais radicais na Venezuela. Depois de executar uma reforma agrária de cunho social-democrata, erradicar o analfabetismo com métodos pedagógicos inspirados em Paulo Freire e implementar milhares de centros de centros de saúde para atender aos mais profundos rincões do país, agora fala, abertamente e constantemente, em “construir o Socialismo do Século XXI”.
Para desespero do governo estadunidense, ele não está só. Ao contrário, está cada vez mais forte e presente nestas terras do Sul, quiçá no planeta.
Chávez humilha Bush. Pela primeira vez na história, a Organização dos Estados Americanos –OEA, tradicional ferramenta de Washington para impor sua política à América Latina, tem um presidente eleito contrariamente ao interesse ianque. Na última assembléia da organização, realizada em solo estadunidense, todas as propostas de Washington foram rejeitadas, e todas as propostas venezuelanas foram aprovadas. Os EUA estão, para a surpresa geral do planeta, isolados diplomaticamente em seu considerado “quintal”. Hugo não pára por aí. Cria a PetroCaribe, multiestatal caribenha composta por quase todos os países centro-americanos, a PetroSur com o Cone Sul- inclusive Brasil, e a já mencionada TeleSur, oficialmente criada “para contrapor-se à visão imperial da CNN e para que os latinoamericanos possam olhar-se com seus próprios olhos”. O canal televisivo tem entre seus componentes intelectuais respeitadíssimos, inclusive Prêmios Nobel, de várias regiões do planeta. No seu país, transforma grandes indústrias capitalistas em cooperativas, dirigidas conjuntamente pelo estado/trabalhadores (a PDVSA é a principal), e anuncia que as empresas que estiverem ociosas serão expropriadas e entregues a seus trabalhadores. É o germe da economia socialista. Tudo isso sobre a base de uma democracia cada vez mais participativa, ampla e direta, em antagonismo ao modelo soviético falido.
O resultado? Em 2004 a Venezuela cresceu 17% (isso mesmo) e a população pobre- 80% do país- teve seu poder aquisitivo real incrementado em 40% nos últimos anos. Para o desespero de Bush, o segundo país que mais cresceu na AL foi Cuba, com cerca de 9%. Mas é claro que nós não vimos estas notícias no “Jornal Nacional”. É claro que não. Isso seria “perigoso” para o Brasil.
O contraste do país fronteiriço com o “crescimento” e a situação social brasileira em franca deterioração é gritante, e está precisamente nisto o pavor da elite econômica. Afinal o que pensaríamos os brasileiros ao perguntarmo-nos: “Como pode um tal Chávez, falando de socialismo, de uma tal Venezuela, derrotar o império mais poderoso do planeta?”. É o exemplo venezuelano que as elites brasileiras temem. Evo Morales, possível próximo presidente da Bolívia declarou esta semana: “Se para fazermos deste país um bom lugar pra se viver significa sermos comunistas e socialistas, é isso que seremos”.
Um fantasma ronda a América Latina...
- Bruno Menezes, médico.
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