Politica e religião
21/04/2004
- Opinión
A mistura de política e religião não costuma ser democrática. A
começar porque a democracia tem que estar acima dos credos, não
deve traduzir diferenças de credo, de gênero ou de raça – ou outra
qualquer na esfera privada – em diferenças de direitos políticos.
Além de que a religião se funda em crenças, em dogmas, em fé –
fatores subjetivos -, incapazes de dar fundamento a relações
políticas democráticas.
Estados fundamentalistas religiosos – como os islâmicos, assim
como Israel - discriminam os que não são adeptos dos credos
dominantes. Em um Estado de credo xiita, os sunitas são
discriminados, assim como todas as outras tendências religiosas ou
não religiosas. Da mesma forma, em Israel, os não judeus – como os
20% árabes da população – são cidadãos de segunda classe.
Os EUA atual são uma demonstração assustadora da forma como esse
novo surto religioso na política se propaga. O último best-seller
do ramo se chama "Gloriosa aparição" – de Tim LaHaye e Jerry B.
Jenkins, uma ficção em que o anti-cristo se encarna no secretário
geral da ONU, cria um governo único mundial, com uma única
religião e estabelece sua capital na bíblica Babilônia, isto é,
Bagdá. Seriam os sinais de que o apocalipse está próximo e o
verdadeiro Cristo voltaria à Terra, como um guerreiro furioso que
desencadeia a sua violência sagrada matando e trucidando os ateus,
os não crentes e perseguindo os seguidores das outras religiões.
A nova obra da direita fundamentalista crista foi premiada com uma
promoção da maior cadeia de lojas do mundo – a Wal-Mart, que
distribuiu grátis milhões de exemplares do primeiro capitulo, o
que ajudou a que se desse reservas de mais dois milhões de compras
do livro somente na primeira semana de vendas, mais do que
venderam as memórias de Hillary Clinton em seis meses.
O livro supera as vendas de Harry Potter, com um gênero novo, que
cresce aceleradamente nos últimos nove anos: a ficção científica
cristã de horror,inspirada nas profecias bíblicas. Os primeiros
onze livros da série dedicada ao gênero – "Abandonados" e o nome
da coleção – venderam mais de 40 milhões de exemplares. O décimo
segundo é justamente "Gloriosa aparição", lançado agora.
A importância desse fenômeno supera o do filme de Mel Gilbson por
suas dimensões de massa, por sua duração e pelo extremismo de suas
mensagens. Ressurgem nelas antigas superstições da passagem do
milênio, uma leitura apocalíptica dos atentados de setembro de
2001, mas também uma sintoma de que a "guerra de civilizações" não
nasce na periferia do Império, porque a guerra de religiões é
levada a cabo no coração da sociedade norte-americana.
Seu conteúdo intolerante, racista e a violência dos seus enredos
condena tanto judeus quanto ateus ao extermínio por parte de um
Deus implacável, envolto em sangue no dia duo juízo final. O
primeiro livro da coleção é aberto com a uma descrição dramática
da rapto, momento em que os "cristãos renascidos" serão
transportados para o paraíso. Com uma alusão ao aborto, até mesmo
um embrião é tirado do ventre materno para subir ao céu. Nesse
mundo maniqueísta só há espaço para deus e para o diabo – de forma
bastante similar e paralela aos discursos de Bush, em que os
adversários dos EUA se tornam inimigos de Deus. Tudo faz parte do
projeto de "reenvangelização dos EUA". Enquanto na Europa a
prática religiosa declina, 80% dos norte-americanos afirma
acreditar em Deus e 39% se definem como "cristão reconvertidos".
Desse esforço faz parte a nova campanha de Bush na sua candidatura
a uma nova presidência dos EUA, em que se diz que os favoráveis ao
aborto favorecem ao crescimento das outras raças dentro do país –
negros, chicanos, estrangeiros em geral -, enfraquecendo o
componente essencial da nação norte-americana, conforme o último
libelo racista de Samuel Huntington.
https://www.alainet.org/es/node/109800
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