O mestre do transformismo

15/03/2004
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O presidente do Equador Lucio Gutiérrez tornou seus antigos parceiros de coalizão inimigos O presidente equatoriano Lucio Gutiérrez, que no passado surgiu como rebelde, em seus primeiros 13 meses de seu mandato copiou algo de seus colegas dos países vizinhos Peru e Colômbia. Do peruano Alejandro Toledo a avaliação miserável nas pesquisas de opinião e do presidente colombiano Uribe Vélez a profunda submissão aos EUA e sua política regional. Gutiérrez encerrou o seu primeiro ano de governo com 15% de apoio da população, o que o torna um dos presidentes menos queridos do continente. Como ocorreu ? Gutiérrez denominou o Equador perante o presidente Bush de o "pequeno irmão dos EUA" e reforçou, como Uribe, as negociações bilaterais sobre uma zona de livre comércio, em vez de reforçar os blocos comerciais sul-americanos. Preencheu diversos cargos públicos com parentes, rompeu com seus antigos aliados das organizações indígenas e deu plena continuidade às receitas neo- liberais de seus antecessores. Em resumo: Gutiérrez parece, como muitos presidentes antes dele, participante da galeria dos que deixam suas promessas eleitorais de lado e se transformam em tempo recorde dum portador de esperança em rude desilusão. (...) "Gutiérrez iludiu e traiu os indígenas e todos os equatorianos que o apoiaram em sua campanha eleitoral" diz Humberto Cholongo, presidente da União do Povo Quéchua. "Ele prometeu não se imiscuir no conflito colombiano, dar prioridade às inversões sociais e combater a política econômica neo-liberal. Ele fez exatamente o contrário." Já ao ser empossado, em 15 de janeiro de 2003, Gutiérrez colocou o fundamento da ruptura vindoura com o partido indígena Pachacutic e o MPD [Movimento Popular Democrático] de tendência marxista. Enquanto os partidos de esquerda recebiam a maioria dos ministérios, Gutiérrez entregou as posições chave como os ministérios das finanças e do comércio externo a pessoas que seguiam uma linha neo-liberal. Desta forma, ficou assegurada a continuidade da realização do plano de política financeira, recomendado pelo FMI: venda dos recursos naturais para sustentar a dolarização introduzida desde 2000 e os elevados pagamentos da dívida. Para o sociólogo e analista político Alejandro Moreano, formou-se assim um governo destinado a ser palco permanente de lutas. "Um confronto de forças entre correntes totalmente opostas." No fim de contas, foi decisiva a posição de Gutiérrez, que decidiu distanciar- se do Pachacutic. Após apenas 204 dias de participação no governo, os representantes esquerdistas dos indígenas assim como o MPD abandonaram seus ministérios e a coalizão se rompeu. A transformação de Lucio Gutiérrez, que ainda em janeiro de 2000 havia chefiado a revolta esquerdista de indígenas e militares contra a política neo-liberal, tomou o seu curso. "O presidente fechou imediatamente uma aliança com o Partido Social Cristão de direita e subitamente saudou as visões geopolíticas dos EUA e do presidente Uribe da Colômbia." diz Moreano. O quanto Gutiérrez se afastou de suas posições anteriores é mostrado pelas suas tomadas de posição passadas. Em entrevistas em maio de 2001, ele propôs, como ex-coronel e no estilo dum militante de esquerda, "uma segunda independência" e convocou a luta contra o "neo-colonialismo dos EUA". Seu posicionamento ideológico "estaria baseado numa tendência nacionalista, progressista, humanista, pela justiça e revolucionária" (Gutiérrez). Somente três anos depois, pouco sobrou. A detenção do alto comandante da guerrilha colombiana FARC Ricardo Palmera aliás 'Simon Trinidad' em 2 de janeiro no centro da capital equatoriana Quito provocou uma tempestade na política interna. Ficou evidente que os serviços secretos dos EUA e da Colômbia tinham plena liberdade, no país, para perseguir e prender guerrilheiros. Gutiérrez havia, ainda poucos meses antes, se oposto ao Plano Colômbia e à campanha contra a guerrilha e o tráfico de drogas que não respeitava fronteiras nacionais. Ao que parece, ele abandonou estas como tantas outras posições. "Não queremos que nossas firmas estratégicas sejam vendidas. Não queremos perder nossa soberania monetária. Somos contra o comprometimento do Equador com o Plano Colômbia, contra a lesão de nossa soberania pela base militar dos EUA na cidade costeira de Manta, contra a gigantesca corrupção em nosso governo" proclamou Gutiérrez no Fórum Social Mundial de 2001 em Porto Alegre. Já em 2004, Gutiérrez diz que "é necessário abrir as empresas públicas ao capital privado e sustentar a dolarização." Em tempo recorde Gutiérrez assinou um acordo com o FMI, que garante o pagamento da dívida e coloca o estado como agente dos credores internacionais. Desta forma, o governo conseguiu reduzir o risco- país do Equador nos mercados financeiros internacionais, porém às custas da população, que sofre as conseqüências da dolarização. O saldo da balança comercial continua negativo, os produtos nacionais perderam a competitividade no exterior. A única sorte do país é o elevado preço do petróleo, que preserva a capacidade de pagamento do estado. (...) "O presidente perdeu credibilidade porque desvalorizou sua palavra" opina o consultor político Luis Eladio Proano. "Ele fala todo dia e em todo lugar, se contradiz, responsabiliza a imprensa pelos seus deslises verbais e incorre no grande erro de falar primeiro e se informar depois." [Gutiérrez foi acusado por jornais de ter financiado sua campanha eleitoral com dinheiro do tráfico. Verificou-se, depois, que o informante pertencia ao partido do presidente.] Nunca se chegou a uma explicação aceitável do caso. Gutiérrez organizou no começo de janeiro uma maioria parlamentar para si, com os partidos de centro-direita. Com isso, eles ficaram satisfeitos e se acalmaram. Mas, isso não funcionou com as organizações indígenas. Em 23 de dezembro, encontraram-se na sede da Confederação Indígena CONAIE, que foi aliada muito próxima de Gutiérrez na revolta de 2000, dezenas de sindicalistas, representantes dos pequenos camponeses, intelectuais e representantes da esquerda política, para deliberar sobre possíveis protestos contra o governo. Falou-se abertamente da possibilidade de derrubar o presidente, como foi feito com vários de seus antecessores. Depois da saída do governo, os movimentos indígenas ficaram esperando meio ano, mantendo-se em calma. Neste ano, porém, forma-se um movimento de protesto contra Gutiérrez, que pode provocar sua queda, se ele não efetuar mudanças fundamentais em sua política. Gutiérrez conseguiu elevar a pobreza no país a um nível recorde de 80%, em lugar de introduzir reformas de base. Se em 2000, o salário mínimo cobria ainda metade duma cesta de consumo mensal para uma pessoa, hoje ele cobre apenas um quarto do sustento básico. A conseqüência: crescimento da fome na população e um estado de espírito explosivo no campo, que como nos 1990 pode levar a revoltas e levantes. (...) Em 17 de fevereiro, as uniões indígenas convocaram piquetes para bloqueios nacionais das rodovias, que interromperam o trafego principalmente no interior. Os protestos devem continuar até que o governo mude sua política ou Gutiérrez renuncie. Além disso – segundo Leonidas Iza [presidente da CONAIE] – os indígenas irão à capital para efetuar uma ocupação simbólica de Quito. Gutiérrez deveria saber o que isso significa para ele. Conciliador, ele propôs diálogo no mesmo dia 17 de fevereiro e prometeu pagar suas "dívidas sociais e políticas" ainda este ano. Talvez demasiado tarde. * Traduzido de Latein Amerika Nachrichten [Notícias da América Latina] 357 março de 2004
https://www.alainet.org/es/node/109591?language=en

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