Para apresentação à Presidência e Conselho Permanente
Análise de Conjuntura
20/06/2005
- Opinión
Apresentação
Mais que um período de crise, o mundo vive um tempo de desordem causada
pela subordinação dos povos ao jogo do mercado. Na ausência de uma instância
mundial de poder legítimo, os interesses dos mais fortes se impõem aos mais
fracos. Essa conjuntura mundial afeta diretamente a economia brasileira, agora
em sua maior crise desde o início do Plano Real, e muda o curso do processo
eleitoral, retirando-lhe o caráter plebiscitário que, desde 1989, marca as
eleições presidenciais. É provável que as grandes decisões políticas venham a
ser tomadas num “terceiro turno” que o ápice da crise econômica provocará.
Entender a natureza dessa crise, de modo a nos prepararmos para melhor
enfrentá-la e dela sair com um projeto de sociedade globalmente solidária, é o
que procuramos oferecer nesta Análise de conjuntura.
Os EUA e a desordem mundial
Os aviões que 11 de setembro de 2001 derrubaram o WTC municiaram o
governo Bush para enfrentar a turbulência econômica. Uma política militarmente
agressiva busca a adesão da população em termos de “certo ou errado, meu
país”. O esgotamento da euforia econômica tira de cena o “livre comércio para
um mundo só” para fazer entrar a “luta sem trégua contra o terrorismo”. “Sem
trégua” significa, no caso, sem compromisso com o direito internacional e sem
outro limite senão a capacidade militar de quem a Casa Branca decida acusar de
“terrorismo”, apoio ou simpatia por ele . A denúncia da morte atroz dos
combatentes talibãs, que após sua rendição foram sufocados em containers pelo
“exército do norte”, sem que oficiais estadunidenses nas proximidades tomassem
conhecimento, chocou o mundo civilizado. O questionamento dessa política por
setores críticos da sociedade civil é tido como falta de patriotismo.
O clima de temor, tensão e guerra anti-terrorista, parece ser uma
estratégia dos falcões que cercam o presidente Bush para reforçar seu domínio
mundial, mesmo correndo o risco de impasse político nas relações
internacionais. Os principais pontos de atrito são hoje:
- apoio irrestrito a Sharon na guerra da Palestina, que desestabiliza toda a
região. O mundo árabe e os povos de religião muçulmana se sentem
marginalizados e humilhados. A ameaça de ataque contra o Iraque (pouco
provável, pelo alto preço da desestabilização mundial; mas falcões não têm
escrúpulos) aumenta o clima de tensão o Sul e o Norte.
- Os ataques às organizações da ONU e o boicote a iniciativas internacionais,
como a retirada das delegações dos EUA e de Israel durante a Conferência
contra o racismo e a intolerância em Durban (em novembro 2001), a retirada
da assinatura do tratado de Kyoto (abril de 2002) e a oposição a que seja
reconhecido o Direito dos povos e das pessoas à alimentação, na conferência
da FAO em Roma (junho). A maneira como conseguiram a substituição de Mary
Robinson, comissária da ONU para os Direitos Humanos, e do embaixador
Bustani da Opaq (organização para a prescrição das armas químicas), foi
chocante. Enfim, deve-se destacar a vigorosa campanha contra a criação do
Tribunal Penal Internacional. Os EUA foram vencidos pela maioria de países
da ONU e agora ameaçam cortar qualquer ajuda aos países que apoiem o
funcionamento daquele tribunal.
- Na América do Sul, os EUA estão abrindo novas bases militares: Manta, no
Equador, uma na Patagônia, presença cada vez mais forte na Colômbia,
tentativa de conseguir do governo brasileiro a base de Alcântara. O
programa SIVAM, que controla a Amazônia, tem muito a ver com a geopolítica
dos EUA.
Para entender a situação atual, é preciso ter em conta que ao final da
II Guerra Mundial os EUA tinham a liderança tecnológica, política e econômica
do mundo, enquanto seus concorrentes estavam praticamente arrasados. Em 1972,
para fazer face às despesas de guerra (a guerra fria, e particularmente contra
o Vietnã), o dólar foi desvinculado do padrão-ouro, o que possibilitou o
endividamento externo do Tesouro americano e favoreceu as importações. Isso
elevou o nível de consumo do seu povo, impulsionou a corrida armamentista,
colocou de joelhos a URSS e deu início à pax americana. Essa mudança no dólar
favoreceu especialmente o capital financeiro, direcionando-o para o lucro
seguro dos empréstimos ao Tesouro e elevando a taxa de juros para os setores
produtivos de risco. Essa bolha financeira descolada da produção real (são os
derivativos que mais movimentam as Bolsas) teve sua contrapartida na
“engenharia contábil” de empresas que, para atrair capitais, apresentavam
previsões de altos lucros, de modo a aumentar seu valor na Bolsa. O resultado
é que há seis meses eclodiu uma crise financeira mundial, cujos efeitos ainda
não se pode bem avaliar. Os escândalos começaram com a Enron e se ampliaram a
mais de 100 empresas suspeitas de graves irregularidades contábeis.
Uma crise de confiança abala profundamente o sistema capitalista,
principalmente num mercado sem fronteiras, sem limites e sem controle. Bush
tenta esconder a amplitude dos estragos e minimizou o impacto dos escândalos
falando de “práticas ligeiramente desonestas”, mas a confiança exige tempo
para ser restabelecida. Uma nova onda recessiva ameaça os EUA, onde é enorme o
endividamento interno e externo, e, por tabela, a Europa. Os investimentos e
as Bolsas do mundo estão caindo. Emprego e indústria começam a estagnar nos
países industrializados. O pouco que a economia norte-americana tem conseguido
crescer deve-se ao investimento público (nas companhias aéreas, em armas e
equipamentos militares, e outros setores “de risco”) após o 11 de setembro. As
medidas protecionistas visam garantir que a recessão não piore. Provavelmente
vão se acentuar enquanto os EUA não encontrarem o caminho da expansão.
Neste contexto, a ALCA favorece a realização do lema “a América para os
Americanos”, como a integração do México na NAFTA bem o ilustra. Suas
(im)posições nas conferências de Doha (OMC, novembro 01) e de Monterrey (ONU,
março 02), e a aprovação pelo Congresso de maior liberdade de negociação
comercial (TPA; fast track) indicam que o gigante quer usar o “livre mercado”
como arma para difundir seus produtos e sua cultura na AL. Internamente,
porém, prevalece o protecionismo: que os outros abram suas fronteiras aos
produtos e serviços dos EUA, ao passo que eles protegem o seu mercado e seu
território contra migrantes incômodos.
Diante da fragilidade do sistema global, cresce a necessidade de
melhores regras de governança, não só nos organismos internacionais, mas
também nos governos, nas empresas e mesmo nas organizações da sociedade civil.
Os princípios de transparência, participação, responsabilidade partilhada e
controle, adaptados à complexidade das novas situações, são a chave para
livrar a democracia das malhas tecnocráticas e financeiras do poder.
A Cúpula Mundial de Desenvolvimento Sustentável - “Rio + 10”
Em 1992, a “Cúpula da Terra” no Rio despertou otimismo. A “Agenda 21”
com as suas 2500 recomendações devia ser rescrita e aplicada em cada país .
Nesta década, criaram-se muitos organismos públicos nacionais e internacionais
para cuidar da ecologia; ONGs sensibilizam as populações e vigiam os governos.
Mas, essas iniciativas estão bem aquém da necessidade de integrar os objetivos
sociais, ambientais, políticos e econômicos no mesmo processo de
Desenvolvimento Sustentável. Apesar das catástrofes ecológicas , as empresas
não mudam sua forma depredadora de produção, a publicidade implementa em toda
parte o desejo do consumo, a brecha entre ricos e pobres se acentua, enquanto
a população mundial continua a crescer.
Kofi Annan, secretário geral da ONU – que não quer um novo fracasso em
Joanesburgo – identificou como áreas prioritárias: a água, a energia, a
produtividade agrícola, a biodiversidade e gestão dos ecossistemas, e a saúde
(devido à degradação do meio ambiente e ao uso de produtos tóxicos). Mas é
grande a distância entre os discursos e a prática. Os países ricos não
respeitaram seus compromissos em financiar a implementação da Agenda 21. O
presidente Bush denunciou o acordo dos EUA ao protocolo de Kyoto (1997) e, se
vier a boicotar a 2ª Cúpula, poderá tirar a credibilidade da ONU e ameaçar
seriamente àû^
https://www.alainet.org/es/node/106328?language=en
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