Fazenda Caixa Dois
26/03/2002
- Opinión
Ocupada, na semana passada, por trabalhadores rurais sem terra, a Fazenda
Córrego da Ponte, atualmente registrada nos nomes dos filhos do presidente da
República, tem uma história que precisa ser conhecida.
Na campanha eleitoral de 1985, até umas duas semanas antes da eleição o
candidato Fernando Henrique Cardoso estava disparado – nas pesquisas – à frente
de seu adversário mais direto, Jânio Quadros, que acabou levando a Prefeitura de
São Paulo.
Mas, de qualquer maneira, a campanha de FHC recebeu uma excelente injeção de
dinheiro do empresariado paulistano, certo de que se estava apostando no cavalo
vencedor. Ele perdeu a eleição, mas terminou a campanha com boa grana em caixa –
no caixa dois, é claro, coordenado pelo amigo inseparável Sérgio Motta.
No ano seguinte, em 1986, nova campanha eleitoral. FHC concorreu e ganhou uma
das duas vagas para o Senado, com bem menos votos que o senador Mário Covas.
Mas, de novo, FHC teve uma campanha abastada e com boa contribuição do
empresariado paulista. Mais uma vez, o mala preta foi o Sérgio Motta.
Dois ou três anos depois surgiram as primeiras notícias de que FHC e Sérgio
Motta haviam se tornado proprietários de uma fazenda no noroeste de Minas
Gerais. FHC, na época, tinha remuneração de senador e de professor aposentado da
USP.
No início dos anos 90, a revista “Isto É” publicou uma matéria sobre a tal
fazenda de sociedade de FHC e Sérgio Motta, na qual se afirmava que o contrato
de compra e venda havia sido subfaturado (colocado em preço inferior ao da
negociação e do mercado) para justificar a situação de renda do professor e
senador Fernando Henrique Cardoso. Essa matéria não foi desmentida e também não
provocou qualquer investigação do Ministério Público ou da Receita Federal.
A matéria apenas reforçou a versão corrente nos meios políticos de que a fazenda
havia sido comprada com as sobras das campanhas eleitorais de 85 e 86,
administradas pelo amigo e sócio Sérgio Motta. Ou seja, a grana do caixa dois
deveria ter sido contabilizada no caixa geral do PMDB partido de FHC na época
das eleições, mas acabou virando propriedade privada.
Com a morte de Sérgio Motta, o presidente FHC fez acerto com a viúva Wilma Motta
e acabou ficando com a parte do ex-mala preta Sérgio Motta na fazenda. Logo em
seguida, o presidente passou a fazenda para os nomes do filhos, embora seja de
sua propriedade, pois é ele quem usa e manda no pedaço.
A imprensa chapa branca, naturalmente, incorporou essa operação toda sem maiores
questionamentos. Tanto é que trata da fazenda como sendo dos filhos do
presidente e nem questiona porque ela deveria ter proteção especial com status
presidencial. E jamais foi atrás investigar como a fazenda foi adquirida.
O acerto com a viúva Motta envolve também imóveis em Paris, mas isso é outra
história. O que precisa ficar claro é que a fazenda ocupada pelos trabalhadores
sem terra é apenas um bem simbólico – a fazenda do presidente – que foi obtido
de forma ilícita, como tantas fazendas apropriadas pelas elites espertinhas do
País. Na verdade, a propriedade deveria ser chamada mais adequadamente de
Fazenda Caixa Dois, em homenagem à sua origem.
* Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor de Jornalismo da PUC-SP.
https://www.alainet.org/es/node/105731?language=en
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