Professores e médicos para o Haiti

21/07/2004
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No filme sobre Pelé se relata a circunstância em que ele, tendo ido ao Congo, durante a guerra civil, na primeira metade dos anos 60, teve que jogar nos dois lados da batalha, com os combates suspensos no momento dos jogos. Agora o Brasil se comprometeu a enviar sua seleção pentacampeã de futebol para o Haiti, com a esperança que contribua para criar um clima favorável às tropas brasileiras e para elevar a auto-estima dos haitianos. A data já está marcada – dia 18 de agosto – e Lula promete estar presente. Chegou-se a anunciar que a entrada seria a entrega de uma arma, mas se considerou que se privilegiaria a população armada e se teme que esse mecanismo aumente a periculosidade da circunstância, em que se esperava que uma concentração inédita no país reúna a uma enorme quantidade de haitianos. Mas que efeito real pode ter, depois de passada a euforia, a ida da seleção de futebol e, mesmo, o que se pode esperar da presença das tropas brasileiras? A missão é considerada de pacificação e de reconstrução do Haiti. A solução dos problemas do Haiti certamente não está no envio de tropas. Se fosse assim, de tal forma o país foi invadido e ocupado militarmente nos últimos duzentos anos – desde a revolução de independência, que cumpriu dois séculos no começo deste ano -, que o Haiti seria dos paises mais prósperos do mundo, com todos os seus problemas resolvidos. Somente depois da queda do regime dos Duvalier, Jean Bertrand Aristide foi derrubado por golpes militares duas vezes, primeiro com o retorno de militares duvalieristas e depois, retornando Aristide ao poder reconduzido pelas tropas dos EUA, derrubado novamente pelas tripas norte-americanas e francesas. O contingente militar brasileiro chegou ao país para substituir as tropas desses países, liderando um grupo de soldados que inclui a argentinos e chilenos. Tratou-se de uma decisão do Conselho de Segurança da ONU, apoiada pelos governos centro-americanos, que preferem o contingente atual à presença dos norte-americanos e franceses. Mas ao mesmo tempo, as tropas vão legitimar uma operação militar que derrubou um governo legitimamente eleito – o de Aristide -, sejam quais forem as críticas que lhe sejam feitas. As tropas chegam para tentar garantir o mínimo de estabilidade, que consistiria basicamente em desarmar a grande quantidade de grupos armados, que se levantaram contra Aristide ou que se armaram para defender o governo derrubado. Se existe um consenso sobre o Haiti é a miséria e o abandono em que se encontra o país. Se o governo de Aristide fracassou – o que não justificaria sua deposição por tropas norte-americanas e francesas -, foi porque não conseguiu diminui minimamente a situação social do Haiti, sem consenso interno e sem capacidade de romper o cerco internacional. Um haitiano se dirigiu aos soldados brasileiros dizendo que o que eles precisam é gente que os ensine a furar poços e a fazer plantações, que é a forma correta de dizer ao mundo o que o Haiti precisa. Que é o tipo de apoio que Cuba, sem nenhuma alarde, faz, com centenas de médicos trabalhando gratuitamente no país. Que o Brasil mande aos Ronaldinhos em 18 de agosto, mas acompanhados de médicos, enfermeiras, pessoal de saúde pública em geral, professores, alfabetizadores, técnicos da Petrobrás especializados em abrir poços, técnicos agrícolas da Embrapa e de outros órgãos governamentais, se não queremos que o jogo se transforme apenas em um convescote em que marca internacionais que patrocinam a seleção vão se aproveitar para fazer propaganda de seus produtos. Se entendemos que a crise haitiana é basicamente uma crise social, não é de paraquedistas e soldados que o país precisa, mas de apoio social. E se estamos ali para viabilizar a devolução da soberania política ao povo haitiano, que tem o direito de decidir sobre seus destinos, temos que apoiar todas as iniciativas de auto organização do povo haitiano, sem o que a missão atual corre o risco de perpetuar-se, fazendo parte da política militar internacional dos EUA de encontrar gendarmes regionais que tutelem a países que a doutrina de Washington considera que são incapazes de se auto-governar – incluindo o Haiti junto ao Afeganistão e ao Iraque. Se não contribuirmos decisivamente desde agora na reconstrução social e política do Haiti, aumenta muito o risco de nos envolvermos nos enfrentamentos internos do país e termos que encarar o que menos queremos – sermos responsáveis pela morte de haitianos, em lugar de contribuir para que triunfe a vida, a esperança, a solidariedade, a justiça e a democracia no primeiro país que derrotou os colonizadores europeus e proclamou a independência na América Latina.
https://www.alainet.org/es/node/110279
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