Somos cidadãos ou consumidores?
29/07/2002
- Opinión
O eleitorado, tal como aparece nas pesquisas, tenderia a eleger
presidente do Brasil quem afirme a continuidade da estabilidade
monetária, mas que prometa mais políticas sociais. Nem interesse se
logre compatibilizá-las, mas que apareça aos seus olhos como portador
das duas.
Essa á a principal vantagem de Ciro Gomes, que assume o caráter
estabilizador do Plano Real, critica os que seriam seus erros e
promete mais políticas sociais. Para disputar com ele, Lula pode
tentar se amoldar ainda mais ao ponto de vista atual do eleitorado -
as pesquisas dizem que ele teria que se recuperar no eleitorado mais
conservador - e perder ainda mais espaço para Ciro na postura crítica
ao governo. A outra saída seria Lula tentar mudar o ponto de vista
deste setor do eleitorado.
O que deve ser criticado no marketing eleitoral é sua disposição de
conquistar eleitores como se fossem consumidores. É preciso bajular,
aceitar como são, produzir a mercadoria que os agrade. Para uma
candidatura que pretende mudar o país, é preciso incorporar nesse
projeto de mudança a transformação da cabeça das pessoas.
A campanha eleitoral, ao contrário daqueles que estão
desconfortáveis, já começou. Achar que ela começará com o início do
horário eleitoral é não se dar conta que a opinião pública vai
formando seus valores ao longo do tempo, que os modifica, em margens
determinadas, na campanha eleitoral, mas que está em desenvolvimento
há tempos. Considerar que ela começa com o horário televisivo é cair
em mais uma armadilha que confunde campanha com marketing de consumo:
este pode vender um produto novo com uma maciça e bem feita campanha
de publicidade.
Diferente é "vender" a imagem de Lula. Ou está é maquiada para
adaptar-se aos eleitores - e, no caso atual, para fazer com que
nichos conservadores aceitem Lula, não alterando seus valores, mas
adaptando Lula a suas expectativas.
Outra coisa é considerar a campanha eleitoral um momento - especial,
mas um momento - na formação da opinião pública, que educa, informa,
constrói novos valores. Ou se busca adaptar a "mercadoria" - é assim
que os marqueteiros tratam até mesmo os candidatos à presidência,
falando de "vender a mercadoria" - ao que o "mercado" deseja, ou se
trata de mudar a consciência dos que votam.
Num caso, somos todos considerados "consumidores" e o sistema
político uma espécie de mercado. O mega-especulador George Soros já
disse que considera o mercado mais democrático que a política, porque
nesta votaríamos uma vez cada dois anos, sem - segundo ele - tantas
conseqüências diretas sobre nossas vidas. Enquanto compramos muitas
coisas diariamente e, se compramos mal, pagamos um preço imediato -
gastamos muito, a mercadoria é ruim etc. Só que nas eleições deste
tipo de sistema, pelo menos o Olavo Setubal e um desempregado tem um
título de eleitor - embora o primeiro tenha muita grana para
influenciar o processo eleitoral. Enquanto que no mercado vota muito
mais quem tem mais dinheiro.
Mas neste caso, o mais grave é que se somos considerados cidadãos, a
campanha eleitoral é um ato cívico, de debate público, de comícios,
de dar voz ao maior número possível de pessoas. Trata-se de
considerar as eleições não uma disputa marqueteira, mas uma disputa
política pela consciência das pessoas, em torno de valores, de
concepções de mundo e de sociedade.
Lula só pode ganhar se mudar, durante a campanha eleitoral - que já
começou há tempos - os valores atuais das pessoas que, amedrontadas
diante de tantas inseguranças - de perder o emprego, de ser
assaltado, de que cortem a luz, de pegar virus etc etc. -, se
arriscam pouco e se entregam aos aventureiros que prometem tudo:
manter a política de ajuste fiscal, assinar acordos com o FMI, pagar
a dívida nos prazos estabelecidos e ainda retomar o desenvolvimento,
fazer políticas sociais, criar empregos etc.
Para isso, sua campanha tem que ser dirigida pelo PT, dirigindo-se à
cidadania, e não por marqueteiros, que se dirigirão aos consumidores.
Precisa ser uma campanha política e ideológica e não uma campanha de
marketing. Até porque, marketing por marketing, o Ciro Gomes ganha.
https://www.alainet.org/es/node/106187
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