O governo Lula, a esquerda e a questão do poder

21/05/2003
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Aqueles que acreditam que chegar ao governo é o mesmo que chegar ao poder prestam um enorme desfavor às mudanças no Brasil. Depois de mais de 20 anos de sua fundação o Partido dos Trabalhadores - PT elegeu Lula, um dos seus principais quadros, presidente da República do Brasil. Um presidente eleito com mais de 60% dos votos válidos em um país que há cerca de 30 anos ainda vivia sob uma das piores ditaduras de direita da América Latina. Um país onde a distribuição de renda é uma das piores do mundo e que a exclusão social abocanha mais de 30 milhões de seres humanos. Sem deixar de mencionar as enormes diferenças regionais onde uma parte é rica e outra é extremamente miserável. Um país onde a sua elite jamais se preocupou em por em pratica um projeto de desenvolvimento social e econômico que levasse em consideração os interesses do povo brasileiro enquanto nação. Pelo contrário, ela desde que as caravelas aqui chegaram, sempre optou pela acomodação junto aos interesses da Metrópole. Foi assim com a Coroa Portuguesa, com a Inglaterra nos primeiros anos do império e da república. E assim é desde a República Velha aos dias de hoje em relação aos EUA e seus agentes financeiros (FMI, BIRD, BID entre outros). Tentativas de implementar reformas de cunho popular através da chegada ao Governo Federal das forças progressistas sempre esbarraram na dicotomia governo x poder político. Temos o exemplo disso com João Goulart, do PTB, em 1964 quando parte considerável das forças armadas deixou os quartéis partindo de Minas Gerais em socorro dos interesses das classes dominantes, das multinacionais e do governo dos EUA que se sentiam ameaçados pelas reformas de base pretendidas pelo governo federal. Mesmo a Constituição da época afirmar que o chefe supremo das forças armadas era o presidente da República, ela não conseguiu evitar o golpe militar que instalou no país 30 anos de autoritarismo, perseguições políticas, seqüestros e os mais violentos crimes cometidos contra a humanidade no século 20. Novamente nos encontramos num Estado de Direito onde a "Constituição Cidadã" reafirma ser o presidente da República o chefe supremo das forças armadas. Novamente temos as forças ditas progressistas no governo federal, desta vez eleitas pelo voto direto da maioria da população brasileira. E novamente as reformas são postas na mesa. Lógico que entre as reformas de base de Goulart e as reformas pretendidas por Lula existem diferenças significativas. A época também é outra. Se naquela época a URSS, a China e Cuba representavam o perigo vermelho internacional e o comunismo era o grande inimigo da segurança nacional, hoje à esquerda (PT, PC do B, PSB, PCB, PPS e PDT) governa o país. E é aqui que reside a origem dos problemas vividos pela esquerda brasileira como um todo e pelo PT e seus aliados em particular. Lula ganhou a eleição para a presidência da República, mas não chegou ao poder de fato. Esse não se encontra incluído nas disputas eleitorais embora esteja presente como eixo disputado nas lutas de classes. Eleição é uma coisa, o poder é outra. Então, quem detém o poder político no Brasil? A burguesia brasileira atrelada aos interesses estrangeiros, principalmente aos do governo norte-americano. É ela quem de fato manda no país. Para ela o governo serve apenas para fazer valer os seus interesses de classe social e dos seus aliados estrangeiros em solo brasileiro. Ela disputa nas eleições "democráticas" o aparelho de Estado, não o poder do Estado. Este é de exclusividade dela e a ela deve obediência. O poder político e repressivo é de quem possui o poder econômico. É de quem detém a hegemonia ideológica no interior da sociedade capitalista. E essa hegemonia ideológica se respalda nos veículos de comunicação, nos vários aparelhos estatais de cultura e educação, na religião, na repressão policial, na corrupção, na própria exclusão social e na marginalidade dela derivada. Parte da esquerda ao exigir de Lula o rompimento quase que imediato com os acordos e interesses herdados do governo FHC age, no mínimo de má fé, contra os interesses populares. Primeiro porque Lula ainda nem completou um ano de governo e segundo porque o governo não conta com a hegemonia na sociedade. Ela, a hegemonia, ainda continua em disputa. Assim como as lutas de classes continuam a mover o mundo. O pior é que à esquerda que esta fazendo tais exigências se diz respaldada no marxismo, em Lênin e Trotski. Mas à luz do marxismo revolucionário o que vemos é aquilo que o próprio Lênin denominou de "Esquerdismo, a doença infantil do Comunismo". "Lula vai frustrar as massas!" "O governo Lula é um governo burguês que esta defendendo os interesses da burguesia e do imperialismo". Argumentos como estes refletem a visão esquerdista que ainda impera em muitas das nossas organizações de esquerda (Aqui incluídas as tendências internas do PT rotuladas de radicais). Longe de estar desqualificando as lutas e a importância dessas organizações formadas por valorosos companheiros e companheiras que se dedicam a defender a nossa gente e o nosso país. O que estou tentando mostrar é que, apesar das aparências, às vezes cometemos erros. A história esta repleta de exemplos. Trotski em toda a sua vida sempre deixou claro que o esquerdismo jamais ajudou na construção das revoluções socialistas. Esta lá basta consultar. A tarefa da esquerda revolucionária neste momento não é o de ficar denunciando publicamente o governo Lula. Muito pelo contrário. É o de ajudar na organização e radicalização dos trabalhadores e dos excluídos. É o de empurrar Lula e o PT para o campo da esquerda. Mesmo estando num governo ao lado do PL, do PTB, PDT, PMDB e de representantes das oligarquias nordestinas como Sarney, Lula não é como eles. Até mesmo porque, mesmo estando ao lado de Lula no governo, esses setores jamais confiaram e confiarão em Lula. Aliás, Trotski também deixou claro a sua critica a respeito disso em seus escritos marxistas - as contradições de um governo de esquerda no aparelho de Estado capitalista. Em cima dessa realidade o que devemos fazer é organizar as massas para a grande tarefa de fazer deste governo, atualmente social-liberal-reformista, um governo popular capaz de disputar o poder político do Estado com a burguesia e seus agentes políticos. Porque se não acreditarmos no poder de organização das massas e em sua capacidade de mobilização e de conscientização política para reconhecer os seus aliados e os seus inimigos jamais estaremos preparando-a para a revolução. É isto que faz uma organização ser de vanguarda. Não os discursos contra um governo que pode ser posto a serviço das massas através da mobilização, das ações políticas organizadas e no apoio em momentos decisivos. Se para nós Lula já não representa as mudanças que defendemos historicamente, para as massas ele ainda é "o Lula do PT". E o PT para as massas é a esquerda. Se ela perder em Lula o grande referencial da esquerda brasileira, não será só o PT que perderá a credibilidade junto a ela. E quem ganhará com isso? A revolução? Talvez esse excesso de radicalismo, esse esquerdismo seja fruto do pouco contato real de muitas dessas organizações com as massas. Se for, demonstra a transformação de uma teoria revolucionária, que é o marxismo, em um dogma religioso. Ou seja, a esquerda marxista não precisa ir as massas porque ela é, por si só, a vanguarda, o farol e a detentora da verdade revolucionária. Ela não precisa ir de encontro as massas porque "Só vão ao socialismo aqueles que vierem a mim". E a história esta repleta de erros desse tipo. Erros que custaram e ainda podem custar muito caro. E parece ser isso mesmo, pois já existem notícias da organização de "mais um partido revolucionário" no Brasil para lutar contra os social-reformistas e neoliberais do governo Lula. Como se a revolução fosse produzida por qualquer partido auto-intitulado de revolucionário. Mais que tentar unificar todas as forças de esquerda e populares é preferível dividi-las. Porque divididos jamais teremos a responsabilidade real de agirmos como revolucionários. E ser revolucionário é estar ligado às massas. Ser parte delas a exemplo do que Gramsci qualificou de os intelectuais orgânicos da classe operária. É fazer do marxismo aquilo que ele é; Um Guia Para a Ação. Não a tábua de salvação para o discurso fácil, pseudo - revolucionário e profundamente distante das massas que apenas colaboram para manter os revolucionários mais distantes das massas. E não existem revolucionários sem que existam as suas relações com as massas oprimidas, exploradas e excluídas. Porque sem essas relações jamais poderá ser organizada qualquer revolução. Sem essas relações organizações/massas qualquer tentativa para a tomada do Poder(que é mais que ganhar uma eleição burguesa) estará fadada ao fracasso. E as massas são mais que os poucos milhões de trabalhadores sindicalizados agrupados e divididos entre as várias centrais sindicais. As massas vão além das instituições tradicionais da classe trabalhadora, dos partidos, das ONGs e dos movimentos sociais. As massas (em sua grande maioria) se encontra desorganizada e dividida. Para terminar tomo a liberdade para fazer as seguintes Indicações para a leitura: Todas as obras de Lênin, Trotski, Rosa Luxemburgo, Antonio Gramsci, do próprio Marx, A Revolução Brasileira, de Florestam Fernandes, A Opção Brasileira (vários autores) e O que é ideologia, de Marilena Chauí.
https://www.alainet.org/es/node/107588
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