Fome Zero x Crime Zero

01/08/2003
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Crime não é monopólio de pobre. Pessoas endinheiradas também figuram nas estatísticas da crescente criminalidade que aflige o país. Alguns ingressam no mundo do crime por falta de oportunidades, sobretudo de educação e trabalho. Outros, pelo excesso de oportunidades que a vida lhes oferece. De um lado, a pobreza; de outro, a ganância. A miséria, no entanto, tem sido a grande responsável pela fácil cooptação de nossas crianças e jovens por associações criminosas. A ciência criminal sempre esteve às voltas com esta intrincada questão: como submeter o criminoso a uma punição que corresponda, em gravidade, ao dano por ele causado? Há quem acredite que a prisão é a universal panacéia para todos os males. Constata-se, porém, que a segregação nem sempre cumpre sua finalidade social. Em tese, a prisão deveria evitar novas práticas delitivas, intimidando o infrator e a sociedade, e recuperando aquele que transgrediu a lei. Devido à falência de nosso sistema prisional, somada à enorme desigualdade social (os 10% mais abastados são 70 vezes mais ricos do que os 10% mais pobres), a dupla função da pena é meramente teórica. O Direito Penal moderno defende a segregação do infrator apenas em situações de extrema gravidade. Pesquisas criminológicas demonstram que a privação da liberdade não recupera necessariamente o criminoso. A aplicação de penas alternativas tem surtido melhores efeitos. Na legislação brasileira, entre as penas restritivas de direitos, previstas no artigo 43 do Código Penal, destaca-se a prestação pecuniária. Penas alternativas também desempenham funções retributiva e preventiva de uma reprimenda penal. E podem ser utilizadas como meios para cumprir exigências constitucionais, como a erradicação da pobreza e da marginalização (art.3º, inciso III, da Constituição Federal). Portanto, compete aos poderes constituídos a adoção de políticas públicas afinadas com esse primado constitucional. Penas restritivas de direitos, em especial a prestação pecuniária, devem ser adotadas para ressocializar o infrator e, ao mesmo tempo, combater a pobreza. Esta alternativa, adotada nos últimos três meses pela 7ª Vara Criminal de São Paulo, demonstra que, no país, pelo menos R$ 100 milhões podem ser arrecadados anualmente para o combate à fome. Este mecanismo poderia ser instituído, por via legislativa ordinária, para crimes de menor poder ofensivo, tornando obrigatória a sua aplicação em todos os municípios brasileiros. Hoje, para "crimes de pequena gravidade", cuja pena máxima não ultrapasse um ano, o Ministério Público, de acordo com o art. 76 da Lei 9.099/95, propõe a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas. Caso aceita a proposta pelo acusado, o juiz aplica a pena restritiva cabível. Assim, o processo não é iniciado. Para "crimes de gravidade média", cuja pena mínima não seja inferior a um ano, a mesma lei estabelece, em seu artigo 89, a possibilidade de suspensão do processo por dois a quatro anos, mediante certas condições. Verifica- se que, para delitos mais leves, aplica-se pena restritiva de direitos (art. 76); para delitos mais graves, são mais brandas as condições de suspensão do processo (art. 89). Para acabar com a incoerência da lei e dispensar um tratamento mais adequado à natureza dos delitos em questão, propomos a alteração do inciso II do artigo 89 - "proibição de freqüentar determinados lugares" (inócua, por falta de fiscalização) - cuja redação seria: II) prestação pecuniária, consistente em pagamento em dinheiro, a ser fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo, nem superior a 500 (quinhentos) salários mínimos, ao Fundo de Erradicação da Pobreza. É bom lembrar que os combates à criminalidade e à fome são deveres impostos aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Um trabalho efetivo depende, no entanto, do apoio de toda a sociedade. Cada qual fazendo a sua parte. * Ali Mazloum é Juiz Federal da 7ª Vara Criminal de São Paulo, professor de Direito Constitucional e especialista em Direito Penal. Frei Betto é escritor, assessor especial da presidência da República e autor de "Hotel Brasil" (Ática), entre outros livros.
https://www.alainet.org/es/node/108028?language=en

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