O papel do legislativo nas negociações da ALCA

19/11/2003
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Em primeiro lugar, agradeço o honroso convite para participar deste seminário, absolutamente relevante e decisivo para refletirmos sobre o papel dos parlamentos no processo de negociação sobre a Área de Livre Comércio das Américas. Preliminarmente, peço desculpas pelo atraso, mas, como Líder do Governo, não poderia me ausentar de uma reunião extremamente importante na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal que, como se sabe, está votando, ao mesmo tempo, e em muito pouco tempo, as reformas tributária e previdenciária. Hoje, tivemos uma discussão relevante em torno da reforma tributária. Saúdo todos os membros da Mesa nas pessoas da nobre Presidenta Laura Carneiro e do Presidente do Parlatino, Deputado Ney Lopes, Parlamentares extremamente atuantes, que têm dado uma grande contribuição nas discussões sobre política internacional. Começo esta reflexão falando um pouco sobre a estratégia de negociação e metas em torno da ALCA antes de discutir o papel e os desafios dos parlamentos frente a essa dinâmica. Estamos vivendo um processo de globalização impulsionado por um novo padrão científico e tecnológico, por novas formas de concorrência e por novas escalas de produção e competitividade. A globalização, que está associada à liberalização dos fluxos financeiros, à regionalização dos mercados, uma dimensão associada a esse processo, impulsionou a constituição de macromercados. Talvez a experiência mais exitosa dos pontos de vista diplomático, político, institucional e cultural tenha sido a União Européia. Em certa medida, também o foram MERCOSUL, o NAFTA e outros acordos dessa natureza, de formação de macromercados... No caso da União Européia, trata-se de uma dimensão política e institucional muito mais exitosa e ousada, com uma dimensão particularmente marcante por se tratar um continente que viveu duas guerras e que saiu da II Guerra Mundial com a disposição da uma unidade diplomática, econômica, coordenação macroeconômica, legislação trabalhista e previdenciária. Tudo isso foi sendo construído a partir de parâmetros comuns — Corte de Justiça, Conselho de Ministros, Parlamento Europeu —, quer dizer, uma institucionalidade democrática de coordenação multilateral. Esse processo acaba culminando, inclusive, em um banco central e uma moeda única, o que colocou a Europa em outro padrão, em outro patamar nas relações econômicas, políticas e diplomáticas internacionais. Portanto, as negociações para a constituição de blocos regionais, as negociações comerciais, são absolutamente vitais para a América Latina, para a América do Sul, para todos os países. Do ponto de vista interno, esse processo de globalização impôs às nossas economias a exigência de competitividade e mecanismos para agregar mais valor à pauta de exportações, mais valor adicionado. Do ponto de vista internacional, estamos totalmente envolvidos, e devemos estar engajados, com a abertura de novos mercados, com a luta por regras mais justas para o comércio internacional, especialmente para os países pobres e em desenvolvimento, e com a garantia de um espaço a fim de que as políticas nacionais, as políticas públicas orientem o modelo de desenvolvimento. Portanto, as negociações comerciais dizem respeito, sim, ao grau de liberdade para uma política nacional de desenvolvimento e têm de estar associadas à luta por regras mais justas para o comércio internacional, além da abertura de novos mercados. No [LSGC1] caso do Brasil, com o novo Governo, em primeiro lugar procuramos aprofundar, consolidar e ampliar o MERCOSUL. A primeira viagem do Presidente Lula, ainda antes da posse, e estive com ele, foi à Argentina, mostrando, naquele momento, a solidariedade, a parceria estratégica e o compromisso definitivo de consolidar, ampliar e aprofundar o MERCOSUL. Temos pactuado, no âmbito do MERCOSUL, uma estratégia comum de negociação em todas as outras agendas que temos, tanto na relação com a União Européia quanto com a ALCA e a OMC. Em segundo lugar, buscamos novas relações comerciais, especialmente com países em desenvolvimento. Talvez a experiência mais exitosa dessa estratégia tenha sido o G-22 nas negociações do âmbito da OMC. Havia um compromisso dos países desenvolvidos de tratar da abertura para a agricultura, portanto, dos subsídios agrícolas, que hoje são da ordem de 360 bilhões de dólares por ano, que prejudicam a competitividade das economias em desenvolvimento, especialmente na África e América Latina, num setor muito sensível. Esses subsídios oneram, impedem e dificultam a nossa participação no comércio internacional, além das políticas antidumping e das barreiras não- tarifárias. Essa agenda seria tratada na Rodada Doha. Esse era o compromisso da Rodada do Uruguai, compromisso esse que não foi cumprido na última negociação. Tivemos, de fato, um certo impasse na negociação da OMC, e foi fundamental que os países em desenvolvimento... Chamo a atenção de todos para a importância da construção de uma aliança com países como China e Índia, que são importadores de alimentos, que estiveram junto com a África do Sul, Brasil e América do Sul, de forma muito coesa até aquele momento, nessa discussão da OMC. Isso faz parte da nossa política. Em terceiro lugar, estamos buscando a negociação com a ALCA, a OMC e a União Européia, as 3 grandes frentes de negociação que temos até este momento. Quero me reportar depois à incidência que a negociação da OMC tem na negociação da ALCA. O impasse da OMC contamina o processo de negociação da ALCA. Recebi aqui, há cerca de mês e meio atrás, o Ministro Zoellick, quando ele expôs a estratégia americana de jogar para a OMC os subsídios agrícolas, lei antidumping, portanto, parte da agenda que era prioritária na nossa negociação. Ainda brinquei e disse que eles negociam há muito mais tempo e têm muito mais competência negocial do que nós. Os países em desenvolvimento, durante muito tempo, usaram as barreiras tarifárias para proteger seus mercados, enquanto os Estados Unidos e outros países tinham mecanismos muito mais sofisticados, como lei antidumping, subsídios e outros instrumentos. Portanto, estamos exatamente aprendendo com eles. Se eles estão colocando na OMC os temas mais sensíveis para a economia americana, nós estamos fazendo exatamente o mesmo, quer dizer, colocamos serviços, compras governamentais, patentes, propriedade intelectual e investimentos. Chamo a atenção de V.Exas. para o fato de que esses 4 temas vão muito além do livre comércio e dizem respeito à capacidade de regulação dos Estados nacionais. Estamos tratando, da mesma forma, esses temas na OMC. Se os Estados Unidos, que têm uma economia 11 vezes maior que o segundo país da região da negociação da ALCA, colocam temas sensíveis para serem negociados no âmbito da OMC, os demais, que têm uma economia mais exposta, menos competitiva, menor escala, menos capacidade, portanto, de realizar seus interesses nesse processo de negociação, têm todo o direito de colocar, da mesma forma, sua agenda mais sensível na OMC. Isso foi o que tivemos até o momento. O impasse na negociação da OMC é que gera uma certa tensão no processo de negociação da ALCA. Por que tivemos um impasse nas negociações da OMC e o que está em jogo nesse processo de negociação da ALCA? Quero deixar bem claro qual é a agenda e o que está sendo discutido, porque é muito importante olharmos a experiência, a trajetória e o desempenho nas negociações do governo americano, que é muito competente na sua estratégia não só como governo, mas como instituição democrática, inclusive o parlamento. O Parlamento americano participa, desde 1931, da fase anterior à negociação. Ele define os parâmetros da negociação dos acordos multilaterais desde o antigo fast track. Em 1974, foi ampliada a capacidade do parlamento, que passou a tratar não só dos problemas tarifários; ele participa durante o processo de negociação e, ao final desse processo, estabelece as leis nacionais que vão ser implementadas. Parte dessa estratégia de negociação internacional foi construída exatamente pelo parlamento americano na discussão do TPA. O que os Estados Unidos estabeleceram como agenda prioritária na negociação? Qual a sua posição relativa aos temas dos investimentos? Qual é a pauta? Primeiro, a criação de um acordo geral de investimentos na OMC e repetição do Capítulo de Investimentos do NAFTA na ALCA. A proposta deles é trazer para a ALCA o Capítulo 11 do NAFTA, que trata de investimentos, e basicamente estabelece a redução ou eliminação das exceções de tratamento nacional na questão dos investimentos; livre transferência de investimentos; não distinção entre investimento direto e de portfolio — portanto, o Estado nacional não pode mais separar investimento de portfolio do investimento direto em termos de políticas públicas; proteção pré e pós estabelecimento das empresas; redução da eliminação dos requisitos de desempenho, metas e nacionalização — esse tipo de exigência teria que desaparecer do Capítulo de Investimentos; e o tema mais sensível é o problema da arbitragem investidor-Estado, quer dizer, toda a estrutura jurídica do país perde a capacidade de regulação, de normatização na questão de investimento — uma empresa estrangeira tem o direito de escolher uma arbitragem internacional em qualquer conflito que tenha com o Estado nacional, a exemplo do que tem ocorrido no NAFTA, objeto de uma grande discussão —; e impedir a transferência forçada de tecnologia. Essa é a agenda para o tema de investimentos. Qual é a contrapartida que o Brasil oferece a essa discussão? Primeiro, queremos negociar essa agenda complexa, que vai muito além do livre comércio no âmbito da OMC. Segundo, propomos, em vez da arbitragem investidor-Estado, arbitragem Estado-Estado — não empresa-Estado, mas Estado-Estado. Terceiro, distinguir o investimento direto dos investimentos de portfolio. Isso faz parte da política monetária de regulação do sistema financeiro, especialmente em economias vulneráveis do ponto de vista das suas contas externas. Quarto, admitir exceções à regra do tratamento nacional. Estabelecer exceções de salvaguardas em relação à livre transferência, de modo a proteger a economia em eventuais ataques especulativos. Quer dizer, hoje, com 38 paraísos fiscais e liberdade absoluta do fluxo de capital financeiro, em situações de ataque especulativo, situação que o Brasil, a Argentina e vários países latino-americanos já viveram, os bancos centrais e o Estado nacional devem manter instrumentos de defesa da sua moeda, o que seria impedido se forem aceitas as pré-condições apresentadas pelo governo americano. Admitir requisitos de desempenho, metas e nacionalização e preservar a capacidade do Estado de promover políticas de desenvolvimento para proteger o interesse público. Então, temos uma contraproposta, e estamos propondo que essa discussão se faça no âmbito da OMC pela complexidade, abrangência e incidência, que vai muito além, insisto, de um acordo de livre comércio. O segundo tema é o antidumping. Qual é a proposta americana para a negociação do antidumping? Primeiro, negociar antidumping, que é uma agenda sensível aos países em desenvolvimento da América Latina. Quero lembrar que, no caso brasileiro, de 2001 a 2002, tivemos 2 bilhões de dólares de prejuízo em relação ao antidumping na lei americana; só na siderurgia, foram 1 bilhão e 400 milhões de dólares. Portanto, essa tema para nós é sensível, e não está em negociação. A proposta é que a negociação seja feita na OMC, mas esta não avançou. A [LSGC2] primeira exigência americana para discussão do antidumping no âmbito da OMC é preservar a capacidade dos Estados Unidos de aplicar rigorosamente suas normas comerciais, incluindo suas leis antidumping, medidas compensatórias e salvaguardas, e evitar acordos que diminuam a efetividade da disciplina doméstica sobre o comércio injusto, especialmente o dumping e subsídios, ou que diminuam a efetividade da regra sobre salvaguardas. Isso está na Seção nº 2.101-B, do TPA, aprovado pelo Congresso americano. Portanto, o Congresso americano, antes da negociação, estabelece limites claros para o Executivo negociar, entre eles essas condições para o antidumping, o que restringe muito a agenda da ALCA no que se refere à negociação de tema tão sensível para nossas economias. Além disso, os painéis e os órgãos de apelação da OMC devem aplicar corretamente o padrão de revisão contido no art. 17.6 do Acordo Antidumping da OMC, pelo qual concede-se maior deferência às autoridades nacionais na avaliação da necessidade de se aplicar as medidas antidumping. Finalmente, qualquer acordo que possa afetar as normas internas de defesa comercial terá que ser submetido à Comissão de Ways and Means da Câmara e à Comissão de Finanças do Senado. Para qualquer mudança nessa matéria, o Congresso americano reivindica o direito de dar a palavra final. Portanto, eles estabelecem antes os parâmetros e definem as áreas sensíveis submetidas a uma aprovação ou não final do Congresso americano. Qual é a posição brasileira sobre antidumping? Primeiro, negociar o antidumping no âmbito da OMC, mas também na Alca. Segundo, restringir a aplicação de medidas antidumping, mediante a introdução de regras mais claras e rigorosas no acordo da OMC; que não haja abuso na utilização desses instrumentos. Terceiro, tornar mais difícil estabelecer medidas antidumping contra países em desenvolvimento. Esse ponto já está no art. 15 do acordo da OMC. Qual é a terceira área sensível? A posição sobre serviços. Qual é a posição dos Estados Unidos sobre serviços e qual o conflito que temos nessa negociação? A posição é reduzir ou eliminar barreiras no comércio internacional de serviços, incluindo aspectos de regulamentação e outras barreiras que neguem tratamento nacional e acesso ao mercado ou injustificadamente restrinjam o estabelecimento ou operação dos fornecedores de serviço — Seção nº 2.102, do TPA; eliminar regulamentações domésticas restritivas à atuação dos prestadores de serviço norte-americanos; abrir espaço para as empresas norte-americanas na área de serviços; pressionar pela liberação de todos os setores e serviços, especialmente telecomunicações, serviços financeiros, entregas rápidas, energia, serviços jurídicos, serviços de informática e serviços ambientais; manter o comércio eletrônico livre de barreiras. Essa é a agenda que eles propõem na área de serviços. Qual é a nossa agenda? Liberalização progressiva, e não imediata; possibilidade de promoção de políticas nacionais no setor — portanto, excepcionalizar cláusulas de tratamento nacional; flexibilidade para adotar compromissos diferenciados no que tange a setores e modos de transação; não incluir na negociação setores estratégicos, como telecomunicações, energia e serviços financeiros; não incluir áreas em que o marco regulatório esteja em curso, serviço postal e audiovisual, por exemplo; reproduzir na ALCA os compromissos do Brasil na OMC. Nós estamos negociando nesses dois planos. Finalmente, em relação à propriedade intelectual, último ponto da agenda, qual é a proposta dos Estados Unidos? Implementar, de forma rápida e completa, as regras de propriedade intelectual previstas em acordos; assegurar que os dispositivos sobre propriedade intelectual, inscritos em acordos bilaterais ou multilaterais, sejam semelhantes aos existentes na legislação interna norte-americana, mesmo padrão para o direito intelectual; fortalecer a proteção de tecnologias novas; garantir que os meios de proteção da propriedade intelectual acompanhem o desenvolvimento tecnológico; evitar exceções e pressionar os demais países para que implementem legislação doméstica sobre propriedade intelectual que tome como modelo a lei americana — quer dizer, a lei americana serviria como padrão para as leis de propriedade intelectual. Qual é a contraproposta do Brasil? Conciliar o direito de propriedade intelectual com a transferência de tecnologia; manter a flexibilidade do direito de propriedade intelectual em relação às necessidades de saúde pública — à exemplo do tratamento da AIDS (a quebra de patentes é um tema extremamente importante para os países em desenvolvimento, especialmente para a produção de medicamentos essenciais à defesa da vida) -; distinguir entre países desenvolvidos e em desenvolvimento em acordo sobre propriedade intelectual; não permitir o patenteamento de formas de vida, o que é uma grande polêmica; proteger o conhecimento das comunidades tradicionais; negociar o tema predominantemente na OMC. Portanto, o impasse na OMC se deve à complexidade na discussão sobre investimento, patentes, serviços, portanto, setores absolutamente fundamentais para um projeto de desenvolvimento. Essa é uma matéria que vai além, evidentemente, da questão do livre comércio e diz respeito à regulação dos Estados nacionais. No âmbito da negociação, qual é o foco da ALCA possível, não da ALCA inatingível? Porque a agenda que não foi possível no âmbito da OMC não o será na ALCA. Da mesma forma que o Congresso americano estabeleceu 300 produtos sensíveis para serem subordinadas a uma decisão da OMC, nós temos também preocupação com setores sensíveis. Mas podemos avançar exatamente em relação ao acesso ao mercado de bens. Nesse acesso, limitadamente, os serviços poderiam ser incluídos no processo de negociação. Nós estamos negociando 4 mais 1, e lembro que a estratégia de segmentar a negociação foi feita na oferta americana. Na oferta à ALCA, os americanos estipularam, para os produtos industriais e de consumo importados pelos Estados Unidos, a abertura de 91% para o CARICON, 66% para a América Central, 61% para os países andinos e 58% para o MERCOSUL. No caso do MERCOSUL, 42% dos nossos produtos industriais ficariam fora da oferta de mercado. No caso da agricultura, 85% seriam para o CARICON, 65% para a América Central; 68% para os países andinos e 50% para o MERCOSUL, ou seja, metade dos produtos agrícolas ficariam de fora. E os produtos sensíveis, onde temos grande interesse de negociação, como o etanol brasileiro, que sofre todo tipo de restrições desde os anos 80; o suco de laranja, que sofre barreiras tarifárias extremamente severas desde 1992; o açúcar brasileiro, que experimenta uma cota extremamente restritiva, e vários outros produtos da nossa pauta de exportação agrícola e industrial, como a siderurgia, produtos têxteis, calçados, que sofrem barreiras tarifárias e não-tarifárias extremamente severas, ficariam de fora da meta inicial. Portanto, na negociação comercial, vai-se avançar mais rápido exatamente se a negociação for 4 mais 1, porque teremos mais flexibilidade, mais foco e mais objetividade na negociação dos diversos segmentos que forem apresentados na mesa de negociação. Nós fizemos uma contrapartida no MERCOSUL para as negociações de bens e serviços. Portanto, estamos propondo que, no caso da ALCA, avancemos na solução de controvérsias, no tratamento especial para diferenciar os países em desenvolvimento — quer dizer, recuperar parte da dimensão que a União Européia construiu com os fundos de compensação e estímulo aos países mais pobres, como Portugal, Espanha e Grécia, propusemos também trazer essa agenda para o âmbito da negociação da ALCA; discutir os fundos de compensação, que fazem parte dessa dimensão; as regras fitossanitárias e as facilidades de comércio. A proposta é basicamente acesso ao comércio mediante essa agenda, onde poderemos, de fato, avançar no processo de negociação. Concluo fazendo um comentário sobre o papel do Legislativo. No caso dos Estados Unidos, antes da negociação, eles têm a TPA, o antigo fast track, que dita regras, normas, parâmetros para o processo de negociação, que deve ser seguido pelo Executivo. Durante a negociação, eles convocam periodicamente os negociadores para prestar esclarecimentos e acompanham com muito rigor o processo negocial. Após a negociação, todas as leis, para poderem se adequar ao acordo multilateral do país, têm que ser aprovadas pelo Congresso americano. Portanto, o Congresso tem uma participação absolutamente decisiva em toda estratégia de negociação, antes, durante e depois. No caso do Brasil e de boa parte dos países da América Latina, recebemos uma influência muito grande do Estado absolutista do século XVIII, quando a representação da Nação, para não haver dualidade, era feita pelo monarca, o Executivo. Com a separação dos Poderes, essa função de representar a Nação ficou delegada exclusivamente ao Poder Executivo. O Poder Legislativo tem hoje um papel totalmente subalterno, acessório e, no máximo, ratifica os acordos que foram aprovados. Vou [LSGC3] citar uma estatística do caso brasileiro: de 1946 a 1981, houve 693 acordos internacionais; 688 foram aprovados sem modificações, 3 com reservas, mas foram aprovados, apenas 1 foi aprovado com emendas e 1 foi rejeitado a pedido do Executivo. Essa é a história do Parlamento. Da Constituição brasileira de 1988 para cá, tivemos pequenas alterações em 13 acordos que foram firmados. Não podemos mais ter uma atitude passiva num processo de globalização com uma agenda tão complexa, que vai muito além do problema do comércio. Estamos tratando de qual é o espaço de liberdade de regulação do Estado nacional para se ter uma política de desenvolvimento. São países que têm um atraso tecnológico, problemas sociais, de exclusão social, de crescimento sustentado da economia, de estabilidade econômica, institucional e política. Portanto, o Estado tem de ter espaço para construir seu modelo de desenvolvimento, superar as restrições de um capitalismo tardio, sobretudo de um passado escravista e colonial que ainda pesa tanto sobre a nossa história econômica. Diante disso, os parlamentos têm de ter uma atitude pró-ativa, e essa é a disposição do novo Governo. Queremos o Congresso Nacional debatendo, sim, as negociações internacionais. Elaborei uma emenda constitucional que propõe exatamente alterar o procedimento legislativo, estabelecendo uma participação ativa do Congresso para definir parâmetros de negociação, para aprovar os negociadores. Vejam os senhores que o Senado Federal aprova embaixadores, mas não aprova os negociadores. Ora, hoje, na economia moderna, os negociadores dos acordos multilaterais são muito mais importantes, do ponto de vista diplomático, do que as embaixadas. No entanto, o Senado não tem nenhum papel tanto em argüir quanto em aprovar os negociadores. Ao final do processo, também damos mais ênfase ao papel do Parlamento. Quer dizer, a indústria, a agricultura brasileira, a academia, a intelectualidade, os movimentos sociais precisam ter uma participação ativa nesse processo de negociação, e o Parlamento é a grande porta de entrada da sociedade civil. Por isso, espero que este encontro não seja apenas uma troca de intervenções em diversas línguas, culturas e realidades, mas que consigamos fortalecer o Parlamento nesse processo absolutamente decisivo. É preciso ter claro, e termino com esta afirmação, que os prazos da ALCA nós estamos buscando cumprir, mas eles não podem se opor e se impor aos conteúdos, ao resultado. Essa é uma negociação extremamente decisiva para quem tem um projeto de Nação e de integração regional. Estaremos junto com o MERCOSUL em todas as etapas desse processo. Além disso, temos tido consultas muito construtivas com a região andina nesse processo de negociação, com as demais regiões e subgrupos do nosso continente, do nosso Hemisfério. Esperamos que essa negociação seja exitosa, como disse o Presidente Lula, mas temos condições, temos expectativas e só entraremos nesse acordo se essas condições forem asseguradas, não só para o Brasil, mas para os 34 países. Contem com o Governo brasileiro como um aliado estratégico, especialmente para as economias menos desenvolvidas, para que discutamos uma integração solidária e não um processo de integração impositivo, que pode aumentar ainda mais as assimetrias e os desequilíbrios que já são tão grandes neste continente. * Palestra do Senador Aloizio Mercadante no seminário sobre o papel do legislativo nas negociações da Alca 21 de outubro de 2003
https://www.alainet.org/es/node/108817

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